Da cadeira e do discurso

Artigo de Ruben de Carvalho
Jornal "Diário de Notícias"

28 de Maio de 1999



Aproximando-se a data das eleições, tudo parece indicar ser possível fixar o que se fixará como tendo estado no eixo da campanha.

Sem pretender de forma alguma ser exaustivo, tudo aponta para que a memória retenha do que deveria ter sido um amplo debate sobre as questões europeias dois episódios: um, as picardias entre o dr. Alberto João Jardim e o dr. Mário Soares; o outro, o tonitruante problema levantado pelo candidato dr. Pacheco Pereira sobre a geografia das cadeiras no próximo debate televisivo.

Sobre o primeiro, está tudo dito. Terá apenas algum interesse verificar se a desmesurada lista de despautérios do presidente do Governo Regional da Madeira levará mais este desconchavo para o rol de caricatura política que pessoalmente ele protagoniza ou se a dimensão e continuidade do ridículo concederá algum relevo ao comunicado do Executivo madeirense.

Que, diga-se de passagem, merece figurar em qualquer selecta literária, não tanto pela elegância do estilo mas sobretudo pelo rigor da forma.

Mas o dr. Jardim costuma vangloriar-se de nunca ter sido bom aluno e não há qualquer razão para imaginar que a disciplina de português tenha constituído excepção.

Quanto ao segundo tema, a coisa comporta subtilezas bem mais relevantes do que à primeira vista revela.

Como se sabe, o dr. Pacheco Pereira entendeu que a continuidade física do dr. Paulo Portas em relação a ele, Pacheco, no último debate televisivo, deu a ideia aos telespectadores que, afinal, os grandes entendimentos e desentendimentos haviam sido entre os dois. E o candidato do PSD pretende vivamente evitar duas ideias: uma, a de que só tem coisas para discutir com o PP; a segunda, que tem coisas a discutir com o PP. Parece contraditório, mas o PSD e o PP têm destas peculiaridades.

A questão é, contudo, delicada. Recusando ficar ao lado do dr. Paulo Portas, o dr. Pacheco Pereira só poderá ficar noutra situação, comportando embora duas variantes: entre o dr. Mário Soares e a dra. Ilda Figueiredo, subsistindo o sem dúvida delicado busílis sobre se terá o candidato socialista à sua direita e a candidata CDU à sua esquerda ou vice-versa. Seja como for, terá inevitavelmente o dr. Paulo Portas em frente.

É óbvio que o facto de o candidato do PP/PSD estar lá, quiçá em previsível posição frontal ao dr. Pacheco Pereira, torna burlescas as declarações que, pimpão, o seu porta-voz debitou quanto ao pânico que se teria apossado do cabeça de lista social-democrata, levando-o a evitar qualquer proximidade física com o ex-parceiro AD.

E a verdadeira, a real essência, o tutano desta problemática parece-me residir alhures. O dr. Pacheco Pereira não quer estar longe do dr. Paulo Portas: quer é estar perto do dr. Mário Soares. E isto por duas razões.

A primeira é estabelecer já algumas pontes para a noite de eleições, na qual ambos não deixarão de sublinhar que, como a História demonstra, afinal o PS e o PSD até se têm entendido muito bem em questões europeias e, naturalmente, assim continuará a ser.

A segunda, e na mesma linha, é que, conforme foi já anunciado publicamente, o dr. Soares está eleito e o dr. Pacheco Pereira vai trabalhar. E a proximidade televisiva vai desde já permitir ir acertando algumas ideias, alguns projectos, um ou outro pormenor.

De forma que, enquanto o dr. Paulo Portas vai fazer maldades ao dr. Pacheco frontal, este irá coloquiar com o dr. Soares lateral, talvez seja essencialmente de ouvir a dr.ª Ilda Figueiredo sobre a qual parece não haver dúvidas de que fica à esquerda.