XV CONGRESSO DO PCP
Um partido mais forte
Novo rumo para Portugal

Resolução Política


 

Situação Nacional

Enquadramento comunitário e soberania nacional
Evolução económica
Evolução social
Evolução política - O Estado e o regime democrático
Evolução da política cultural
Evolução da comunicação social
Os grandes problemas sociais e nacionais - das suas causas à alternativa

 


 

1. Enquadramento comunitário e soberania nacional

A situação nacional desenvolve-se num quadro global internacional difícil, complexo e perigoso, cuja caracterização, nas suas múltiplas vertentes, foi feita no Capítulo I.

Neste contexto global, o PCP assume a soberania como valor fundamental da Nação. Não como refúgio para qualquer (impossível) isolacionismo mas, pelo contrário, como condição essencial ao reforço da capacidade de decisão estratégica residente no nosso País e à afirmação dos interesses de Portugal e dos portugueses num contexto de profundas mudanças e acrescidas interdependências à escala internacional. E como base para a indispensável defesa e valorização dos recursos do País, que mobilize o dinamismo social e democrático da sociedade portuguesa e potencie a capacidade cultural e a adaptabilidade do nosso povo às mudanças.

O XIV Congresso do PCP fez uma fundamentada análise da evolução do processo de integração europeia e da situação criada pela aprovação do Tratado de Maastricht, cuja validade se mantém e a vida veio a comprovar.

No decurso destes quatro anos, o PCP sempre agiu consequentemente de acordo com a análise feita da natureza da actual fase da chamada «construção europeia» e das consequências essencialmente prejudiciais para os interesses dos trabalhadores, do Povo e da Nação portuguesa, defendendo uma outra construção europeia, uma verdadeira Europa de cooperação e paz, entre povos e nações iguais, com vantagens mútuas para todos e a salvaguarda da soberania e independência nacionais.

Os sucessivos governos do PSD, e agora o do PS, têm-se preocupado apenas em mostrar-se «bons alunos», em proclamar o objectivo de apanharem o «pelotão da frente», agora baptizado «primeira linha da Europa», e em fazerem crer que a participação de Portugal se traduz apenas em receber mais fundos comunitários, escamoteando os pesados custos que advêm para o nosso País nos domínios da soberania nacional, económica, social e cultural.

Em vez de, numa base de firmeza e de fidelidade aos interesses nacionais, enfrentarem os problemas reais existentes e as debilidades da economia portuguesa para dar resposta a um quadro de competição alargada, que tem trazido grandes problemas ao nosso tecido produtivo, nomeadamente à agricultura, às pescas e a importantes sectores industriais, os sucessivos governos (primeiro os do PSD, agora o do PS) optaram por uma política de abdicação e subserviência às orientações e determinações dos poderes dominantes na União Europeia, ao mesmo tempo que abriram as portas e alimentaram as práticas de favoritismo de clientelas, de falta de transparência, de corrupção e dilapidação de fundos comunitários.

Na actualidade, o PS, como anteriormente o PSD, têm preferido dar prioridade à moeda única e à passagem à terceira fase da União Económica e Monetária, embora sabendo que daí decorre uma especial penalização para um país como Portugal. A liquidação de importantes sectores do aparelho produtivo nacional, a privatização de empresas públicas rentáveis, o aumento do desemprego, o corte das despesas públicas (e em particular das despesas sociais) e o abrandamento do crescimento económico e a manutenção dos graves problemas estruturais da nossa economia são as principais consequências desta orientação.

O PS, para além de ter alinhado no apoio ao Tratado de Maastricht, prossegue as orientações fundamentais do PSD em matéria de integração comunitária, sendo difícil encontrar neste domínio de importância estratégica para o nosso País diferenças relevantes entre os dois partidos.

O CDS/PP, para além de um discurso populista de aparente oposição ao Tratado da União Europeia, sempre apoiou, e continua a apoiar, as orientações fundamentais na integração europeia, defendendo aspectos essenciais da União Económica e Monetária, em especial o favorecimento de grandes interesses económicos, incluindo estrangeiros, e a política de desregulamentação social.

O PCP, que foi a única grande força política que alertou para as consequências e perigos da integração europeia, rejeita e combate a evolução num sentido federalista da União Europeia nos planos económico, político, diplomático e militar, que ameaça transformar Portugal num Estado subalternizado e periférico, cuja política tenderá a ser crescentemente decidida, mesmo que contra os interesses Portugueses, por instâncias supranacionais dirigidas no fundamental pelos Estados mais fortes e mais ricos e pelas empresas transnacionais.

Por isso, e na sequência das posições que tem assumido quanto às orientações da integração europeia, e designadamente desde a aprovação do Tratado de Maastricht, o PCP considera que Portugal deve lutar na União Europeia em defesa da igualdade soberana dos Estados e de uma política de cooperação que proporcione vantagens a todos os povos e países, visando essencialmente a concretização efectiva de princípios tais como a «igualização no progresso das condições de vida e de trabalho», a «coesão económica e social» e o desenvolvimento harmonioso das diversas regiões e sectores da economia. Considera igualmente que o estatuto de cada país deve ser ajustado à vontade do seu povo e à sua real situação, admitindo cláusulas de excepção para os Estados que de tal tenham necessidade. O PCP opõe-se à concepção de União Europeia como um novo bloco político militar, dirigido por uma espécie de directório de grandes potências que ditam as regras aos outros países. O PCP opõe-se à substituição das decisões por unanimidade pelas decisões por votos maioritário em áreas particularmente sensíveis para a soberania e os interesses dos Estados, tais como a política externa, a política de defesa, a justiça, as polícias e os assuntos internos.

Acerca do futuro da União Europeia, não é admissível que questões fundamentais para a vida dos povos sejam decididas à revelia da sua intervenção e participação, como resultado do actual texto do Tratado de Maastricht.

A revisão do Tratado da União Europeia e as Conferências Intergovernamentais de 1996 colocam um conjunto de questões fundamentais.

Este processo deve ser aberto e participado pelos parlamentos nacionais e, à semelhança do que defendeu a propósito do Tratado de Maastricht, o PCP preconiza que o povo português seja chamado a pronunciar-se em referendo nacional sobre a revisão do Tratado, abrangendo igualmente objectivos que constam do Tratado da União Europeia, como a passagem à terceira fase da União Económica e Monetária.

Por outro lado, o objectivo essencial da revisão do Tratado da União Europeia deverá ser a mudança de rumo no processo de integração, para romper com as orientações de Maastricht, para a eliminação das disposições mais gravosas para os trabalhadores e os povos e mais limitativas da independência nacional. Nesse sentido, o PCP continua a defender como principais orientações para o processo de revisão do Tratado de Maastricht:

- A reconsideração da União Económica e Monetária e das políticas comuns e orientações económicas que lhe estão associadas, e a ruptura com as orientações monetaristas e neoliberais;

- a defesa de uma Comunidade de Estados soberanos e iguais em direitos, como base inegociável do processo de integração, com o consequente combate às orientações federalistas e de supranacionalidade ao nível das questões institucionais e de outras vertentes da União Europeia;

- a luta pelo objectivo da coesão económica e social, e a manutenção do sistema institucional único, que abranja todas as esferas da vida comunitária com a recusa de uma Europa assente num directório de grandes potências;

- a defesa do princípio da igualdade de direitos dos Estados, bem como o princípio de que cada Estado tem o direito de participar nas políticas que considere vantajosas e negociar a exclusão ou derrogações da aplicabilidade das políticas, regulamentos e directivas que entenda prejudicarem interesses considerados importantes;

- a defesa de uma Europa de paz e cooperação, de liberdade e tolerância, o que significa a oposição a toda e qualquer passagem dos chamados 2º e 3º pilares da UE - Política Externa e de Segurança Comum (PESC)/União Europeia Ocidental (UEO) e cooperação no domínio da Justiça e dos Assuntos Internos/Schengen - a políticas comunitárias comuns, com a correspondente transformação da Comunidade em potência político-militar e em «fortaleza» inacessível a cidadãos de outros países;

- a abordagem do alargamento da União Europeia, tendo como pressuposto o respeito integral pela soberania dos países candidatos e os compromissos assumidos para com os países comunitários de economias mais frágeis;

- a inegociabilidade do uso da língua portuguesa como língua oficial e de trabalho em todas as instâncias, da presença de todos os Estados-membros em todos os órgãos e instâncias e da rotatividade das presidências.



2. Evolução económica

No período que decorreu desde o XIV Congresso acentuou-se a política de direita, prosseguida primeiro pelo Governo do PSD e, mais recentemente, pelo actual Governo do PS, de reconstituição, restauração e institucionalização do capitalismo monopolista de Estado como sistema socioeconómico e sua associação ao capital estrangeiro.

Este processo, em desenvolvimento desde 1976, encontra-se em fase avançada, embora não concluído, e caminha a par de transformações profundas do regime político, do agravamento da exploração dos trabalhadores e de atentados contra os seus direitos e liberdades, de limitações da soberania e independência nacionais.

Apoiados e incentivados através da concessão de benesses e privilégios e de fraudulentos processos de privatização talhados à sua medida, formaram-se e consolidaram-se novos grupos económicos, ressurgiram velhos e poderosos grupos dos tempos do fascismo (Champalimaud, Mello, Espírito Santo, entre outros) que não só reforçaram o seu poder económico como recuperaram poder político, e reconstituiu-se a propriedade de extensão latifundiária no Sul do País com a destruição da Reforma Agrária.

A acentuação da política económica de centralização e concentração capitalista e do primado da esfera financeira esteve associada à ausência de uma estratégia de desenvolvimento económico e social adequada às realidades e necessidades da economia portuguesa.

