Sobra-lhes em União Política
o que lhes falta em vontade política

Artigo de Joaqium Miranda
Jornal "Semanário"

7 de Maio de 1999



O Dr. Mário Soares e o Dr. Pacheco Pereira, enquanto cabeças de lista do PS e do PSD nas próximas eleições para o Parlamento Europeu, esforçam-se por encontrar e afirmar agora os pontos de diferença que os seus partidos nunca evidenciaram no passado e no terreno, em questões essenciais relativas à construção europeia.

Refugiam-se, para tanto — porventura por falta de domínio de aspectos mais concretos ou porque nestes se multiplicam os exemplos de posicionamento comum entre deputados dos respectivos partidos — na questão magna da "União Política", a propósito das questões de segurança ou de futuras reformas institucionais.

E fazem-no como se ambos os partidos que representam não tivessem votado Maastricht e Amesterdão; ou como se não tivessem sido esses mesmos partidos quem inviabilizou os referendos sobre aspectos europeus decisivos; ou como se os mesmos, ainda recentemente, não se tivessem aliado na defesa da comissão Santer, mesmo quando já politicamente moribunda.

Há porém um aspecto, nestas suas profundas congeminações, que parecem desconhecer ou que, por dificuldades óbvias, ambos evitam.

Na agenda europeia está já inscrita uma reforma institucional, adiada, de resto, desde Amesterdão. Que inclui temas concretos, nomeadamente a rotatividade da presidência da União Europeia, a ponderação dos votos no Conselho, para as decisões que não necessitam de unanimidade, o número de comissários ou a consagração das "línguas de trabalho".

Temas, todos eles de particular gravidade para países como Portugal já que, a serem adoptadas, reduziriam a possibilidade de assumirem a presidência, limitariam o respectivo peso nas decisões, colocariam em risco a sua presença na única instituição com capacidade de iniciativa legislativa e poriam inclusivamente em causa a igualdade de tratamento das actuais línguas oficiais.

São estes os temas e não outros que estão na calha, quando se fala em reformas. E, sublinha-se, sempre que eles foram colocados sobre a mesa em nome de avanços no sentido da tal União Política. Porventura a mesma, certamente de natureza federal, que defendem aqueles candidatos.

Importaria, assim e para que todos saibamos do que falam tais candidatos, em concreto e sem margem para equívocos, que os mesmos clarifiquem as suas profundas proposições.

E, porque queremos acreditar que ambos se opõem àquelas alterações, seria por isso mesmo interessante saber das razões que os determinam a insistir em profundas reformas sabendo — ou devendo saber — que inevitavelmente elas arrastarão e colocarão mesmo em primeiro plano aquelas questões.

Mas a mesma União Política surge ainda a propósito da segurança europeia. Para dar mais voz à Europa, afirmam.

Obviamente não poderíamos deixar de estar de acordo se efectivamente estivesse em causa a autonomia da Europa relativamente aos Estados Unidos neste domínio.

Mas é isso que está em causa? Claro que não.

O que se pretende quando se fala em política de defesa comum europeia é exactamente a integração da UEO na União Europeia, com vista ao reforço do pilar europeu da NATO... que, como bem sabemos, os EUA dominam.

Mas outra questão ou, se quisermos, outra contradição, se coloca ainda: é evidente que a criação de um sistema colectivo de segurança europeu pressupõe a adesão e a participação de todos os Estados da Europa, membros actuais ou não da NATO — e lembra-se que alguns há que, sendo membros da União Europeia, não a integram — e independentemente de serem ou não membros da União Europeia. O que poderá ser conseguido com uma OSCE renovada e reformada.

Ora não é nada disto que está na mente daqueles dois candidatos quando circunscrevem a questão aos tais avanços para a União Política. Das suas propostas — de há muito conhecidas, aliás — poderá resultar o reforço do tal pilar europeu da NATO. Mas seguramente não "mais voz para a Europa".

Para tanto não é necessária a União Política a que ambos fazem alusão.

É fundamental, isso sim, mais vontade política. O que ambos parecem esquecer.