Intervenção de

Período de férias judiciais no Verão<br />Intervenção de Odete Santos

Senhor Presidente: Gostava de interpelar o Sr. Presidente no seguinte sentido: esta proposta de lei veio publicada numa separata do Diário da Assembleia da República, para consulta pública, com um prazo de 19 dias para o efeito — porque o dia 8 de Julho, segundo as regras do Código Civil, não conta. Ora, sobre esta matéria, apenas tenho conhecimento de um ofício subscrito pelo Sr. Deputado António Montalvão Machado, na qualidade de Vice-Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que sugere, relativamente a esta proposta de lei e a uma outra que ainda nem estava presente na Assembleia da República, que seja reduzido o prazo de consulta pública de 30 dias (prazo previsto no Código do Trabalho, aqui invocado) para 20 dias, dado que tal iniciativa seria discutida hoje, dia 28 de Julho, e de um despacho do Sr. Presidente, com o seguinte teor: «Urgente. Publique-se diploma no Diário da Assembleia da República. Aos Presidentes das 1.ª e 11.ª Comissões para promover a consulta pública». Neste despacho, tal como o Código do Trabalho exige, não está justificada a redução do prazo de 30 para 20 dias, nem sequer se diz «concordo», apenas que é urgente a publicação no Diário! Aliás, já constatámos que essa redução do prazo não foi para 20 dias mas, sim, para 19 dias, e, portanto, também aí haverá violação do prazo estabelecido para a consulta pública. Posto isto, pergunto ao Sr. Presidente se foi emitido mais algum despacho, para além deste, em que V. Ex.ª ou o Presidente da Comissão — normalmente, é a Comissão de Trabalho que delibera que se procedaà consulta pública — justifiquem a redução do prazo de 30 para 20 dias, ou se esse é o único despachosobre a matéria. Sr. Presidente, o ofício que tenho em mãos é do Sr. Vice-Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e o mesmo não refere que se tratade uma deliberação da Comissão — e, tanto quanto estou informada, não foi. Pergunto a V. Ex.ª, Sr. Presidente, se alguém o informou de que tinha sido a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdadese Garantias a deliberar. Neste caso não há leis que não a da maioria absoluta!… Passaram apenas19 dias! Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça,Telegraficamente, dado o pouco tempo de que disponho, queria insistir nessa questão do estudo, para saber que operação aritmética simples (uma regra de três simples ou composta) pode ter sido feita para se chegar à conclusão de que com esta redução haveria um aumento de produtividade de 10%. Também fico à espera da deliberação da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que deve estar em acta, estabelecendo que o prazo de consulta pública devia ser reduzido para 20 dias. Por último, V. Ex.ª, Sr. Ministro, esqueceu-se de dizer que em 1987 o Partido Socialista, em declaração de voto, congratulou-se por causa das férias judiciais terem ficado como ficaram: dois meses apenas, coincidindo com as férias escolares — para tanto, basta consultar os números do Diário da Assembleia da República. Ora, gostava de perguntar por que é que, estando os juízes, os representantes do Ministério Público e os funcionários judiciais de férias na segunda quinzena de Julho, o cidadão, já desprotegido perante a justiça, vai ver os seus prazos correr e, possivelmente, precludir alguns direitos por estar longe e não ter cumprido os prazos. Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Justiça e demais membrosdo Governo: Creio que é importante lembrar a afronta que constituiu para todos os operadores judiciários e para os cidadãos em geral, visto que ninguém gosta de ser tomado por tolo, a forma como o Sr. Primeiro- Ministro, no dia 29 de Abril, nesta Assembleia, colocou o problema das férias judiciais. Nessa ocasião, disse o Sr. Primeiro-Ministro, em declarações que ficaram registadas no Diário da Assembleia da República, que os tribunais estão fechados dois meses por ano. Ora, para além de isso ser mentira, para além de ser falso, essas afirmações levaram a que, lá fora, toda a gente começasse a dizer que, de facto, isto era um «bodo aos pobres» e que os operadores judiciários tinham privilégios, o que é natural, visto que foi o próprio Primeiro-Ministro quem começou por tratar este assunto como se de um privilégio se tratasse, dizendo que estes operadores tinham mais férias do que os trabalhadores normais. Esta afirmação também está no Diário da Assembleia da República. Esta questão dos privilégios tem sido, muitas vezes e em várias ocasiões, brandida para coarctar direitos às pessoas, objectivo que esta proposta de lei leva a cabo. Este é o primeiro ponto que importa salientar, sendo conveniente lembrar que foi também neste sentido que se pronunciou a Ordem dos Advogados, profissionais do foro que representam os cidadãos nos tribunais. Ora, a segunda quinzena de Julho — período que, de acordo com a proposta do Governo, deixa de ser de férias judiciais — é, geralmente, o tempo em que os magistrados e os funcionários judiciais gozam os seus dias de férias, porque o mês de Agosto não chega. Para alguns tribunais, aliás, nem mesmo a segunda quinzena de Julho chega! Digo-lhe que não chegam! As contas foram feitas e o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues estava presente na reunião da 1.