PROGRAMA DO PCP
Portugal - Uma Democracia Avançada no Limiar do Século XXI


 

O processo contra-revolucionário

 

1. A revolução portuguesa apresenta como valiosa experiência o facto de, numa situação revolucionária, mesmo não dispondo do poder político, as massas populares em movimento e em aliança com o MFA puderam transformar profundamente a sociedade, empreender e realizar profundas reformas das estruturas socioeconómicas, influenciar e condicionar o comportamento do poder político e contribuir para a consagração legal dos avanços revolucionários.

Os anos ulteriores mostram também a extraordinária capacidade das massas para resistir à contra-revolução mesmo quando desencadeada e desenvolvida pelo poder político.

Mas a experiência confirma também que a questão do poder acaba por determinar o curso da política nacional.


2. Divisões, conflitos e confrontos no MFA permitindo a retomada progressiva de posições nas Forças Armadas por elementos conservadores e revanchistas; a colaboração do PS e de sectores democráticos do MFA com os sectores mais conservadores e golpistas no novo quadro do Poder; o esquerdismo; o anticomunismo; a ingerência e pressão financeira, económica, política e diplomática do imperialismo; - abriram caminho ao desencadear de um processo contra-revolucionário, ao avanço das forças reacionárias e conservadoras no novo sistema de Poder em processo de formação e a alianças políticas que viriam a culminar no golpe do 25 de Novembro cujas consequências principais foram a liquidação de facto do MFA e uma radical alteração na correlação de forças.

A partir de 1976, em manifesto desrespeito pela Constituição da República e pela legalidade democrática, a política de sucessivos governos com composições partidárias diversas (PS sozinho, PS/CDS, PSD/CDS, PS/PSD, PSD), assim como alguns dos chamados governos «de iniciativa presidencial», adoptaram, como objectivo estratégico e linha de força de todas as políticas sectoriais, a restauração do capitalismo monopolista, com a sua dinâmica de exploração dos trabalhadores e de centralização e concentração de capital.


3. O processo contra-revolucionário, na sua obra de destruição das conquistas de Abril, desenvolveu-se e continua a desenvolver-se em cinco direcções fundamentais complementares e inseparáveis: a) a reconstituição e restauração das estruturas socioeconómicas do capitalismo monopolista de Estado; b) o agravamento da exploração dos trabalhadores, a liquidação de alguns dos seus direitos e liberdades e graves limitações de direitos sociais dos portugueses; c) a perversão do regime democrático tendente à instauração de um regime autoritário; d) a promoção e reposição de valores obscurantistas ou retrógados no domínio da cultura, das mentalidades e da ideologia; e) a aceitação, como opção estratégica, da crescente dominação do capital estrangeiro sobre a economia portuguesa e de limitações à soberania e independência nacionais.

A reconstituição e restauração das estruturas socioeconómicas do capitalismo monopolista desenvolveu-se numa planeada, coordenada e progressiva ofensiva contra as nacionalizações e outros sectores não capitalistas. Começou com a entrega ao patronato de empresas intervencionadas, cooperativas e empresas em autogestão. Reforçou-se com políticas de crédito, de investimentos, de preços e de comércio externo desfavoráveis às empresas nacionalizadas e com a nomeação para estas de gestores interessados no seu insucesso tendo como missão preparar as privatizações. Avançou com a entrega crescente das empresas públicas ao capital privado, até à totalidade do capital. E traduziu-se num historial de fraudes, subavaliações, leilões, esbulhos, casos de corrupção, entrega de milhões de contos de dinheiros do Estado e especulações bolsistas.

A mesma política de reconstituição e restauração capitalista e monopolista traduziu-se, no que respeita às estruturas agrárias, na destruição da Reforma Agrária com a restauração da propriedade latifundiária através das acções ilegais e violentas contra os trabalhadores, de roubos às UCPs/Cooperativas, de entrega aos agrários de terras, gados, máquinas, instalações e colheitas, na liquidação de dezenas de milhar de postos de trabalho, no bloqueio legislativo, financeiro e técnico e no afrontamento às decisões judiciais.

Traduziu-se também no agravamento da situação económica das pequenas e médias explorações, em sucessivas tentativas de destruição dos direitos dos povos alcançados com a Lei dos Baldios e na liquidação dos direitos dos rendeiros alcançados com a Lei do Arrendamento Rural, no fomentar da concentração da propriedade agrícola.

Todas estas ofensivas constituiram uma verdadeira cruzada de espoliações e de acumulação e centralização forçadas do capital, transferindo para as mãos dos grandes capitalistas nacionais e estrangeiros, em crescente associação, a posse de capitais e o domínio sobre os principais meios de produção.

