Intervenção de Carlos Carvalhas na Assembleia de República, Debate com o Primei-Ministro

PCP questiona Primeiro-Ministro sobre o julgamento de Aveiro

Senhor Presidente, Senhores Deputados, Senhor Primeiro Ministro

A ideia que nos fica das propostas que fez na Convenção e da sua postura na CIG é que o Governo português está disposto a aceitar tudo o que for decidido na CIG, quer em relação aos Comissários, ao Presidente do Conselho, à sua eleição, à sobreposição da Constituição Europeia sobre a Constituição Portuguesa, às minorias de bloqueio, à igualdade entre Estados. Tudo serve ao Primeiro-ministro como serve ao Dr. Paulo Portas agora convertido num intrépido federalista. Quem o viu...!

Dá também gosto ver como ambos mais ou menos assumidamente, mais ou menos assiduamente se vão convertendo à necessidade de revisão do Pacto de Estabilidade. Como vão longe os tempos das declarações de fé sobre os méritos dos «sacro-santos» critérios do Pacto (no último filme do Senhor dos Anéis vai-se no dedo e no anel, mas o bem triunfa, no caso português vai-se o anel o dedo e a economia portuguesa continuará a afundar-se até 2005.

Mas hoje queremos colocar lhe outras duas questões.

Uma sobre a incontornável questão do aborto e do julgamento de Aveiro. Não pretendo interpelá-lo aqui, sobre os seus sentimentos, reacções e estados de alma enquanto cidadão.

Mas desejo sinceramente perguntar-lhe se enquanto Primeiro-Ministro e enquanto líder do partido determinante da coligação que suporta o seu Governo:

– não sente um frémito de indignação quando fica a saber que na segunda audiência daquele julgamento um investigador faz referências a marcas de sangue numa peça de roupa interior de uma das mulheres acusadas e informa ter a mesma sido forçada a exames ginecológicos e se, fora destes pormenores mais chocantes e revoltantes, não sente idêntico frémito ou arrepio só de pensar a quantas perguntas invasivas da sua intimidade e ofensivas da sua dignidade a que estas mulheres foram sujeitas?

– se não sente um sobressalto de consciência por o seu partido aparecer associado e cúmplice de um partido como o CDS-PP que, fiel a milenares concepções de culpabilização da mulher (que começaram por ter comido a célebre maçã) anuncia com o maior descaramento uma alegada condescendência em admitir que as penas de prisão sejam substituídas por penas de trabalho cívico de serviço à comunidade sempre explicitamente apresentadas como formas de «expiação» (Bagão Félix dixit) de uma alegada «culpa» ou «pecado»?

– se não sente ao menos uma ponta de remorso, de incómodo por ser um dos muitos que choram lágrimas de crocodilo perante a hipótese de mulheres serem condenadas a penas de prisão pelo recurso ao aborto fingindo não perceberem ou não saberem que precisamente a sua recusa de alterar a lei vigente que os torna politicamente responsáveis pelas investigações, pelos processos, pelos julgamentos e eventuais condenações que, para além de algum excesso de zelo, só são possíveis porque o art.º 140 do Código Penal dispõe o que dispõe?

Por último, Sr. Primeiro-Ministro, vai este ano de novo diminuir os salários reais da Administração Pública e o salário mínimo decretando aumentos inferiores à inflação – tal como aconteceu no ano passado, aplicando ao seu Governo aquilo que disse ao PS: «o Governo engana-se sempre na inflação e isso é-lhe muito conveniente para fixar os salários da Função Pública.

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