Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

PCP apresenta projecto para Lei da Organização do Sistema Judiciário

O PCP apresentou um Projecto de Lei para alterar o Decreto Lei da Organização do Sistema Judiciário. António Filipe afirmou que "no Programa com que se apresentou às eleições legislativas de 2015, o PCP assumiu o compromisso de rever o mapa judiciário, registando o facto do actual Governo do PS ter já anunciado também o propósito de revisitar o mapa judiciário, o PCP considera que estão criadas condições para um debate parlamentar que permita encontrar soluções de convergência com esse objectivo.

Sr.ª Presidente,
Sr.ª Ministra,
Srs. Secretários de Estado,
Srs. Deputados:
Em boa hora, esta Assembleia debate, na generalidade, iniciativas com vista à alteração dos aspetos mais negativos em que se traduziu o mapa judiciário aprovado na anterior Legislatura. Foi, desde o início, um processo que contou com a oposição das populações, as populações da generalidade das autarquias que viram os tribunais da sua área territorial encerrados ou transformados em meras secções de proximidade. Foi um processo que contou com uma grande oposição da parte da generalidade dos advogados deste País e que suscitou a perplexidade por parte de todos aqueles que se preocupam com a desertificação do País, com o abandono de vastas regiões do interior do nosso País, e que, com o encerramento dos tribunais, perdiam, assim, mais uma possibilidade de dar vida às respetivas comunidades locais, tendo as populações de se deslocar, muitas delas sem a capacidade financeira ou até física para o fazer, a locais que ficam a dezenas de quilómetros do seu local de residência para poderem tratar um qualquer assunto relacionado com o poder judicial. Portanto, a essa contestação desde o início a essa preocupação que o PCP sempre manifestou e que se traduziu na apresentação de iniciativas na anterior Legislatura, na qual pretendíamos travar as malfeitorias constantes dessa reforma legislativa, correspondeu também o compromisso que o PCP assumiu de, nesta Legislatura, numa situação diferente da que existia na anterior, poder revisitar o mapa judiciário e apresentar iniciativas no sentido de reaproximar a justiça das populações, de garantir, designadamente em matéria de processo criminal em que essa questão é particularmente sensível, que o crime seja julgado no município onde efetivamente foi cometido, isto é, que exista essa imediação, essa proximidade que, em matéria de processo criminal, a videoconferência efetivamente não resolve, e que essa má reforma pudesse ser corrigida nesta Legislatura. É nesse sentido que, saudando a iniciativa aqui apresentada pelo Governo através do Ministério da Justiça, apresentámos um projeto de lei, retomando como base de discussão aquela que tinha sido a proposta apresentada no final da anterior Legislatura como alternativa à legislação que o anterior Governo tinha feito aprovar. Nesse sentido, o que queremos aqui manifestar é a nossa total disponibilidade para um processo legislativo onde, na especialidade, possa ser detalhadamente discutida a solução aqui proposta, as várias soluções em confronto e, com os operadores judiciários, com os Conselhos Superiores, com a Ordem dos Advogados e com as autarquias que queiram manifestar-se a propósito deste processo legislativo, possam encontrar-se soluções que garantam, de facto, a tutela judicial efetiva que a nossa Constituição determina como direito de todos os cidadãos. Nós sabemos que, já hoje, os cidadãos têm grandes dificuldades no acesso à justiça, sobretudo aqueles que têm menos capacidade económica. Sabemos as dificuldades decorrentes das custas judiciais, da morosidade do funcionamento da justiça, do facto de, para muitos cidadãos, o acesso à justiça ser uma miragem, e só faltava que, do ponto de vista geográfico, através do afastamento das populações dos tribunais, essa questão fosse agravada. Portanto, aqui, no que respeita ao mapa judiciário, temos agora a oportunidade de dar uma contribuição decisiva para que os tribunais possam continuar acessíveis às populações, na certeza de que isso implica exigências, designadamente em matéria de dotação dos tribunais dos meios materiais e humanos necessários para o seu efetivo funcionamento. Esse é um problema que vamos ter de enfrentar. Mas um bom mapa judiciário é um passo importante para a tutela jurisdicional efetiva por parte dos cidadãos e para que efetivamente se sinta que a alteração política que se verificou no nosso País nas últimas eleições legislativas valha a pena.
