Projecto de Resolução N.º 942/XIII/2.ª

Pela preservação das ruínas da antiga cidade romana de Balsa

Pela preservação das ruínas da antiga cidade romana de Balsa

1. Enquadramento histórico-arqueológico

As primeiras referências a Balsa advêm de André de Resende, ainda no séc. XVI, identificando a cidade romana de Balsa com Tavira quando alude às povoações romanas do sul da Lusitânia mencionadas nas fontes clássicas. Apesar do conhecimento de vários vestígios romanos localizados na região da Luz de Tavira, cuja referência constava do Dicionário Geográfico mencionado por Abel Viana, só bastante mais tarde se procedeu à identificação desta área por Estácio da Veiga, mais particularmente as Quintas das Antas e da Torre d’Aires, como a cidade de Balsa.

Nos seus percursos, que culminaram com a identificação de Balsa na zona da Quinta das Antas e da Torre d’Aires, Estácio da Veiga recolheu inúmeras epígrafes e sobre os achados vem a escrever o seguinte: “A primeira destas quintas está em grande parte como tomada de robustos alicerces: alli se tem descoberto casas soterradas, bellos mármores polidos, tijolos de não vulgar espessura e de diversas fórmas, fragmentos de aqueductos, grossos telhões de argila, sepulturas com objectos proprios dos usos gentilicios, dispersos pedaços de armaduras militares, e abundantes moedas, chegando a encontrar‑se perto de cinco mil, quasi todas do baixo imperio, ha pouco mais de tres annos; e no dia 24 de janeiro ultimo, tendo o sr. Sebastião Fernandes Estacio da Veiga [familiar de Estácio da Veiga] mandado fazer uma escavação nas proximidades da bella casa desta sua quinta, descobriram‑se à nossa vista cinco pedras quasi iguaes, de forma rectangular, e outras da mesma largura e grossura, mas de metade do comprimento daquellas, contendo duas das maiores inscripções, que vieram sobretudo confirmar, como documentos de toda a authenticidade, que naquelas paragens, distantes uns seis kilometros da cidade de Tavira, hoje cultivadas e povoadas de arvoredo, existiram os famigerados balsenses”.

Apesar da dificuldade em localizar hoje todos os vestígios e estruturas que Estácio da Veiga assinalou, em carta dirigida ao Conselheiro Amorim em 1877, o arqueólogo descreve que “Os monumentos de Balsa, de que tenho conhecimentos, são 15: eu já conto com sete, e tenho outro há muitos annos em minha casa: alcançando‑se os três das Antas, teremos onze; e quanto aos outros quatro, indicarei a maneira se se obterem sem grande difficuldade”. São identificados mosaicos, tanques de diversos usos, ruínas de casas de habitação, balneários, canalizações, sepulturas, espólio diverso que passa por cerâmica comum, alguma terra sigilatta, vidro, moedas, ânforas, espólio funerário, entre outros.

Depois dos trabalhos de Estácio da Veiga e das escavações de Abel Viana em Pedras d’el Rei, só voltaram a realizar-se trabalhos arqueológicos em Balsa na década de 70 do século passado. Na sequência das prospeções de campo efetuadas no âmbito da realização da Carta Arqueológica do Algarve foram identificadas áreas com grande concentração de vestígios arqueológicos que motivaram a execução de escavações.

Posteriormente, em inícios dos anos 90, a análise de fotografias aéreas forneceu novos dados sobre a localização de alguns equipamentos da cidade antiga, designadamente, a área portuária e o circo, fornecendo importantes pistas sobre a orientação do cadastro de época romana no território a oeste de Balsa.

O estudo do espólio existente aponta para que os sectores da cidade mais ribeirinhos e a necrópole norte tenham começado a ser ocupados na primeira metade do séc. I d.C. Os dados sistematizados atualmente parecem indiciar um maior desenvolvimento da cidade durante os primeiros séculos do período imperial romano. Segundo alguns estudos relativamente recentes, o términus da ocupação de Balsa situar-se-á no final do séc. VI/início do séc. VII.

2. Ameaças e atentados ao Património Cultural

Há vários anos que se sucedem denúncias sobre ameaças e atentados ao património de Balsa. Parte considerável dos vestígios arqueológicos foi obliterada pela exploração agrícola sistemática e intensiva na Quinta da Torre d’Aires, pelas terraplanagens e pela ocupação urbanística do solo, apesar das medidas de proteção previstas.