ª Comissão onde o Conselho Superior de Magistratura e do Ministério Público, por exemplo, apresentaram as contas que fizeram constar do parecer que entregaram. Não me engano, não! O Sr. Deputado gosta muito de misturar as coisas, mas é preciso que isto fique claro! Eu vou dizer-lhe, Sr.ª Deputada Celeste Correia, como é que os cidadãos são prejudicados por esta medida. O que sucede é que, com a aprovação desta proposta de lei, na segunda quinzena de Julho os prazos continuarão a correr para os cidadãos. Um cidadão pode estar no gozo de férias, mas pode ter de interrompê-las por causa de uma citação, ou, pior, nem sequer ter conhecimento de que houve essa citação, vendo, assim, precludir o prazo que continuará a correr nessa segunda quinzena. Os cidadãos correm o risco de deixar passar os prazos para, por exemplo, deduzir um pedido de indemnização cível num processo crime por estarem a gozar férias. Os cidadãos podem ser obrigados a interromper as suas férias ou, pior, podem não conseguir cumprir a obrigação de indicar um rol de testemunhas nessa segunda quinzena de Julho. Os cidadãos, muito provavelmente, não verão qualquer audiência marcada para essa altura, mas, se tal acontecer, correm o risco de interromper as suas férias e de, chegando ao tribunal, ver a audiência adiada porque as testemunhas estão a gozar férias e não comparecem. O Sr. Ministro não respondeu a uma pergunta que coloquei logo de início e que procurava saber se esta proposta beneficia os cidadãos. É que, de facto, não é assim que se criam benefícios para os cidadãos que recorrem à justiça, pese embora o facto de esta medida ter sido anunciada no dia 29 de Abril como algo de grandioso, dois dias depois de o País ter sido confrontado com a notícia de que tinha acabado o prazo de prisão preventiva num processo que corria em férias. Como tal, aquilo que o Sr. Primeiro-Ministro veio fazerà Assembleia nessa altura foi, de facto, uma afronta, continuando a querer enganar os cidadãos. Por que é que os senhores não tomam outras medidas, essas, sim, capazes de beneficiar os cidadãos,como a de reduzir as custas judiciais? É que o valor elevado destas custas tem afastado da defesa dosseus direitos nos tribunais de trabalho muitos trabalhadores. Por que é que não alteram a lei do apoiojudiciário que hoje apenas se aplica aos indigentes e pouco mais? Por que é que não levam a cabo as reformas relacionadas com a burocracia dos tribunaiscom a qual se vêem confrontados os magistrados e os funcionários judiciais?Sr. Presidente, Srs. Deputados, Parece, agora — pelo que ouvi ao Sr. Deputado Ricardo Rodrigues —, que o estudo invocado pelo Governo não é importante. Mas, se foi o Sr. Ministro que falou nesse estudo desde o início, é natural que queiramos saber que «unidade de medida» foi usada para chegar a este aumento de produtividade de 10%. Não há, contudo, qualquer estudo credível neste sentido. Para além disto, Sr. Ministro, há uma outra afronta que foi hoje continuada por V. Ex.ª, pois, de acordo com um mapa que aqui tenho, há países em que os magistrados têm mais férias do que os magistrados portugueses. Estou a lembrar-me, por exemplo, da Itália, onde há 45 dias de férias funcionais e não apenas judiciais. Em Itália, há 30 dias de férias judiciais e os magistrados têm 45 dias de férias funcionais, pois, como eles terão o problema da justiça resolvido, podem dispor de um sistema deste género. Em Portugal, todavia, tal não é possível. Sr. Ministro, convinha que V. Ex.ª explicasse aos cidadãos os atrasos que se vão verificar nos despachos saneadores e nas sentenças, pois era durante o período de férias que os juízes levavam a cabo tais actos. Convinha que o Sr. Ministro explicasse tais demoras aos cidadãos, pois nem os juízes nem os advogados terão tempo para estudar as acções mais complicadas durante as férias judiciais. Já ultrapassei o tempo de que dispunha, mas não posso deixar de dizer que a Ordem dos Advogados tem razão quando, no parecer que nos deu, demonstra que os cidadãos são prejudicados. Por isso digo que esta proposta é uma afronta para os cidadãos, por tentar convencer os portugueses de que vai ficar tudo resolvido, quando não vai. Por último, gostava de reafirmar que está provado, pelos elementos constantes deste dossier, que o processo de consulta pública não respeitou os termos legais, conforme disse na interpelação à Mesa que efectuei no início da sessão. Na realidade, mesmo que o despacho em causa tivesse sido claro, nem sequer o prazo mínimo de 20 dias foi, neste caso, respeitado. Para mais, se o que hoje vai ser aprovado por VV. Ex.as sobre o estatuto da aposentação é inconstitucional, há ainda uma clara violação do direito à negociação colectiva no que toca aos artigos relativos às férias judiciais. De facto, alteram-se os direitos dos magistrados em relação ao gozo de férias e, de acordo com a Lei n.º 23/98, de 26 de Maio, esta é uma matéria que tem de ser objecto de negociação colectiva, o que não aconteceu. Essa é outra das inconstitucionalidades constantes deste processo. Por fim, diria que as casas não começam a ser construídas pelo tecto ou que, pelo menos, não se coloca um tecto sobre uma casa com traves-mestras que estão a esboroar-se. Era necessário ter tomado outras medidas para, depois, analisarmos esta questão das férias judiciais.Votação final global do texto de substituição sobre a proposta de lei n.º 23/X