O reforço do poder do grande capital sobre a economia portuguesa tem tido como principais instrumentos um poder político submetido aos seus interesses, o nefasto processo de privatizações, com o desmantelamento do sector público da economia e a entrega de sectores-chave ao grande capital (nacional e estrangeiro), a distribuição privilegiada dos fundos estruturais (comunitários e nacionais), uma política fiscal de benefício descarado das grandes empresas e das actividades financeiras e especulativas, a crescente desregulamentação da economia, o agravamento da exploração dos trabalhadores e a degradação dos seus direitos.

O primado da esfera financeira e a ausência de uma estratégia nacional de desenvolvimento tornaram-se um corolário lógico da completa submissão da política económica portuguesa ao objectivo da participação de Portugal na moeda única europeia em 1999.

Como consequência destas orientações básicas, persistiu o agravamento dos desequilíbrios estruturais da economia nacional, acelerou-se a desindustrialização e a desertificação agrícola do País, acentuaram-se as assimetrias regionais, a periferização, a dependência e as vulnerabilidades da economia portuguesa.

Do ponto de vista das medidas macro-económicas adoptadas, a política desenvolvida centrou-se no controlo da inflação através de uma política deflacionista e, em particular, de uma política cambial de sobrevalorização do escudo, penalizando directamente as nossas exportações e favorecendo as importações, isto é, penalizando directamente a produção nacional.

A sustentação desta política cambial exigiu o prosseguimento de uma política monetária restritiva, cuja principal consequência tem sido a permanência de elevadas taxas de juro reais e, com elas, o excessivo custo real de financiamento das empresas, ao mesmo tempo que se deprimia o consumo privado, penalizando-se, também por essa via, as empresas e os trabalhadores portugueses.

As elevadas taxas de juro privilegiaram os investimentos financeiros em detrimento dos interesses produtivos. Os capitais estrangeiros, atraídos pelas altas remunerações assim asseguradas, orientaram-se na sua grande maioria, tal como os capitais nacionais, para aplicações na esfera improdutiva e para operações de carácter financeiro e especulativo, conduzindo a uma forte descapitalização e deterioração do tecido produtivo português.

Aquelas medidas macro-económicas foram acompanhadas de medidas liberalizadoras que abandonaram o sector produtivo aos ditames exclusivos de um mercado dominado pelas grandes empresas nacionais e transnacionais, e de medidas fiscais que beneficiaram as aplicações financeiras e especulativas e penalizaram, relativamente, os investimentos produtivos.

A isto há que somar a falta de preparação da industria e da agricultura portuguesas para se confrontarem com o desarmamento alfandegário e outras exigências decorrentes da nossa participação na União Europeia, na medida em que não foram desenvolvidas políticas que ajudassem a nossa indústria, a nossa agricultura e as nossas pescas a atingir níveis de produtividade e de competitividade comparáveis aos dos restantes países comunitários.

Aqui reside um dos factos mais graves que nos conduziu à situação actual: Portugal não contou com políticas activas de desenvolvimento industrial, agrícola e das pescas, o que nos levou, através de duras «reconversões» e «reestruturações», decididas de forma conjuntural e à custa do agravamento da exploração dos trabalhadores e do aumento do desemprego, a contar hoje com menos empresas directamente produtivas e sectores mais pequenos, mas nem umas nem outros mais competitivos.

Mais. Esta política agravou o processo de desindustrialização do País, com a sistemática quebra do investimento real das empresas portuguesas (há já cinco anos consecutivos). Só a existência de um sector empresarial público - que manteve níveis de investimento significativos - impediu ainda uma maior degradação do sistema produtivo nacional, já que são as empresas privadas que registam fortes quebras reais do investimento (há seis anos consecutivos), com especial incidência na indústria transformadora e nas empresas de pequena e média dimensão.

Pelas mesmas razões a produção industrial tem vivido entre o decréscimo e a estagnação a níveis cada vez mais baixos (realidade que a entrada em funcionamento da Auto-Europa não consegue escamotear).

Paralelamente, e como uma das causas desta evolução negativa, a generalidade dos grupos económicos portugueses prossegue uma estratégia de desvio de enormes recursos dos sectores produtivos em que se inserem para aplicações especulativas no investimento imobiliário ou financeiro.

Porque as Pequenas e Médias Empresas apresentam, na sua maioria, a par de um escasso nível tecnológico, uma estrutura financeira fortemente debilitada, com níveis de endividamento muito elevados, e revelam naturalmente a sua menor capacidade de resposta perante conjunturas recessivas e a sua dificuldade para competir num mercado cada vez mais internacionalizado e dominado pelas grandes empresas nacionais e multinacionais.

Por isso, os efeitos da política de direita sobre a estrutura produtiva nacional fizeram-se sentir de forma dramática sobre as Pequenas e Médias Empresas, dominantes a nível de produção e de emprego no nosso País.

Por outro lado, a política económica de direita tem tido como um dos seus principais pilares o acelerado processo de privatizações que, constituindo um dos maiores e mais escandalosos esbulhos do património público empresarial, tem vindo a lesar gravemente os interesses económicos do País e dos trabalhadores dessas empresas e, retirando ao Estado alavancas fundamentais para promover o desenvolvimento económico, tornando mais dependente e periférica a economia nacional.

Contrariamente ao que afirmavam e teimam em afirmar os defensores das privatizações (PS, PSD e CDS-PP), os «novos e dinâmicos grupos económicos nacionais» que se constituíram à custa das privatizações não se mostram «promotores de um maior e melhor crescimento económico», antes, e de acordo com a lógica capitalista da rentabilidade, diminuíram o emprego e aumentaram os despedimentos, as rescisões forçadas e os ataques aos direitos dos trabalhadores, acentuaram as assimetrias regionais e os desequilíbrios económicos face ao exterior.

Só uma minoria constituída por grupos económicos nacionais, grupos capitalistas estrangeiros e alguns especuladores bolsistas beneficiaram, e têm a beneficiar, com o processo de privatizações.

Agravou-se a injustiça fiscal, cuja carga incide fundamentalmente sobre os rendimentos do trabalho quer directamente através do IRS - quer indirectamente por via dos impostos sobre o consumo (IVA, ...) -, ao mesmo tempo que são objecto de ilegítimos benefícios fiscais os rendimentos de capital e as operações e aplicações financeiras e especulativas.

A política económica de direita tem conduzido e tem sido acompanhada pela degradação da situação social, constituindo o persistente e crescente aumento do desemprego uma das mais graves consequências sociais da política económica de direita.

Não são a alegada «rigidez do mercado de trabalho», nem as novas tecnologias por si só, nem o nível dos salários e dos encargos sociais, a causa do desemprego massivo e crescente no nosso País.

O factor chave, as causas essenciais do crescente desemprego encontram-se na política de destruição do aparelho produtivo, nas orientações monetaristas da política macro-económica, na afectação prioritária dos recursos financeiros às actividades especulativas e parasitárias, nas privatizações, na competitividade económica assente na intensificação da exploração dos trabalhadores e na desregulamentação do mercado do trabalho.

Em suma, a análise da evolução das realidades nacionais nestes últimos anos põe em evidência que as políticas de direita - antes com os governos do PSD, agora com o Governo do PS - são incapazes de lançar as bases estáveis e duradouras de um processo de desenvolvimento económico e social. Pelo contrário, agravam os problemas de fundo da economia e da estrutura produtiva portuguesas, aumentam o atraso relativo do País e acentuam as injustiças e desigualdades sociais.

Estes são os resultados de uma política económica de direita que, por um lado, visa a concentração da riqueza nas mãos de uma minoria e, por outro lado, se orienta pela prioridade absoluta aos aspectos nominais e financeiros da vida económica, em detrimento da «economia real», do investimento e da produção material.

Os Governos defensores e executores desta política de direita - primeiro o PSD e agora o PS - fundamentam-na, basicamente, em dois argumentos: 1) a necessidade absoluta do cumprimento das orientações neoliberais e monetaristas e dos critérios de convergência nominal da União Económica e Monetária; 2) o primado do «mercado» na regulação das economias.

Em relação ao primeiro argumento, é falso que Portugal esteja obrigado a cumprir aquelas orientações e critérios e a seguir uma política monetarista, ou que o seu incumprimento implique que Portugal seja excluído da União Europeia.

Mas, mais importante que tudo, a evolução económica e social do nosso País nos últimos anos mostra que aquelas orientações e aqueles constrangimentos são contrários e se opõem ao desenvolvimento económico e social.

Os objectivos de prioridade absoluta à convergência nominal (inflação, paridade cambial, défice orçamental, dívida pública e taxas de juro) esquecem o lado real da economia, o que é profundamente gravoso para um País como Portugal que apresenta uma estrutura industrial e agrícola em fase de desenvolvimento relativamente atrasada e níveis de produtividade substancialmente abaixo da média da União Europeia.

Como tem vindo a ser demonstrado pela prática da nossa economia, não é possível conciliar os critérios monetaristas para a moeda única com as exigências estratégicas de modernização das empresas e sectores de actividade, de melhoria das condições de competitividade e de uma especialização produtiva mais valorizada.

Na realidade objectiva de Portugal, a perda de instrumentos essenciais para a condução da política económica nacional (designadamente as políticas cambial, monetária e mesmo orçamental) implicará que os diferenciais de produtividade com os restantes países comunitários venham a ser suportados essencial ou exclusivamente pela redução relativa dos salários dos trabalhadores portugueses (que são já os mais baixos da UE) e pelo aumento permanente do desemprego.