A abertura do processo administrativo de proteção da Cidade Romana de Balsa na Direção-Geral do Património Cultural ocorreu em 1977, a classificação de parcelas da cidade antiga como Imóvel de Interesse Público teve lugar em 1992 e, finalmente, a criação da respetiva Zona Especial de Proteção ocorreu em 2011.

Ainda assim, no verão de 1978, arqueólogos do então Museu Nacional de Arqueologia e Etnologia referem: “Bulldozer destrói sistematicamente cidade romana Torre d´Aires”.

O atual arrendatário da Quinta da Torre d’Aires iniciou, em finais de 2015, a implantação de estufas para cultivo de frutos vermelhos sem que fosse previamente ouvida a Direção Regional de Cultura do Algarve, pelo que a operação foi embargada. Na sequência desse embargo, a Direção Regional de Cultura do Algarve condicionou a emissão do um parecer relativo ao licenciamento da instalação de estufas à prévia realização de trabalhos arqueológicos.

Recentemente, a demolição de um imóvel numa propriedade localizada junto ao empreendimento turístico Pedras d’el Rei, que fazia parte dos subúrbios da antiga cidade de Balsa, ocorreu sem que fosse pedido o parecer à Direção Regional da Cultura do Algarve, nem realizado o devido acompanhamento arqueológico, apesar de o projeto de “remodelação e reabilitação” do imóvel ter sido aprovado pela Câmara Municipal de Tavira, em 27 de outubro de 2016, tendo sido invocado pela autarquia que “Não foi pedido parecer à Cultura porque a lei não obriga – o imóvel fica fora da Zona Especial de Proteção (ZEP)”.
Estranhamente (ou não), a Câmara Municipal declarou o embargo das obras no dia 24 de maio, com base na informação da fiscalização municipal do dia 17 de março, por violação do PDM.

No passado mês de maio, a Direção-Geral do Património Cultural procedeu à abertura do procedimento de ampliação da delimitação da classificação e de revisão da categoria, para sítio de interesse público (SIP), e fixação da zona especial de proteção provisória (ZEPP) da Estação Arqueológica Romana da Luz/Cidade Romana de Balsa, na Luz.

Entretanto, várias vozes de alerta têm referido que a demarcação proposta protege interesses imobiliários e defendem que a área a considerar deve ser superior àquela agora apresentada.

3. Definir um urgente plano de intervenção e valorização do Património de Balsa

O PCP considera que o Património Cultural é pertença de todos, sendo uma matéria que diz respeito à memória coletiva de um povo. É por isso que o Estado tem a obrigação constitucional de zelar pelo seu Património, não podendo ser alteradas as suas características, nomeadamente físicas e de usos, apenas por mera vontade de entidades públicas e de interesses privados, independentemente de pressões que estes possam exercer.

Para o PCP, a política para o património deve intensificar a ligação cultural entre as populações e o património, integrar o património arqueológico na vida e quotidiano do país, resultando numa valorização e preservação vivida e fruída coletivamente.

Balsa e a sua extraordinária história merecem ser conhecidas, estudadas e divulgadas. É necessário desenvolver um projeto de investigação para a antiga cidade romana de Balsa no sentido de se proceder ao estudo das ruínas, epigrafia, materiais existentes nos Museus, fontes literárias, mas que consagre também escavações sistemáticas, prospeção na zona envolvente e arqueologia subaquática.

Pelo exposto, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte resolução:
Resolução

A Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, recomenda ao Governo que:

1. Alargue a Zona Especial de Proteção por forma a abranger a totalidade da antiga cidade romana de Balsa e a sua zona envolvente territorialmente organizada;
2. Promova a prospeção sistemática de superfície, deteção remota e/ou uso de técnicas de prospeção das Geociências em toda a área de Balsa, que inclui necessariamente a totalidade da Quinta da Torre d’Aires;
3. Em resultado das ações de prospeção, promova a escavação de vestígios arqueológicos ponderando as áreas mais relevantes e a conservação do espólio exumado, desde a sondagem à escavação em extensão, conforme o aplicável;
4. Proceda à elaboração do plano de musealização do sítio arqueológico de Balsa;
5. Desenvolva um projeto de investigação a longo prazo no sentido de se proceder ao estudo das ruínas, epigrafia, materiais existentes nos Museus, fontes literárias, e integrando a componente de escavações sistemáticas, prospeção na zona envolvente e arqueologia subaquática.

Assembleia da República, 23 de junho de 2017

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