Intervenção de João Ramos na Assembleia de República

PCP apresenta projecto de salvaguarda das condições de vida das famílias de pescadores desaparecidos

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(projeto de lei n.os 426/XII/2.ª)

Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
A atividade piscatória é uma atividade de grande risco. A falta de rentabilidade e os baixos preços pagos pelo pescado em primeira venda determinam que mesmo em situações de mar adverso os pescadores arrisquem. O PCP tem apresentado diferentes propostas para proteção destes pescadores, nomeadamente melhorando o seu rendimento e garantindo rendimentos em situações de paragem.
O projeto que hoje discutimos aborda a necessidade de salvaguarda das condições de vida das famílias após acontecerem os desastres e após a morte. A história do nosso País é, infelizmente, marcada por inúmeros naufrágios e mortes de pescadores. Quando um pescador desaparece num acidente, muitas vezes a família fica vários anos sem qualquer proteção e impossibilitada de receber a indemnização a que tem direito pela morte do seu familiar em acidente de trabalho.
Hoje, só se presume a morte de um pescador desaparecido num naufrágio passados 10 anos da ocorrência do acidente. É verdade que é possível essa presunção em prazo menor, mas isso implica uma ação judicial que se pode arrastar durante quase o mesmo tempo e obriga à apresentação de elementos por vezes impossíveis de reunir para comprovação da morte. Tudo isto torna a ação judicial complexa e de resultado incerto.
Em muitas situações, enquanto não é presumida a morte, as seguradoras recusam-se a pagar as indemnizações. É verdade que hoje algumas pagam, nomeadamente a Mútua de Pescadores, mas é também verdade que a lei não as obriga a tal. Sem a presunção de morte, ficam em suspenso as vidas dos que perderam o seu ente querido no acesso a prestações sociais por viuvez ou orfandade, no registo e venda de bens, na resolução de todos os problemas que obriguem à apresentação de um assento de óbito, como crédito à habitação, transação de veículos, entre outros.
É por estas dificuldades que o Grupo Parlamentar do PCP entende que, perante um naufrágio confirmado pela autoridade competente, perante um rol de embarcados que confirme a presença do desaparecido na embarcação naufragada, é possível presumir a morte após 90 dias do desaparecimento.
Sistemas semelhantes ao que se propõe existem em Espanha e em França. Para os mais cautelosos importa lembrar que hoje o registo obrigatório da tripulação, o uso de equipamentos de geolocalização, a evolução dos meios de salvamento e de recuperação tornam praticamente impossível o falseamento de um naufrágio.
Há, hoje, pelas piores razões, com alguma cobertura mediática, casos em que se sabe que os corpos estão dentro das embarcações naufragadas, mas o facto de não se recuperarem não permite às famílias fazer o luto a que têm direito e resolver outros problemas como os que já descrevemos.
Conhecemos e analisámos os pareceres das entidades que se pronunciaram. Constatámos enquadramentos similares em outros países. Sabemos que existem outras propostas que, entretanto, surgiram. O PCP está disponível para, em discussão na especialidade, considerar as alterações que respondam às preocupações levantadas. Estaremos disponíveis desde que se garanta o princípio de reduzir substancialmente o tempo de espera para que as famílias dos pescadores possam ultrapassar os problemas que resultam dos naufrágios e a simplificação e desburocratização do processo judicial.
Com outras propostas, o PCP pretende trazer segurança à atividade da pesca, reduzindo ao máximo as possibilidades de acidente. Com esta proposta concreta, pretendemos minimizar a dor e resolver os problemas concretos das famílias depois de a tragédia acontecer.
(…)

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados,
O Grupo Parlamentar do PCP saúda as posições que foram manifestadas e a possibilidade de, aprovando os projetos de lei, podermos, em sede de especialidade, afinar algumas questões.
Em concreto, o que se tem verificado é que o enquadramento legal que existe não tem evitado um conjunto de situações difíceis, como aliás foi reconhecido por todos.
Penso que notícias como as que dizem «continuam à espera da lei para poderem ser viúvas», «nem a propriedade do carro pode mudar», «estão desparecidos, apesar de se saber que os cadáveres estão no fundo do mar dentro do barco» não podem continuar a aparecer nos nossos jornais. Por isso, temos de fazer alguma coisa para alterar esta situação.
Como já tinha referido, em sede de especialidade podemos resolver pequenas divergências que existam, tendo em conta que, no essencial, estamos de acordo relativamente a esta matéria.
Por último, gostaria de referir que o PCP fica muito satisfeito por poder dar este contributo para aliviar as dificuldades destas famílias que perderam os seus entes queridos.

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