Inversamente ao que foi propagandeado anteriormente pelos governos do PSD e actualmente pelo Governo do PS, os constrangimentos e sacrifícios impostos pela prioridade atribuída à convergência não são transitórios, não terminam com a criação da e a integração na moeda única.

Os efeitos mais nefastos desta política far-se-ão sentir permanentemente depois da moeda única, com a frágil e relativamente atrasada estrutura produtiva portuguesa, amarrada a uma moeda única, sobrevalorizada em relação à nossa economia, a ter de competir nos mercados nacional e internacionais fundamentalmente com as produções de países do chamado Terceiro Mundo.

A sujeição às políticas únicas monetária e cambial impede hoje, e impedirá no futuro, que a economia portuguesa cresça a um ritmo substancialmente mais rápido que o da média comunitária, e que os salários dos trabalhadores portugueses aumentem em termos reais mais que os dos restantes países. O que significa e significará que a convergência real (níveis de desenvolvimento das estruturas económicas e sociais, de rendimentos e de segurança social) de Portugal com a média dos países da UE deixará de ter qualquer viabilidade, mesmo a médio ou longo prazos.

A exigência de redução do défice orçamental e da sua manutenção a longo prazo ao mesmo nível do de uma Alemanha, por exemplo, exige uma forte contenção das despesas públicas nacionais, designadamente das despesas sociais e de investimento. O que, identicamente, significa e significará o abandono definitivo de qualquer perspectiva séria de convergência real.

A adopção, em permanência, de uma política monetária restritiva, como é a que decorre da União Monetária e da moeda única, tem e terá como principal resultado a continuação da destruição do aparelho produtivo e o aumento permanente do desemprego.

Em relação ao segundo argumento, a defesa e endeusamento do mercado como mecanismo de regulação automática da economia, por oposição à intervenção do Estado neste domínio e com este objectivo, é a defesa da velha - e há muito ultrapassada pela vida - concepção liberal que, pretendendo apresentar o Estado como pura instância política separada da economia e da sociedade, mais não visa, de facto, que ocultando a efectiva e multifacetada intervenção do Estado capitalista na economia e nas relações sociais em favor dos detentores dos meios de produção, da classe capitalista.

Uma concepção que deliberadamente ignora a compreensão da natureza de classe do Estado, escamoteando que a alegada não intervenção do Estado na economia é apenas uma das formas de o Estado capitalista garantir as condições gerais indispensáveis ao funcionamento do modo de produção capitalista e à manutenção das estruturas sociais que o viabilizam. Que voluntariamente omite que, actualmente, as relações económicas - quer ao nível nacional quer no âmbito internacional - se apresentam cada vez mais como relações de poder, e que o mercado não é um puro mecanismo natural de afectação eficiente e neutra de recursos escassos e de regulação automática da economia. Que pretende esquecer que na vida real actual a «mão invisível» do mercado foi substituída pela mão visível das grandes empresas, dos conglomerados transnacionais e do Estado ao seu serviço.

A verdade é que o mercado é um produto da História que, desde que adquiriu um papel dominante, tem correspondido concretamente a determinadas circunstâncias económicas, sociais, políticas e ideológicas. Desde há séculos, com o capitalismo, que o mercado serve mais os interesses de uns que os de todos, regula e mantém determinadas estruturas de poder que asseguram a prevalência dos interesses dos detentores dos meios de produção que podem viver sem trabalhar sobre os interesses dos trabalhadores que têm de trabalhar para sobreviver.

A tese do mercado todo-poderoso e intocável é, ainda, um pretexto que visa perpetuar as estruturas de poder na sociedade que geram e mantêm as diferenças de rendimentos entre os grupos sociais, que pretende «justificar moralmente» a diferença de natureza dos rendimentos dos trabalhadores (o salário) e dos rendimentos dos capitalistas (o lucro) e a existência do «desemprego natural» que, não tendo qualquer fundamento teórico (apenas servindo os objectivos capitalistas de aumento da exploração dos trabalhadores), tem por objectivo impor a ideia de que, por um lado, o desemprego é inevitável e, de que, por outro lado, o emprego é um «privilégio» para os trabalhadores, cuja manutenção deve obrigar os trabalhadores empregados a aceitar a estagnação ou redução salarial, a precarização das condições de emprego e a eliminação de direitos sociais.

A situação real da economia portuguesa é suficientemente preocupante e grave para não admitir sofismas e manobras de diversão. Pelo contrário, exige que seja encarada frontalmente e com toda a seriedade.

O essencial é uma alteração profunda da política económica, colocando o emprego com direitos como o objectivo fundamental da prioridade primeira que é o desenvolvimento e modernização do aparelho produtivo nacional, reconhecendo que a criação sustentada de novos postos de trabalho (em quantidade e com qualidade) só é possível com políticas de crescimento económico acelerado (que exigem a redução substancial das taxas de juro reais e uma paridade cambial adequada às realidades e às necessidades da economia portuguesa), e assumindo que o desemprego é em si mesmo um travão ao crescimento e ao investimento e que elevadas taxas de crescimento económico sustentado exigem um elevado ritmo de criação de emprego e o aumento permanente do poder de compra dos trabalhadores.

Uma nova e radicalmente diferente política de desenvolvimento económico e social, em que o crescimento económico não seja um fim em si mesmo mas um elemento essencial para a criação de emprego, para o aumento da riqueza a distribuir de forma mais justa, para a melhoria, progressiva mas permanente, das condições e nível de vida dos portugueses. Em que o objectivo do crescimento económico não seja o da produção pela produção, mas sim o de dar resposta e satisfação às necessidades urgentes e crescentes da sociedade portuguesa, de garantir mais formação e qualificação profissionais aos trabalhadores, de atribuir à investigação científica um importante papel no desenvolvimento, de alargar os direitos e as possibilidades de intervenção dos trabalhadores nos processos produtivos e nas estratégias de desenvolvimento das empresas e do País.

Esta nova e necessária estratégia de desenvolvimento económico, sem recusar os contributos úteis que possam advir do investimento directo estrangeiro, deverá assentar fundamentalmente nas vontades e capacidades nacionais (públicas e privadas), que permitam determinar e dominar internamente o processo de modernização da nossa economia e de internacionalização activa das empresas portuguesas e controlar o ritmo de crescimento económico.

Com esta nova política de desenvolvimento, é necessário e é possível produzir mais em Portugal através do aproveitamento racional e eficiente dos recursos endógenos, nomeadamente criando fileiras industriais e agro-alimentares de produção, favorecendo a cooperação entre regiões e apoiando as pequenas e médias empresas e os agricultores, no quadro de uma economia mista que integre um forte sector público empresarial, empresas privadas, empresas do sector social-cooperativo e empresas e explorações familiares, com as suas dinâmicas próprias e complementares respeitadas e apoiadas pelo Estado.

Em particular, o futuro da nossa indústria passa necessariamente por uma política industrial activa, coerente com as medidas macro-económicas que se adoptem, que hão-de servir tanto para superar as carências estruturais como os problemas conjunturais, ainda que no quadro concorrencial do mercado único europeu.

A política industrial deverá prosseguir dois objectivos essenciais: por um lado, obter uma base industrial mais sólida, o que significará alcançar um crescimento económico sustentado que, por sua vez, permitirá que nos aproximemos do resto dos países da UE quanto ao grau de industrialização, e que contribuirá para a criação de emprego; por outro lado, modernizar o nosso aparelho produtivo, de forma a melhorar a produtividade, a qualidade e o nível tecnológico, o que redundará numa maior competitividade das nossas empresas nos mercados interno e externos. Neste quadro impõe-se articular a política de inovação industrial e de desenvolvimento de novos sectores e ramos com a defesa e modernização dos sectores industriais onde temos experiência, conhecimentos adquiridos e mercados assegurados ou potenciais.

É imprescindível conseguir um elevado nível de investimento que capitalize a indústria portuguesa em «extinção». E nesta perspectiva é essencial defender a existência de um sector público industrial estratégico como elemento de consolidação do tecido produtivo.

Apesar dos vultuosos meios financeiros transferidos para o sector agrícola desde 1986, o balanço mostra-nos que a agricultura portuguesa está mergulhada numa profunda crise, que os rendimentos dos agricultores caíram brutalmente, que o desemprego nos campos aumentou, e que, em consequência disto, são hoje ainda mais preocupantes o nível de dependência agro-alimentar do País, o acelerado processo de despovoamento dos campos e a ausência de perspectivas futuras. Crise da responsabilidade da política de direita e da Política Agrícola Comum (PAC).

A política agrícola do actual Governo PS - que tem apresentado como características estruturais a prossecução, no essencial, das políticas anteriores - o agravamento das políticas comunitárias e a aceleração do processo de abolição de fronteiras põem cada vez mais em perigo a sobrevivência futura da agricultura e do mundo rural.

Impõe-se uma nova política que assegure a viabilidade da agricultura portuguesa e a defesa da produção nacional, a revitalização do mundo rural e a garantia de futuro para os agricultores.

Tal política deverá ter como grandes eixos estruturantes o reconhecimento do direito de todos os agricultores a produzir e a ser remunerados pela sua actividade produtiva e a unificação das funções de produção agro-pecuária e florestal e das outras valências do mundo rural - eixos estruturantes que deverão assentar na revisão das regras da Política Agrícola Comum e na renegociação dos acordos do GATT; numa política de renovação e sustentação do tecido agrícola nacional; no fomento do cooperativismo agrícola e na reconversão da estrutura fundiária, designadamente com o emparcelamento, no respeito pela vontade dos pequenos agricultores na zona do minifúndio, e com a realização de uma reforma agrária nos campos de latifúndio.

