Intervenção de Carla Cruz na Assembleia de República

PCP propõe projecto para corrigir as profundas alterações ao regime de internato médico

Primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 86/2015, de 21 de maio, que procede à definição do regime jurídico da formação médica especializada com vista à obtenção do grau de especialista e estabelece os princípios gerais a que deve obedecer o respetivo processo
(projeto de lei n.º 117/XIII/1.ª)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português traz, hoje, à discussão uma iniciativa legislativa que visa proceder a alterações ao Decreto-Lei n.º 86/2015, de 21 de maio, que trata do regime de internato médico.
O projeto que agora discutimos propõe a reposição da continuidade do processo de integração da formação inicial nas escolas médicas com a formação médica integrada, a garantia de vaga para a formação médica especializada para todos os licenciados e mestres em medicina, o exercício autónomo da medicina após a conclusão com aproveitamento do segundo ano do internato médico, o fim da prova nacional de avaliação e seriação, repristinando a prova de seriação.
Permite, também, a reposição e a garantia de um máximo de 12 horas semanais de prestação de trabalho no serviço de urgência ou similar, assim como a reposição das vagas preferenciais em zonas carenciadas, o que seria, Srs. Deputados, uma forma de resolvermos os graves problemas de carência com que, neste momento, vivem muitas zonas do nosso País em termos de saúde.
O PCP apresenta esta iniciativa legislativa para corrigir as profundas alterações reintroduzidas pelo regime que o PSD e o CDS-PP fizeram e que, no fundamental, pretendem a desqualificação da formação médica especializada, o que terá sérias repercussões na qualidade dos cuidados que serão prestados à população.
O regime e o correspondente Regulamento do Internato Médico, impostos pelo PSD e pelo CDS-PP — sim, Srs. Deputados, foram impostos pelo PSD e pelo CDS-PP, porque foi feito contra a vontade e as opiniões dos representantes dos profissionais e dos estudantes de medicina! — preconizam um incentivo à precariedade, à utilização de médicos internos para suprir carências de profissionais no Serviço Nacional de Saúde.
O regime agora em vigor quebra com um princípio central e que permitiu o reconhecimento da unidade da formação médica feita em Portugal, ou seja, a quebra de continuidade de processos de integração médica entre a formação pré-graduada e a formação pós-graduada. O fim deste princípio abre caminho à criação de um contingente de médicos indiferenciados, isto é, de mão-de-obra barata com menos direitos e que, muito possivelmente, vão ser contratados pelas empresas de trabalho temporário para suprir as necessidades das urgências e até de cuidados de saúde primários.
Concorre também para a desvalorização da qualidade da formação médica a passagem para um ano, de dois anos do ano comum.
O regime proposto pelo anterior Governo abre a porta a que a formação médica especializada possa ser realizada exclusivamente em entidades privadas e as de cariz social. Isto é muito prejudicial para o Serviço Nacional de Saúde, porque vai desviar profissionais para o setor privado, profissionais que fazem falta ao Serviço Nacional de Saúde.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, as dificuldades que hoje são sentidas no Serviço Nacional de Saúde para acomodar a formação médica especializada resultam claramente das opções políticas de sucessivos Governos — particularmente, dos últimos quatro anos —, de encerrar serviços, de concentrar valências. A solução passa, invariavelmente, pelo reforço do Serviço Nacional de Saúde, pelo investimento nesse mesmo Serviço.
O PCP não aceita, nem pode aceitar, que o País, que fez um enorme esforço de qualificação e especialização médica, recue e volte ao passado.
É pela necessidade de manter o reforço e a qualidade da formação médica em Portugal que apresentamos esta iniciativa legislativa.
(…)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Para o PSD e o CDS-PP que vieram aqui dizer que o regime em vigor é bom, eu digo que é bom porque foi na linha daquelas que são as políticas do PSD e do CDS-PP, que são as de criar a instabilidade, a precariedade e, sobretudo, impedir que as legítimas expetativas dos estudantes de medicina possam ser realizadas, impedindo que todos tenham acesso à formação especializada.
Para quem diz que se formaram muitos médicos nos últimos anos e há um excesso de médicos em Portugal aconselho a leitura da entrevista do atual Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor, relativamente à questão das vagas e à carência de médicos em Portugal.
Mas ouvimos, também, dizer aqui que o Serviço Nacional de Saúde tem mais médicos. Nada mais falso! Tem mais médicos internos, mas não suprem as necessidades de outros anos, em que saíram médicos com mais experiência e que davam ao Serviço Nacional de Saúde a capacidade e a idoneidade formativa que hoje está a ser usada para impedir o legítimo acesso destes médicos à sua formação especializada.
Aliás, formação especializada que permitiu o reconhecimento mundial da qualidade da formação em Portugal e da qualidade do Serviço Nacional de Saúde.
É por isso que propomos esta iniciativa: pela defesa do Serviço Nacional de Saúde, mas também dos médicos e dos que estão hoje a estudar medicina.

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