(...)
Sr.ª Presidente,
É para dizer muito simplesmente que estamos a discutir um processo legislativo relativo a uma proposta de lei cujo conteúdo, que ainda não está decidido, condicionará qualquer decreto-lei que seja feito a seguir, e não se trata de uma lei de autorização legislativa.
Portanto, em função do que venha a ser aprovado no termo deste processo legislativo, no qual está em discussão uma proposta de lei, um projeto de lei do PCP e um projeto de resolução, obviamente que o Governo terá por obrigação vir a aprovar um decreto-lei, que, caso 10 Deputados o entendam, poderá ser submetido à apreciação parlamentar. Esse decreto-lei está dentro deste processo legislativo. Portanto, que o PSD e o CDS não queiram discutir os conteúdos e prefiram fazer aqui uma chicana em torno da forma é com eles, mas obviamente que isso tem consequências.
(...)
Sr.ª Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:
Este debate está, de facto, muito interessante, e tornou-se ainda mais interessante depois de os Srs. Deputados do PSD e do CDS terem anunciado que vão votar a favor da proposta de lei.
Pelo menos, Srs. Deputados, foi o que percebi. É que, se os Srs. Deputados vêm aqui dizer que esta proposta de lei mantém os vetores essenciais da reforma do mapa judiciário do anterior Governo e que os senhores até estavam a pensar propor estas alterações, só que não tiveram tempo e já não estão no Governo, a mais elementar coerência obriga-os a votarem a favor da proposta de lei do Governo, votando contra o projeto de lei do PCP. Mas já estávamos à espera disso, era previsível, e se votarem a favor da proposta de lei do Governo não há qualquer prejuízo para a República, porque só enriquece o debate na especialidade, designadamente se houver uma posição construtiva da parte dos partidos da direita, que é, de facto, o que esperamos. As vossas intervenções, Srs. Deputados do PSD e do CDS, só demonstram até que ponto é que a reforma feita pelo Governo anterior foi contestada e está totalmente isolada. É que já nem os Deputados que a votaram favoravelmente a defendem.
E, no momento em que a chamada reforma do século, que encerrou 20 tribunais e desgraduou mais 27, considerando-os secções de proximidade, é completamente feita em cacos nesta Assembleia, os Srs. Deputados vêm dizer: «Não, não, isto, afinal, vai ficar tudo na mesma». A Sr.ª Deputada Vânia Dias da Silva até vai ao ponto de dizer que os tribunais que vão ser reabertos não vão reabrir, vão continuar fechados. Quero saber como é que a Sr.ª Deputada vai continuar a dizer às pessoas que os tribunais estão fechados quando as pessoas lá forem e virem os julgamentos a decorrer.
Mas, enfim, essa afirmação ficará convosco. Bom, os senhores vêm dizer que a grande contradição que existe é entre a proposta de lei do Governo e o projeto de lei do PCP. São, de facto, diferentes, assumimos isso, são, de facto, diferentes, mas são pontos de partida para uma discussão na especialidade que vamos fazer e para a qual a contribuição dos senhores também será importante. Mas os senhores também dizem que os vetores essenciais se mantêm de pé.
Vou dizer-vos vetores que não vão, seguramente, ficar, porque há diferenças essenciais entre aquilo que se está hoje a construir aqui, nesta Assembleia, e que foi destruído na Legislatura anterior. Este é o ponto de partida para este debate, e é importante. Sever do Vouga, Penela, Portel, Monchique, Meda, Fornos de Algodres, Bombarral, Cadaval, Castelo de Vide, Ferreira do Zêzere, Mação, Sines, Paredes de Coura, Boticas, Murça, Mesão Frio, Sabrosa, Armamar, Resende, Tabuaço — a todos estes municípios, que viram os seus tribunais encerrar, os senhores vão lá dizer que vai continuar tudo na mesma, quando as pessoas virem os julgamentos a decorrer e virem os tribunais reabertos.
Mas, mais: Nordeste, Povoação, Mértola, Alfândega da Fé, Carrazeda de Ansiães, Miranda do Douro, Vimioso, Vinhais, Penamacor, Soure, Mira, Pampilhosa da Serra, Arraiolos, Sabugal, Ansião, Alvaiázere, São Vicente, Avis, Nisa, Alcanena, Golegã, Alcácer do Sal, Mondim de Basto, Castro Daire, Oliveira de Frades e Vouzela são secções de proximidade que vão voltar a ser tribunais.
Portanto, nestas 47 diferenças fundamentais em relação à reforma que os senhores fizeram e nas quais o projeto do PCP e a proposta de lei do Governo convergem, os senhores vão lá, às terras, dizer que vai ficar tudo na mesma, porque a reforma do mapa judiciário era ótima e vai prosseguir.

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