Hoje como ontem, a estrutura latifundista surge como o mais pesado factor de bloqueamento do desenvolvimento da região e do progresso social das populações do Alentejo. Uma reforma agrária, com características e com critérios inseridos na realidade actual do país e da região, é a resposta necessária à degradação económica e social do Alentejo, gerada pela contra-reforma agrária e agudizada pela PAC.

Nas pescas impõe-se uma política de valorização deste importante segmento da economia e de desenvolvimento da produção nacional de pescado, quer para satisfazer em mais larga escala as necessidades internas quer para aumentar o volume e o valor acrescentado das exportações, defendendo, nomeadamente perante a Política Comum de Pescas, as características e especificidades das pescas nacionais, promovendo o apoio à renovação da frota e acabando com a actual política de abates, defendendo as posições de pescas em águas exteriores à Comunidade de forma a viabilizar a frota longínqua, promovendo a modernização e adequação dos portos piscatórios e apoiando uma política de investigação virada para a preservação dos recursos e a potenciação da actividade produtiva.

No âmbito de uma estratégia nacional de desenvolvimento impõe-se, igualmente, a definição e concretização de políticas activas para outros importantes sectores de actividade, nomeadamente os do turismo, comunicações e telecomunicações, comércio interno e sector financeiro.

Para a concretização desta nova política, o Estado não pode nem deve renunciar ao seu poder de intervenção na direcção e regulação do sistema económico, utilizando para isso os instrumentos ao seu dispor, incluindo aí a sua actividade empresarial, o sector empresarial do Estado.

O papel económico real do mercado como lugar de circulação das mercadorias e dos capitais não pode ser confundido com um papel de regulador exclusivo da actividade económica.

A intervenção do Estado na regulação da actividade económica, sem pôr em causa a complementaridade concorrencial entre sectores e empresas, é indispensável para que sejam tidos em conta os objectivos sociais do desenvolvimento a bem do interesse nacional, para alcançar com eficiência os fins de interesse público da responsabilidade do Estado. Para permitir a efectiva prossecução de políticas que prossigam opções estratégicas nacionais. Para impedir os abusos de poder do mercado e conciliar a concorrência e a solidariedade e a inovação empresarial e a modernização da economia e da sociedade. Para garantir o pleno aproveitamento das capacidades nacionais e para fazer a harmonização possível das actuações dos sectores público e privado à luz dos crescentes desafios externos e de um objectivo claro de progresso social e de desenvolvimento económico.

A competitividade de que carece a generalidade da economia portuguesa não passa pela redução dos salários dos trabalhadores portugueses nem pela degradação das condições laborais (se assim fosse seríamos hoje os mais competitivos da União Europeia), mas sim, e nomeadamente, pela definição de uma estratégia nacional de desenvolvimento, pelo acréscimo da chamada «produtividade do capital», pela organização eficiente da produção, pela modernização dos processos produtivos, pelo aumento do nível educativo e de formação profissional, por taxas de juro e preços dos elementos produtivos concorrenciais, pela aplicação eficaz dos fundos estruturais, por uma política cambial realista e de apoio à actividade produtiva.

Aliás, a maior ameaça à competitividade da economia portuguesa é, precisamente, a sua sujeição a uma «moeda única» sobrevalorizada em relação à realidade da economia portuguesa e às outras moedas internacionais.

Só um crescimento económico mais forte permitirá resolver, ou pelo menos atenuar fortemente, os problemas do desemprego.

E para permitir esse crescimento económico mais forte e sustentado impõe-se, como necessidade absoluta, uma ruptura efectiva com as orientações monetaristas da União Europeia e, por maioria de razão, com os critérios de «convergência nominal» do Tratado de Maastricht e a assunção da opção de que Portugal deve dar prioridade ao desenvolvimento e, por isso, não se amarrar à terceira fase da União Económica e Monetária nem acatar a moeda única.

Economias estruturalmente diferentes e com diferenciados níveis de desenvolvimento exigem políticas monetárias, cambiais e orçamentais adequadas a cada caso e não políticas únicas (que, necessariamente, terão de ser definidas de acordo com os interesses das economias mais desenvolvidas e determinantes).

Trata-se, afinal, de substituir o objectivo da «convergência nominal» pelo objectivo da «convergência real», com a adopção de normas diferenciadas (e não alinhadas pela economia mais forte) que possam traduzir uma evolução positiva dos padrões económicos e sociais (nível de emprego, distribuição do rendimento, desenvolvimento regional, condições de vida e de trabalho...).

Em suma, impõe-se uma nova política que assuma o emprego e o progresso social como o grande objectivo e condição essencial do desenvolvimento económico, e a defesa do sistema produtivo português e o aumento sustentado da produção como uma primeira prioridade. Em que o sector empresarial público e os grandes serviços públicos sejam colocados ao serviço do desenvolvimento, dos trabalhadores, dos portugueses. Em que se busque o crescimento harmonioso com a correcção dos desequilíbrios regionais e a defesa do ambiente. Em que os condicionantes da integração comunitária e dos processos de crescente mundialização das economias sejam abordados, não como imperativo a cumprir ou dogmas a aceitar, mas como uma frente de intervenção e de luta na defesa dos interesses nacionais e da cooperação e solidariedade entre os povos.

Uma nova política, uma política de esquerda, que assuma frontal e permanentemente que a causa da justiça social não é apenas justa como desempenha uma verdadeira função económica.



3. Evolução social


Nos últimos quatro anos assistiu-se a uma acentuada degradação da situação social, caracterizada quer pela agudeza das suas diversas expressões quer pela crescente amplitude dos seus efeitos na sociedade portuguesa.

A desvalorização do trabalho - como direito social fundamental, condição básica da integração na sociedade e da realização humana - é cada vez mais profunda. E a concretização dos restantes direitos sociais consagrados na Constituição tem vindo a ser, também, progressivamente posta em causa.

O desemprego não pára de aumentar, tendo o número de desempregados ultrapassado já o meio milhão. Constituem aspectos particularmente inquietantes nesta situação:

- A aceleração brutal da taxa de desemprego nos últimos meses, ao invés das promessas do PS e do Governo, que se comprometeram formalmente com a sua redução;

- o crescimento da proporção de desempregados de longa duração, o que exprime o carácter não conjuntural do problema;

- o agravamento do desemprego de mulheres, constituindo mais de metade dos desempregados e dos desempregados de longa duração;

- e o nível muito elevado do desemprego que atinge os jovens, muitos dos quais se vêem, além disso, confrontados com a dificuldade de encontrar emprego adequado à formação que adquiriram.

A precarização do trabalho e o subemprego assumem uma expressão cada vez mais generalizada, com todo o seu cortejo de incertezas e de condições objectivas mais desfavoráveis para a defesa dos interesses dos trabalhadores.

Além do desemprego, do subemprego e do trabalho precário, outros factores contribuem de forma também decisiva para a degradação da situação social. São de sublinhar:

- a violação e o desrespeito dos direitos dos trabalhadores;

- o agravamento da exploração e as profundas e crescentes desigualdades na distribuição do rendimento nacional (com destaque para o nível muito baixo da parte do trabalho no rendimento nacional e para o valor reduzido das prestações sociais);

- o alastramento das manchas de pobreza e dos fenómenos de marginalidade e de exclusão social;

- os agudos problemas da habitação e dos transportes;

- e as discriminações de natureza classista que continuam a afectar o carácter efectivamente universal da concretização dos direitos sociais de que o Estado está incumbido - e de cujas obrigações procura descartar-se - nomeadamente relativos à segurança social, à saúde e ao ensino.

No que respeita à distribuição da riqueza são expressivos os factos, reconhecidos num estudo oficial, de que 1% da população portuguesa concentra 16,8% do total da riqueza e de que um quarto do total da população monopoliza 72% da riqueza. E de que se vem verificando nos últimos anos um crescimento significativo das desigualdades.

É muito preocupante a extensão e o agravamento dos fenómenos da exclusão social e da pobreza, em toda a multiplicidade das suas dimensões, desde o nível muito baixo de rendimentos, ao desemprego e à precariedade de trabalho, à falta de condições de habitação, de saúde e de inserção nos próprios processos educativos. A dimensão quantitativa do problema é conhecida: com um terço da população a viver numa situação de pobreza, ou seja, com um rendimento inferior a 50% do rendimento médio nacional per capita, Portugal é o País da União Europeia onde a pobreza atinge actualmente uma expressão mais significativa. Quanto ao alastramento das manchas de pobreza e dos fenómenos de marginalidade, importa salientar que à pobreza tradicional, em que sobrevive um vasto sector de idosos e de deficientes, desempregados há longa data ou jovens à procura de primeiro emprego, famílias monoparentais, minorias étnicas, sectores de assalariados e do campesinato com um nível muito baixo de rendimentos, se vêm crescentemente somando os efeitos sociais do que vem sendo designado por «nova pobreza» provocada pelas alterações estruturais muito profundas que se verificam no mercado do trabalho, e que atingem uma parte cada vez mais significativa da população, que ou não consegue acesso a um rendimento regular certo ou é atingida por alterações da regularidade, da certeza e/ou do nível de rendimento.