O debate sobre a proposta de lei n.º 23/X demonstrou que o Primeiro-Ministro:
a) Anunciou a redução das férias judiciais como uma medida estruturante ao combate à morosidade da justiça e como fundamental para o aumento da produtividade dos tribunais; b) Fez o anúncio de uma forma afrontosa para todos os operadores judiciários, pois quis convencer os cidadãos de que os tribunais estavam encerrados durante os dois meses de Verão para gozo de férias de magistrados judiciais, magistrados do Ministério Público, funcionários judiciais e advogados, que teriam então um regime de férias de privilégio relativamente ao normal dos cidadãos (dois meses); c) Anunciou que, com a redução, haveria um aumento de produtividade de 10% de acordo com um estudo do Ministério da Justiça, estudo que, insistentemente solicitado pelos Deputados, não foi apresentado pelo Ministro da Justiça; d) Fez o anúncio num momento particularmente crítico, quando dois arguidos em prisão preventiva foram restituídos à liberdade por se ter esgotado o tempo de prisão (apesar de o processo correr seus termos em férias judiciais); e) Induziu com facilidade a opinião pública no erro de assacar as culpas aos operadores judiciários pelo regime de privilégio (aliás, inexistente) relativamente às férias, dado que entre o facto referido em d) (ocorrido em 26 ou 27 de Abril) e a afirmação de que os tribunais estavam encerrados durante dois meses de Verão mediaram 2 ou 3 dias(a sessão na Assembleia foi em 29 de Abril).