A política de restauração monopolista com as ofensivas contra as conquistas de Abril teve consequências extraordinariamente gravosas. O aparelho produtivo foi desorganizado. Importantes empresas, que deveriam ter um papel motor no desenvolvimento, foram sacrificadas. Muitas outras foram encerradas. Os grandes projectos nacionais de desenvolvimento foram abandonados. Os recursos financeiros foram desbaratados em indemnizações, créditos a fundo perdido e benesses aos grandes capitalistas. A agricultura ficou estagnada e em crise e milhares de hectares roubados à Reforma Agrária voltaram ao abandono. Multiplicaram-se as actividades parasitárias e especulativas, gerando o rápido enriquecimento de alguns à custa dos trabalhadores e do erário público e absorvendo e consumindo grande parte dos recursos nacionais. Acentuaram-se as posições dominantes do imperialismo na economia portuguesa e com a integração na CEE foi afectado o poder de decisão do país em importantes domínios da economia nacional. A política de restauração monopolista assume o carácter de uma política antinacional.

Corolário da restauração do capitalismo monopolista, o agravamento da exploração dos trabalhadores e a liquidação de alguns dos seus direitos e liberdades, assim como graves limitações de direitos sociais, traduziram-se na contenção dos salários, na fixação de tectos salariais e simultâneo aumento dos preços, na diminuição da parte do trabalho na repartição do rendimento nacional, nos insuficientes aumentos das pensões de reforma, nos despedimentos colectivos, no alargamento dos contratos a prazo e de outras formas de trabalho precário, na congelação da contratação e limitações à negociação colectiva, no agravamento ou introdução de novos pretextos para despedimentos sem justa causa como a inadaptação e os períodos experimentais, nos salários em atraso, nas limitações às liberdades sindicais e aos direitos das Comissões de Trabalhadores, no impedimento do controle de gestão, na generalização da repressão patronal nas empresas, no agravamento das discriminações para com as mulheres e os jovens, no trabalho infantil, no encarecimento e degradação dos serviços de saúde, da habitação, do ensino e da justiça e na ampliação da pobreza e da marginalização social.

A perversão do regime democrático tendente à instauração de um regime autoritário traduziu-se em medidas, acções, tentativas e projectos visando a progressiva governamentalização do poder político com a contestação da independência e competências dos outros órgãos de soberania (Presidente da República, Assembleia da República e Tribunais), a submissão e tutela do poder local democrático, a destruição de mecanismos de fiscalização da acção governativa de forma a assegurar a sua impunidade, as restrições aos direitos da Oposição, a alterações às leis eleitorais ferindo gravemente a sua democraticidade e o princípio da proporcionalidade, a limitação de direitos e liberdades dos cidadãos nomeadamente do direito à greve e do direito à organização e acção sindical e das Comissões de Trabalhadores nas empresas, a marginalização de organizações sociais representativas, o controle da comunicação social, a depuração política e a ocupação da administração pública pelas clientelas do partido no poder, o reforço do aparelho especial de repressão, a criação de novas polícias secretas.

A promoção e a reposição dos valores obscurantistas ou retrógados no domínio da cultura, das mentalidades e da ideologia traduziu-se designadamente numa acção persistente para ocultar e deturpar a verdadeira natureza do regime fascista e os seus crimes e para desvalorizar o significado, realizações e alcance da revolução democrática, em tentativas de transformar o anticomunismo e as discriminações antidemocráticas em política do Estado, na identificação exclusiva do partido do Governo com o interesse nacional e na sua confusão com o Estado, na apologia da conciliação de classes e da pretensa comunhão de interesses entre o capital e o trabalho, no apoio a concepções conservadoras sobre o papel da mulher na sociedade e na família, na secundarização do papel dos trabalhadores na vida nacional e na atribuição aos capitalistas de um papel determinante na criação de riqueza e no progresso do País, na glorificação acrítica da estabilidade governativa e até do poder pessoal, no fomento de um exacerbado individualismo e egoísmo na vida social.

A aceitação, como opção estratégica, de limitações à soberania e à independência nacionais foi inspirada pelo propósito de acelerar o processo de liquidação das conquistas da revolução de Abril e de restaurar o capitalismo monopolista e de acorrentar Portugal ao sistema capitalista internacional e traduziu-se designadamente em múltiplas orientações e decisões que nos domínios da integração de Portugal na CEE, da participação do País em outras organizações internacionais, e nos planos económico, militar, cultural e de política externa e de segurança criaram novos e mais agravados laços de dependência e subordinação.


4. As ofensivas contra as conquistas de Abril e a firme luta do povo português na sua defesa tiveram a caracterizá-las, por um lado, o constante desrespeito e violação por parte de sucessivos governos das leis e da Constituição e, por outro lado, o desenvolvimento da luta popular em observância da legalidade democrática e exigindo o seu respeito pelos órgãos de poder.

A legalidade democrática afirmou-se como um obstáculo real a uma política que subverteu o regime instaurado com a revolução de Abril. Os esforços para ultrapassar a legalidade constitucional fazendo aprovar leis inconstitucionais e a tentativa de ruptura institucional através de uma revisão subversiva da Constituição inseriram-se nos planos da classe dominante para a restauração do capitalismo monopolista de Estado.