Na evolução social da sociedade portuguesa reflectem-se também fenómenos e tendências de natureza muito diversa e transformações que têm vindo a processar-se em várias esferas da vida nacional. São de salientar, nomeadamente:

- As transformações nas actividades produtivas, com acentuada queda da população agrícola, o desaparecimento ou redução de pólos industriais, e o desenvolvimento da área dos serviços;

- a quebra demográfica e a desertificação de muitas zonas rurais, associada à crescente urbanização do País provocada pelos movimentos migratórios do campo para as vilas e para as cidades, com particular destaque para os fluxos que se orientam para as Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto;

- os problemas complexos, decorrentes do crescente fluxo imigratório para Portugal, especialmente dos PALOP, e o desenvolvimento de inaceitáveis expressões de racismo e xenofobia;

- os novos fluxos emigratórios, de curta duração, com origem nas zonas rurais mas também de centros urbanos;

- e o abaixamento muito acelerado da taxa de natalidade (provocando a sensível redução do peso do grupo etário dos menores de 15 anos) e o envelhecimento da população.

A política neoliberal de crescente desresponsabilização do Estado em relação às funções sociais que constitucionalmente lhe incumbe assegurar, associada à progressiva mercantilização e submissão a critérios lucrativistas de áreas como a saúde, a educação e a segurança social, que tem caracterizado a acção dos sucessivos governos de direita e que agora o Governo do PS prossegue, em aspectos fundamentais, constitui uma causa fundamental da degradação da situação social que se regista na sociedade portuguesa.

O combate a essa política constitui, por isso, uma questão central para quantos se empenham em travar e inverter o deteriorado panorama social da sociedade portuguesa. E configura, à esquerda, e com um destacado papel dos comunistas, uma clara prioridade para a intervenção e a acção política e de massas, seja num sentido da defesa de direitos e dos sistemas sociais que os suportam (serviço nacional de saúde, escola pública, sistema público de segurança social) seja da sua concretização num nível mais elevado e do seu aperfeiçoamento, que são indispensáveis para o desenvolvimento integrado, económico, social e cultural do País.

No que respeita à Segurança Social, sem dúvida uma das questões sociais que toca mais profundamente o conjunto dos trabalhadores portugueses, a diferença maior que separa o sistema existente no nosso País dos que existem nos países mais desenvolvidos tem a ver com o nível de protecção social, que é muitíssimo baixo entre nós. É o caso, nomeadamente, das precárias condições de vida em que vive a esmagadora maioria dos reformados e pensionistas, muitos deles a viverem abaixo dos limites de pobreza. No que respeita às próprias pensões do regime geral (contributivo), abrangendo no final de 1995 um milhão e seiscentos e cinquenta mil pensionistas (mais de 2/3 do total), 66,5% das pensões de velhice e 72,5% das pensões de invalidez eram inferiores a 30 contos por mês, sendo também que mais de 88% dos pensionistas dessas modalidades auferiram valores inferiores a 50 contos por mês.

A política de direita - com destaque para a década do cavaquismo - não foi apenas responsável pela manutenção das prestações num nível muito baixo, com todas as suas consequências negativas, incluindo as relativas à menor confiança inspirada pela Segurança Social. Ela conduziu, também, à acumulação de gravíssimos problemas e desregulações no sistema, que o fragilizaram e o tornaram mais vulnerável ao ataque neoliberal. Referem-se, em particular, as debilidades financeiras resultantes do continuado incumprimento governamental da Lei de Bases da Segurança Social, que atribui ao Estado a responsabilidade pelo financiamento do regime não contributivo (ou fracamente contributivo) e da acção social, da extrema permissividade perante uma evasão contributiva de grandes proporções e da acumulação de um vultuoso montante de dívidas por parte do patronato.

Apesar de ser este o quadro, o PCP não acompanha a visão catastrófica sobre a situação do sistema e critica os interesses privatizadores que a promovem.

As insuficiências notórias que o sistema público da Segurança Social apresenta no nosso País, e as dificuldades acumuladas durante muitos anos (resultantes da sua má gestão e da utilização dos seus recursos por sucessivos governos ao serviço de interesses estranhos à protecção social dos beneficiários), não põem em causa o direito social fundamental que ele concretiza, não desvalorizam as suas inegáveis realizações e muito menos o imenso património social que foi erguido com o trabalho e com o sacrifício de várias gerações de trabalhadores portugueses. Essas inegáveis realizações e esse imenso património social ilustram mesmo as potencialidades existentes no sistema público de Segurança Social, desde que seja levada a cabo uma política de orientação democrática, para passar a ser dada uma melhor e garantida resposta às necessidades de protecção social constitucionalmente estabelecidas.

O «modelo» neoliberal de privatização da segurança social, que com variantes de grau, modalidade e prazo de concretização, aparece a ser defendido no nosso País pelos representantes do grande capital financeiro (bancos, seguradoras, sociedades gestoras de fundos de pensões) e, no plano político, pelos responsáveis do PSD, do PP e do Governo do PS, não tem nada de positivo a oferecer aos beneficiários da Segurança Social; bem pelo contrário, não dispõe de qualquer vantagem comparativa na abordagem dos problemas (velhos e novos) com que o sistema está confrontado, representando, por isso, uma grave ameaça.

Às «reformas» da segurança social redutoras de direitos e com objectivos privatizadores contrapõe o PCP a realização de uma política de sentido inteiramente oposto, que defenda, reforce e aperfeiçoe o direito à segurança social e o sistema público que o suporta e garante.

O PCP propõe como orientações estratégicas da reforma democrática da Segurança Social: a garantia dos direitos adquiridos e em formação a todos e individualmente a cada um dos beneficiários do sistema de Segurança Social, de forma a reforçar a confiança e a impedir a imposição de regimes mais desfavoráveis; a melhoria das prestações sociais e a elevação dos seus valores, em especial das prestações que se encontram num nível mais degradado; a concretização da universalização, de modo a cumprir o direito de todos os cidadãos à segurança social, independentemente da sua situação profissional; a autonomia institucional, a descentralização democrática e o reforço da participação social no sistema; e o reforço e a adequação do financiamento da segurança social, com a elevação dos recursos e a clarificação do que deve ser financiado pelas contribuições dos beneficiários e o que deve ser financiado pelos impostos pagos por todos os portugueses, por forma a garantir os compromissos assumidos e a permitir uma resposta de nível mais elevado aos riscos sociais.

Na área da Educação, verifica-se o prolongamento de uma crise cujas expressões mais agudas são o insucesso educativo e o abandono escolar. A «reforma educativa» promovida pelo PSD, que o actual Governo do PS tem vindo a prosseguir, veio tornar essa crise ainda mais complexa.

Esta situação é indissociável de uma política, a que o PS tem dado continuidade nos últimos meses, de desresponsabilização do Estado em relação à educação e ao ensino e de mercantilização dos saberes, e que se traduz nomeadamente na não concretização do sistema público de educação pré-escolar, na selectividade da frequência da escola pública, ao nível do secundário e do superior (em que avulta a manutenção do sistema de numerus clausus no acesso ao ensino público), em privilégios escandalosos ao ensino privado, no desrespeito pela progressiva gratuitidade do ensino público e na sobrecarga dos estudantes e suas famílias com os custos do ensino e na transferência de responsabilidades para as autarquias sem lhes serem atribuídos os correspondentes meios.

Daí decorre um conjunto de problemas de natureza estrutural tais como meios financeiros insuficientes e muito mal aproveitados; política de gestão de pessoal marcada pelo economicismo, por um estatuto docente socialmente desvalorizado, e uma formação de professores inicial e contínua insuficiente e desvirtuada em relação às suas finalidades essenciais; por carências de pessoal auxiliar; carências sérias no plano das estruturas físicas, pela sobrelotação e degradação de escolas em muitas regiões.

Esta situação é agravada pela deficiente articulação entre as várias estruturas, sectores e segmentos do sistema educativo, problema que assume expressões particularmente agudas na transição entre diferentes níveis e ciclos de ensino, quer no plano dos currículos e programas quer no da avaliação dos alunos, quer no da concepção de escola.

Outra questão, não menos importante e grave, é a excessiva e sufocante governamentalização de todo o sistema educativo com a tendência para o comando burocrático - administrativo e até repressivo de toda a vida escolar, a partir do Ministério da Educação, aparelho central e suas extensões regionais. Tal governamentalização constitui um fortíssimo elemento de bloqueio do conjunto do sistema educativo e da intervenção dinâmica que professores, estudantes, associações de pais e encarregados de educação e a comunidade nele deveriam assumir.

A reflexão sobre a educação, numa estratégia de verdadeiro desenvolvimento humano, e sobre as forças motoras do urgente processo de transformação e de modernização do sistema educativo faz avultar o papel das próprias escolas (e dos seus profissionais) e o papel decisivo de uma dinâmica centrada no sistema educativo e auto-regulada de forma democrática, no seu interior e em ligação com a sociedade. Dinâmica essa que à fracassada «reforma educativa» do PSD contraponha uma reforma educativa de orientação democrática, com um objectivo fundamental: um ensino de qualidade para todos os portugueses.

O PCP propõe como linhas de orientação geral: a Educação, como factor estratégico para o desenvolvimento; a escola pública de qualidade como opção fundamental; a democratização do acesso à educação e ao ensino de que a gratuitidade do ensino público constitui um dos factores básicos; o sucesso educativo e escolar dos jovens, o sucesso do sistema; uma escola com mais autonomia e com mais participação; e um sistema não governamentalizado, dotado de autonomia democrática, descentralizado e com financiamento suficiente e regular.