O debate demonstrou ainda:

a) Que, pela impossibilidade de gozo das férias durante o mês de Agosto de todos os operadores judiciários, a 2.ª quinzena de Julho será a de um vazio nos tribunais, continuando, no entanto, em curso os prazos que impendem sobre os cidadãos, os quais apenas se suspendem no mês de Agosto; b) Que a 2.ª quinzena de Julho terá de ser necessariamente afectada ao gozo de férias dos magistrados e funcionários, mas serão os cidadãos as vítimas da redução das férias, pois nessa 2.ª quinzena haverá prazos que terminam, apesar das férias normais dos cidadãos (como prazos de contestação, prazos para apresentação de acusações, de pedidos de indemnização, de arrolamento de testemunhas, todos eles prazos que levam à preclusão de direitos se não forem atempadamente cumpridos).

Mas o debate demonstrou, ainda, que a Assembleia da República não cumpriu o dever de organizar a consulta pública nos termos legais, para dar cumprimento à alínea d) do n.º 5 do artigo 54.º e à alínea a) do n.º 2 do artigo 56.º da Constituição. De facto, estamos na presença de legislação de trabalho, uma vez que, através da proposta de lei, se altera o regime de gozo de férias de magistrados e de funcionários judiciais.E é a Lei n.º 23/98, de 26 de Maio, que, na alínea d) do artigo 6.º, claramente estabelece que o regime de férias é legislação do trabalho, tanto mais que até é matéria sujeita à negociação colectiva. Sendo assim, aliás de acordo com o artigo 146.º do Regimento da Assembleia da República, a Comissão competente promove a apreciação do projecto ou proposta pelas comissões de trabalhadores e associações sindicais, para efeitos da alínea d) do n.º 5 do artigo 54.º e da alínea a) do n.º 2 do artigo 56.º da Constituição. Sendo certo que o n.º 2 desse artigo se refere que aquelas entidades podem pronunciar-se no prazo que a Comissão fixar, a verdade é que o Código do Trabalho, aliás invocado na separata da Assembleia da República — artigo 524.º a 530.º da Lei n.º 99/2003 — fixa o prazo de 30 dias para a consulta pública, o qual só poderá ser reduzido para 20 dias, se o autor da publicação justificar a urgência na redução do prazo para 20 dias. De acordo com a resposta à interpelação do PCP, sobre a existência de qualquer despacho onde se justifique a urgência na redução do prazo, o que resulta do processo legislativo é o seguinte:

1 — Não houve qualquer deliberação de qualquer comissão para redução do prazo de consulta pública. 2 — Houve, sim, um ofício subscrito pelo Vice-Presidente da Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias, dirigido ao Sr. Presidente da Assembleia da República sugerindo a redução do prazo. 3 — Do despacho do Sr. Presidente da Assembleia não consta qualquer declaração de concordância com a redução do prazo, nem qualquer fixação do prazo em 20 dias, e muito menos qualquer justificação para tal redução. 4 — A separata foi publicada a 8 de Julho; logo, o prazo de consulta pública foi de apenas 19 dias (nem sequer 20) uma vez que, nos termos do artigo 279.º do Código Civil, o dia 8 não se conta.

Assim, por incumprimento das normas legais (aliás, invocadas na separata) relativas à participação das associações sindicais na elaboração da legislação de trabalho, o diploma padece de inconstitucionalidade. Mas é claro, também, que houve violação do direito à negociação colectiva, previsto na Lei n.º 23/98, de 26 de Maio. Com efeito, nos termos do já citado artigo 6.º, a alteração do regime de férias é objecto de negociação colectiva. O diploma altera claramente o regime de férias de magistrados e de funcionários judiciais. Logo, o Governo deveria ter procedido à negociação do diploma, nesse aspecto, com as associações sindicais, na forma estabelecida pela Lei n.º 23/98. Se se considerar não haver normas com incidência orçamental, o processo a seguir deveria ser o estabelecido no artigo 7.º da Lei n.º 23/98. E para haver negociação antes do dia 1 de Setembro, deveria ter havido acordo com as associações sindicais na abertura do processo negocial. Nada disso foi cumprido pelo Governo. Nem houve, consequentemente cumprimento das fases posteriores de negociação previstas no artigo 7.º atrás citado. Assim, o diploma é também inconstitucional por violação do direito à negociação colectiva previsto no artigo. A Deputada do PCP, Odete Santos.

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