A ciência e tecnologia constitui uma área em que o atraso acumulado pelo nosso País e o agravamento do fosso que nos separa dos países mais desenvolvidos, tem consequências mais graves. A situação caracteriza-se por: a ausência de uma política científica e tecnológica nacional, desarticulação do sistema científico e tecnológico e falta de mecanismos de avaliação; progressiva destruição das unidades de investigação e desenvolvimento experimental do sector público; carência de recursos humanos, envelhecimento dos quadros, bloqueamento de admissões e recurso a bolseiros e a trabalhadores precários; subfinanciamento do sistema científico e tecnológico, má gestão durante anos dos recursos nomeadamente dos fundos comunitários, peso excessivo do financiamento por projectos; muito baixo nível das actividades de I&DE desenvolvidas pelas empresas; insuficiente articulação entre os sistemas produtivo, de C&T e educativo; investimento em infraestruturas tecnológicas desligadas de necessidades efectivas do sector produtivo e criação de Parques de Ciência e Tecnologia de duvidosa utilidade para a proclamada ligação de actividades de I&DE e as de produção de bens e serviços.

No domínio da ciência e da tecnologia o PCP propõe, como orientações estratégicas: o desenvolvimento sustentado do sistema nacional de I&DE, promoção da coordenação e articulação dos vários subsistemas e das suas funções; a afirmação do papel determinante do sector público no fomento das actividades de I&DE; a formulação de uma política científica e tecnológica que tenha em conta os problemas específicos do desenvolvimento do País, as tendências internacionais e as actuais condições de circulação e de intercâmbio de conhecimentos à escala internacional; a desgovernamentalização, desburocratização e democratização das decisões na área da C&T e o desenvolvimento de mecanismos de participação democrática da comunidade científica nas macro-decisões orientadoras do sistema nacional de I&DE; o crescimento dos recursos financeiros e dos recursos humanos e das suas condições de trabalho; a aprovação de uma lei de financiamento das unidades de I&DE, que contemple um financiamento de base das instituições regulado por parâmetros objectivos e um sistema de financiamento por contratos - programa e por projectos; e afirmação de que o investimento em C&T, sem prejuízo da investigação fundamental, deve ir ao encontro das necessidades do sector produtivo, deve abranger áreas de importância social como a educação, a saúde, a cultura, o meio ambiente, e fomentar também outras actividades científicas e tecnológicas; o incremento das actividades de investigação industrial; o fomento das Outras Actividades Científicas e Tecnológicas, como elementos de mediação entre a I&DE, o sistema produtivo e outras actividades sociais; o estabelecimento de um regime de autonomia (financeira, administrativa e científica) e de escolha democrática dos responsáveis das unidades públicas de I&DE, e o desenvolvimento de processos de avaliação e acompanhamento da sua actividade.

No que respeita à Saúde, o PCP recusa firmemente uma política que conduza à divisão entre aqueles que têm capacidade económica para usufruírem da prestação de cuidados de saúde de qualidade e os restantes, a grande maioria, que não tendo essa capacidade, ficam condenados ao acesso a um sistema de saúde residual e caricativo, com cuidados de saúde de nível inevitavelmente inferior.

A desresponsabilização do Estado do seu dever básico de garantir o acesso universal, geral e gratuito aos cuidados de saúde - quer através das diversas modalidades de privatização das unidades de saúde quer do pagamento desses cuidados ou de seguros que os garantam - representa um grave retrocesso social. Esta política conduz, nas condições actuais da sociedade portuguesa, ao aumento das despesas com a saúde, quer as suportadas directamente pelos cidadãos quer as suportados pelo Estado, e conduz a mais desigualdades, discriminações e injustiças sociais.

O PCP assume por isso a defesa do Serviço Nacional de Saúde. Não do SNS como está, desfigurado pelas continuadas orientações neoliberais que foram postas em prática e com as quais o Governo do PS não assumiu, durante um ano, uma posição clara de ruptura. Mas do SNS regressado à filosofia e à inspiração democrática e humanista inicial, universal, geral e gratuito ajustado às novas condições de progresso tecnológico, aos problemas que o crescimento dos custos e a evolução organizativa colocam, aos novos e mais exigentes padrões de saúde possíveis e por isso acessíveis a todos os seres humanos.

O PCP propõe como orientações estratégicas, articuladas, para uma nova política de saúde a reforma democrática do Serviço Nacional de Saúde (estabelecendo a sua autonomia e regionalização, um novo quadro regulador do financiamento do SNS e a gestão democrática das unidades de saúde) e políticas prioritárias (já publicamente apresentadas) nos domínios da concretização do direito à saúde, da qualidade dos serviços, da valorização dos cuidados de saúde primários, da política do medicamento, da promoção dos direitos dos utentes, da saúde mental, da toxicodependência, e da SIDA.

No que respeita à política de habitação, verificou-se que a última década se caracterizou pela demissão dos governos de exercer as suas responsabilidades, tentando remetê-las sem os correspondentes meios para o poder local. Deste modo não foram implementadas medidas que combatam as carências brutais da população sem capacidade económica. Os cálculos mais rigorosos estimam em 800 mil fogos as carências habitacionais, a que há que acrescentar a degradação do parque habitacional construído, avaliado em 20 a 25 mil fogos por ano, bem como o aumento da procura por parte de jovens que constituem novos agregados familiares. O ritmo de construção - sobretudo para as camadas insolventes - e de recuperação do parque habitacional construído está muito longe de corresponder ao ritmo que seria necessário para caminhar para a resolução deste grave problema nacional.

Os governos do PSD alienaram as suas responsabilidades, quer afirmando que o Estado não tem vocação para construir e que o problema teria que ser resolvido pelo mercado, quer afirmando que a responsabilidade seria das autarquias. O próprio Programa Especial de Realojamento (PER), com o qual o Governo afirmou, com propósitos eleitoralistas, seis meses antes das eleições autárquicas de 1993, que iria pôr termo às barracas, só abrange as áreas metropolitanas e impõe encargos incomportáveis às autarquias. O Governo do PS não inverteu os aspectos essenciais da política anterior. Não assegurou um aumento substancial do investimento público neste sector, já que preferiu dar prioridade absoluta ao cumprimento dos critérios de Maastricht. Medidas pontuais positivas, como a revisão do regime do PER, tomada na sequência de um projecto de lei do PCP, não melhoraram a situação no que respeita às responsabilidades financeiras dos municípios nem inverteram o essencial do problema.

Para inverter a situação o PCP considera, designadamente, necessário: assegurar um Plano Nacional de Habitação em que o Estado assuma plenamente as suas responsabilidades; adoptar políticas de solo e urbanísticas de interesse público e realizar uma efectiva descentralização de atribuições e meios financeiros; incentivar um mercado de arrendamento; rever o regime do Plano Especial de Realojamento de acordo com o princípio de que o Governo não pode deixar de assumir responsabilidades essenciais; acelerar a reabilitação urbana e do parque habitacional, com atenção aos centros e núcleos históricos; reforçar o apoio concedido às cooperativas de habitação, à autoconstrução e às formas de associativismo para resolução do problema habitacional designadamente das camadas carenciadas; aumentar a eficácia e o volume do apoio ao crédito bonificado para a aquisição de habitação.

Quanto à Toxicodependência e ao tráfico de drogas, eles constituem dos maiores flagelos com que se confrontam as sociedades contemporâneas e que não tem parado de se agravar no nosso País onde estimativas recentes apontavam para a existência de cerca de 120 mil toxicodependentes e de um crescente número de mortos por causas ligadas à droga.

A resposta a esta situação não tem correspondido nem à sua dimensão nem à sua gravidade. Assim foi com os governos do PSD, cuja política deixou agravar a situação, e assim sucede actualmente com o Governo do PS, ao não introduzir alterações de fundo e ao não disponibilizar mais meios para combater estes flagelos, enveredando por uma política de desresponsabilização do Estado nesta área. O PCP propõe, para uma nova política de prevenção da toxicodependência e de combate ao tráfico de drogas: uma política geral que contribua para eliminar as causas das vulnerabilidades que conduzem à toxicodependência e um verdadeiro plano de prevenção e de combate ao tráfico; uma vigorosa acção de prevenção primária; uma rede nacional pública para o atendimento, tratamento e a reinserção social; a necessidade de ter presente que o toxicodependente é um doente e que não se devem sujeitar os simples consumidores a penas de prisão que nada resolvem e tudo podem agravar; o reforço e uma maior eficácia no combate ao tráfico de drogas e ao branqueamento de capitais; o apoio à investigação científica destes fenómenos e à formação de técnicos; e uma postura activa de Portugal no plano internacional para que seja assegurada uma ordem mundial mais justa e um desenvolvimento mundial equilibrado.

No que respeita à questão do ambiente verificou-se a contradição entre, por um lado, o agravamento dos problemas e o aumento da consciência social da sua gravidade, e por outro a carência de medidas que estejam à altura da dimensão e importância das questões que estão colocadas para a Humanidade no seu conjunto, para o País e para as populações de muitas regiões e localidades. Portugal mantém, aliás, problemas típicos dos países mais desenvolvidos, como a poluição de certas indústrias e as carências de tratamento de resíduos industriais e, simultaneamente, problemas típicos dos países menos desenvolvidos, como as carências em matéria de qualidade da água para abastecimento público em algumas regiões, recolha e tratamento de esgotos (águas residuais) e recolha, reciclagem e tratamento de lixos domésticos. Problemas como os incêndios, a seca, a política florestal, a destruição de importantes áreas agrícolas, a desertificação, o desordenamento urbano e o desordenamento de importantes áreas do litoral vêm agravar o problema ambiental.

Face a esta questão, os governos têm desprezado a necessidade de um projecto global de desenvolvimento sustentado e têm procurado aproveitar os fundos comunitários para a área do ambiente, canalizando-os para acções de propaganda e para lucros privados, estimulando a privatização de sectores ou procurando a sua centralização, ao mesmo tempo que se mantém a situação de penúria relativa dos municípios. Ao mesmo tempo, multiplicam-se áreas protegidas, mas sem garantir a democraticidade da sua gestão e a necessidade de assegurar alternativas para as populações residentes.

Consciente da gravidade do problema, o PCP propõe as seguintes medidas: assegurar a participação de Portugal nas organizações e iniciativas internacionais com base numa concepção humanista e de defesa do desenvolvimento sustentado, que respeite os interesses actuais das populações, bem como das gerações vindouras; adoptar uma política em que o Estado assuma plenamente as suas responsabilidades e colabore com outros poderes públicos com base em concepções democráticas e descentralizadoras, e na preparação das populações e das associações ligadas ao ambiente; assegurar uma política adequada de resíduos, que privilegie a redução, a reciclagem e a reutilização bem como o tratamento na base dos interesses das populações; reforçar o investimento na qualidade da água e do ar, na recolha e no tratamento de efluentes no combate à poluição sonora; reforçar os estudos de impacte ambiental, bem como a sua qualidade; desenvolver e aprofundar as acções de ordenamento do território com especial atenção aos meios urbanos e ao litoral e às zonas mais sensíveis, com colaboração das autarquias e da Administração Central; reforçar as acções de informação e educação ambiental.

No que respeita à cultura física e ao desporto, verificou-se que com a responsabilidade dos sucessivos governos de direita pela área desportiva, o País desportivo regrediu, e prejudicou-se profundamente o desenvolvimento desportivo nacional.

Não evoluiu significativamente o número de portugueses que praticam desporto

informalmente ou federados; na prática continua a não haver educação física no primeiro ciclo do ensino básico; milhares de alunos dos outros ciclos do ensino obrigatório e do ensino secundário continuam a não ter educação física nem acesso ao desporto escolar; o desporto universitário tem uma expressão limitada. Não há uma política orientada para a prática desportiva dos trabalhadores com consequências negativas para a sua saúde e bem estar, rendimento no trabalho, salutar ocupação do tempo livre e intervenção das suas organizações de classe na definição das orientações para o desporto nacional. O défice global de instalações desportivas ascende a centenas de milhões de contos; a importância do orçamento do desporto, ao longo destes anos, oscilou entre os 0,25% e os 0,30%, o que significa que quem assume os custos do desporto são as famílias, as autarquias locais e o associativismo, limitando-se o Governo a distribuir os dinheiros do Totoloto e do Totobola. Os atletas de alta competição continuam sem condições adequadas de preparação. Continua por conceber um plano nacional de infraestruturas desportivas que o apressado e demagógico projecto «Desporto Escolar 2000», relativo aos pavilhões escolares, não conseguiu esconder. A Lei de Bases do Sistema Desportivo continua por regulamentar, seis anos depois, e às alterações recentemente introduzidas não o foram no sentido do desenvolvimento desportivo e acabaram por contribuir para gerar mais confusão no sector que se pretendia privilegiar, o desporto profissional e o espectáculo desportivo e a legislação em vigor não responde às necessidades e exige correcção urgente, designadamente a revogação imediata do regime jurídico das federações. O desporto escolar conheceu sete medidas distintas e está em preparação o oitavo modelo não se cumprindo o Decreto-lei em vigor sem qualquer justificação. Continua a grande confusão da formação em educação física e desporto; e finalmente o INDESP, autêntico espelho da desastrosa política do PSD, atolou-se em situações de corrupção, compadrio e ilegalidades levando à prisão dos seus principais responsáveis.

É indispensável pôr fim a esta política de destruição do desporto nacional. Lamentavelmente o PS foi quem iniciou esta orientação, não se vislumbrando nos dias de hoje na acção do Governo do PS, uma política diferente da que tem vindo a provocar um grande atraso ao desporto português. De cerca de um ano de acção do Governo PS ficam apenas a tentativa de aproveitamento político do fenómeno desportivo de alta competição, da actividade das selecções de futebol e dos Jogos Olímpicos assim como a famigerada iniciativa do «Totonegócio». Ao contrário do prometido, a existência de um Secretário de Estado em exclusivo para o desporto não se reflectiu em maior empenhamento numa política desportiva ao serviço dos cidadãos, pelo contrário tem servido e permitido um maior e quase exclusivo envolvimento do Governo com o futebol profissional, revelando compromissos que marcam a actividade governamental nesta área.

O PCP considera que o desporto deve ser encarado em toda a sua dimensão e impacto nas mais diversas áreas da vida social, designadamente na educação, na cultura, na economia, no turismo, na saúde, no desenvolvimento e crescimento do movimento associativo, na integração social dos deficientes, na afirmação da mulher, na melhoria da qualidade de vida, na afirmação internacional do País.

O PCP defende a definição de uma autêntica política de democratização da educação física e do desporto nacionais, capaz de garantir aos jovens e a todos os cidadãos a efectiva prática desportiva. O PCP propõe como orientações estratégicas para uma política desportiva: a concepção de que o desporto constitua um importante factor de desenvolvimento cultural e de integração social; a garantia de que o desporto constitua um direito real e a democratização crescente das actividades desportivas com o alargamento do número de praticantes, com actividades ricas de conteúdo cultural e correctamente concebidas do ponto de vista técnico e com a participação activa dos praticantes na concepção, organização, gestão e avaliação das actividades; a garantia da prática da educação física e do desporto em todas as escolas portuguesas em todos os níveis da escolaridade; o apoio ao associativismo e o reconhecimento do papel fundamental dos clubes na resposta às necessidades da prática desportiva; o apoio a uma efectiva descentralização desportiva; a clara separação do desporto amador do desporto profissional; a defesa da rigorosa transparência de processos no desporto, designadamente na sua vertente profissional, no sentido de um firme combate à corrupção, à violência e a todos os fenómenos de degradação do desporto português; e a atribuição dos meios financeiros capazes de garantir a implementação de uma política de efectivo desenvolvimento do desporto e da educação física.

Quanto à situação dos trabalhadores emigrantes portugueses, ela tem evoluído em consonância com a evolução da situação do povo trabalhador dos países onde se encontram. É, no entanto, um facto que os trabalhadores migrantes são os sectores mais fragilizados e as primeiras vítimas das medidas repressivas e anti-sociais que têm sido desenvolvidas, em particular nos países capitalistas mais desenvolvidos.

A política de emigração que foi levada a cabo nestes últimos anos pelos governos do PSD caracterizou-se pelo discurso fácil e demagógico centrado no voto para o Presidente da República. Virando costas aos verdadeiros problemas dos trabalhadores emigrantes e suas famílias o PSD orientou a acção governativa no apoio aos grandes empresários portugueses, ou de origem portuguesa, com vista ao seu envolvimento no processo de destruição do Sector Empresarial do Estado. Ao mesmo tempo que extinguia, porque incómodo para o Governo, o Conselho das Comunidades Portuguesas, estrutura representativa do movimento associativo, impunha, com o Decreto-lei nº 101/90, uma nova estrutura que nunca funcionou porque, desde logo devido ao ser carácter antidemocrático, foi rejeitada pelos emigrantes e o movimento associativo em geral.

O diploma que criou este ano um novo Conselho das Comunidades Portuguesas constitui uma medida de grande importância, se bem que não corresponda em absoluto ao projecto defendido pelo PCP na Assembleia da República e partilhado por muitos emigrantes. O PCP apoiará propostas no sentido de garantir uma participação mais alargada, através da criação de Conselhos de País. A nível governativo são notórias as contradições entre o discurso de boas intenções e os meios existentes para a aplicabilidade das medidas necessárias para uma nova política de emigração.

O PCP defende uma nova política de emigração que passa por uma intervenção do Governo português de firme defesa dos direitos dos nossos emigrantes, face às insistentes medidas discriminatórias de que são vítimas nos países onde residem; pela melhoria da qualidade do ensino do Português no estrangeiro, e por uma maior articulação entre os vários organismos oficiais que actuam nesta área; pelo planeamento de acções, em particular junto dos mais jovens, que estimulem o seu interesse pela defesa e promoção da nossa língua e cultura; pelo apoio ao movimento associativo, nomeadamente no âmbito da divulgação da nossa língua e cultura; pela criação de um espaço na RTPi para os problemas da emigração; pela reestruturação da rede consular no mundo (reestruturação esta à qual deve estar associada a revisão do Regulamento Consular, a modernização e informatização dos serviços e o apoio social e jurídico). O Governo deve, de facto, ter em conta as sugestões e propostas da comunidade portuguesa através das suas organizações representativas, nomeadamente o movimento associativo, e, também, de acordo com a sua especificidade, os sindicatos dos trabalhadores consulares (STCDE) e dos professores (SPE).

Nos últimos anos tem vindo a aumentar o número de imigrantes residentes em Portugal, provenientes, na sua esmagadora maioria, de países lusófonos. Segundo dados oficiais, residiam em Portugal em finais de 1995, cerca de 168 mil cidadãos estrangeiros, sendo estimado em várias dezenas de milhar o número de imigrantes que permanecem em Portugal em situação ilegal. Na sua maioria estão sujeitos a formas brutais de exploração, a péssimas condições de habitação, a falta de acesso a cuidados de saúde e à educação dos seus filhos, a situações de «ghettização» e estigmatização sociais. Os governos do PSD actuaram durante anos em consonância com os ditames dos Acordos de Schengen e do Tratado de Maastricht, alinhando activamente na construção de uma Europa xenófoba, de «portas fechadas» e na verdadeira campanha de culpabilização dos imigrantes pelo agravamento do desemprego e da criminalidade. Nos últimos anos, foram criados novos obstáculos legais à entrada de estrangeiros em Portugal. Foi possibilitada a sua expulsão por simples decisão administrativa. Foi prevista na lei a criação de «centros de instalação para cidadãos a expulsar. Foi enormemente dificultada a aquisição da nacionalidade portuguesa por naturalização. Foi realizado um processo de regularização de imigrantes que ficou deliberadamente aquém dos seus proclamados objectivos. Com o Governo PS, igualmente defensor dos Acordos de Schengen e do Tratado de Maastricht, não se alteraram substancialmente as linhas de força desta política. Realizou-se um novo processo de regularização de imigrantes que, tendo corrigido alguns aspectos do anterior (devido à acção do PCP, do movimento anti-racista e das associações representativas dos imigrantes) manteve insuficiências, soluções inadequadas e ficou aquém dos objectivos. A criação do cargo de Alto Comissário para a Imigração e as Minorias Étnicas (grande bandeira propagandística do Governo PS) não se traduziu em políticas, em poderes ou em meios visíveis de intervenção, mas tem consistido sobretudo numa operação de relações públicas e de propaganda governamental junto das comunidades de imigrantes. O PCP preconiza uma efectiva responsabilização do Estado Português na promoção da inserção dos imigrantes na sociedade portuguesa, o abandono das políticas persecutórias dos estrangeiros ditadas pelos Acordos de Schengen e o firme combate a todos as práticas e movimentos de cariz xenófobo e racista. Impõe-se, designadamente, eliminar as restrições no acesso dos imigrantes à habitação social, ao emprego, à saúde, à educação e à protecção social; garantir o respeito pela identidade cultural das comunidades de imigrantes e apoiar as suas associações representativas, privilegiando as relações de amizade e cooperação, em especial com os povos dos países lusófonos.



4. Evolução política - O Estado e o regime democrático


A subordinação do poder político ao poder económico do grande capital nacional e também, crescentemente, transnacional, constitui um dos traços mais negativos da evolução política nos últimos anos e que condiciona de forma mais significativa o funcionamento do Estado e do próprio regime democrático.

A ampla consagração constitucional dos direitos, liberdades e garantias tem vindo a ser contrariada por uma prática de discriminações e de regressão nas empresas e na sociedade, de favoritismo e de fomento de clientelas partidárias, de alastramento de fenómenos de corrupção.

A consagração constitucional da separação e interdependência dos vários órgãos de soberania foi durante anos contrariada pela tentativa de concentração de poder no primeiro-ministro e no Governo, pelo esvaziamento relativo da actividade e intervenção da Assembleia da República e pela contestação da actividade dos órgãos de fiscalização e controlo do poder executivo.

A ampla consagração constitucional da democracia participativa tem sido contrariada pela inviabilização de direitos das estruturas representativas dos trabalhadores e de outros sectores sociais, pela governamentalização do aparelho do Estado e pela transformação dos direitos de participação em meros procedimentos formais, em que as opiniões emitidas não pesam nem influem nas soluções legislativas, nas políticas governamentais e na actuação administrativa.

A consagração constitucional da descentralização e do poder local tem sido contrariada por uma orientação centralista, discriminatória e autoritária, de imposição de encargos sem recursos e de asfixia financeira. À consagração constitucional das regiões administrativas e à promessa eleitoral do PS de as instituir tem correspondido, na prática, o protelamento indefinido da sua criação e o prosseguimento da actividade de estruturas de administração central periférica, burocrática e concentrada em cinco capitais de distrito.

Continua por outro lado sem ser respeitado o princípio de que os direitos sociais, económicos e culturais são parte integrante dos direitos fundamentais, devendo dispor de idêntica protecção. Pelo contrário, prossegue a tendência de desresponsabilização do Estado, o desmantelamento de serviços públicos e de transformação de áreas como a educação, a saúde, a segurança social, a habitação e o ambiente em instrumentos de lucro privado.

Na evolução da situação política nos últimos anos, após o XIV Congresso, avultam a derrota do cavaquismo em Outubro de 1995 e a posterior eleição de Jorge Sampaio para Presidente da República, atirando por terra as esperanças da direita de recuperação rápida através da Presidência do poder perdido no Governo e na Assembleia da República.

O fim do período de predomínio dos partidos da direita, PSD e PP, em qualquer órgão de poder político, quando durante uma década o PSD controlou ferreamente dois deles - o Governo e a Assembleia -, representou de modo muito claro, como o Comité Central oportunamente assinalou, a abertura de uma nova fase na vida nacional. No entanto, apesar de a abertura desta nova fase comportar, inequivocamente, a marca da vontade de mudança e da necessidade de uma nova política expressa pela maioria do eleitorado, o afastamento do PSD do poder não veio pôr de facto termo à política de direita. O Governo do PS, embora com alterações de estilo, aparece em questões essenciais, especialmente nos domínios económico e social e a nível externo, a continuar a política de direita.

O processo de revisão constitucional actualmente em curso na Assembleia da República assume especial importância na vida política do País. Importa transformar a revisão constitucional numa batalha de massas em defesa dos trabalhadores e da democraticidade do sistema político. Com efeito, como mostram os debates e o conteúdo de alguns projectos de revisão, muitas das questões que estão em causa, especialmente os direitos sociais, dizem respeito directamente a sindicatos e outras organizações dos trabalhadores, a organizações juvenis e a diferentes estruturas representativas de interesses populares. Por outro lado, as propostas de degradação da democracia representativa dizem respeito a todos os cidadãos, quer se trate da eleição da Assembleia da República ou de câmaras municipais. Está em causa o alcance da proporcionalidade na conversão de votos em mandatos na eleição da Assembleia da República (que também pode ser afectada por alterações da legislação ordinária). Está em causa também a eleição directa e proporcional das câmaras municipais. Os acordos bilaterais entre o PS e PSD visam designadamente criar o maior número possível de dificuldades à regionalização, inviabilizar um referendo sobre a aplicação do Tratado de Maastricht e degradar a democraticidade do sistema político. Não é preciso que se verifique um acordo solene e formal entre o PS e PSD, como o que esteve na base da revisão constitucional de 1989, para que este acordo exista. O interesse do PS, em particular, será o de garantir um acordo secreto de bastidores e, simultaneamente, que ele não seja conhecido dos portugueses. Ao mesmo tempo, o PSD pode tentar instrumentalizar o acordo em torno de normas constitucionais como moeda de troca num acordo mais vasto, compreendendo igualmente outras matérias.

Os trabalhos da Comissão Eventual de Revisão Constitucional confirmaram que existem motivos de preocupação. É o caso da convergência do PS e do PSD no sentido de criar dificuldades à regionalização e inviabilizar o referendo acerca da aplicação do Tratado de Maastricht, ao mesmo tempo que se podem desenhar outros acordos prejudiciais para a democracia, em especial em matéria de sistema de eleição da Assembleia da República e das câmaras municipais. Trata-se, agora, de impedir a possibilidade de o povo português se pronunciar designadamente acerca da terceira fase da União Económica e Monetária, incluindo sobre a moeda única e os sacrifícios que implica o cumprimento dos critérios de convergência, com preterição do emprego, do crescimento económico e da satisfação de necessidades do povo português. Significativamente, os partidos que impediram agora a criação da possibilidade de referendar a aplicação do Tratado são os mesmos que impediram anteriormente que o referendo sobre o Tratado de Maastricht se realizasse. É também inaceitável o facto de o PS e o PSD não terem permitido referendar em caso algum tratados ou convenções internacionais, mas apenas «questões de relevante interesse nacional» neles incluídos, o que permitirá seleccionar - eventualmente de forma arbitrária - as questões que mais convenham ao poder político.

Tendo em conta os diversos projectos de revisão constitucional que pretendem eliminar direitos e distorcer o sistema de eleição de órgãos de poder e a perspectiva de prosseguimento da revisão constitucional sobre outras matérias, o PCP considera que os trabalhadores e as suas organizações e todos os democratas se devem empenhar no sentido de que possam ser evitados, através da mobilização popular, prejuízos para a democracia e os direitos fundamentais, em particular para os direitos sociais. Como resulta do seu projecto de revisão constitucional, na opinião do PCP a revisão da lei fundamental, a fazer-se, deve fortalecer os direitos fundamentais, em especial dos trabalhadores e os direitos económicos, sociais e culturais e a democracia e não enfraquecê-los.

Em matéria de regionalização o PS defendeu a instituição das regiões no seu Programa de Eleitoral e no Programa de Governo, e anunciou eleições regionais em 1997. Estes objectivos corresponderiam ao cumprimento da Constituição e às posições e luta do PCP, embora com diferenças de posições em aspectos importantes. Entretanto, no quadro da revisão constitucional o PS estabeleceu um acordo com o PSD e PP que cria dificuldades à regionalização, cedendo à pressão feita pela direita, após a aprovação dos projectos de lei do PCP e do PS em 2 de Maio de 1996. Com efeito, a revisão constitucional irá manter a regionalização como constitucionalmente obrigatória, mas vai fazer depender a «instituição em concreto» de um referendo nacional e de um referendo regional, o que coloca algumas questões fundamentais. É incontestável que o PS, depois de ter jurado que nunca o faria, fez depender o cumprimento de normas da Constituição de referendo, o que é grave em si e é grave como precedente que corresponde a antigas reivindicações da direita, renovadas na presente revisão constitucional. Esta posição contrasta com o impedimento, uma vez mais, do referendo acerca do Tratado de Maastricht. Em segundo lugar, o carácter vinculativo do referendo ficará eventualmente dependente do valor da abstenção que, em sucessivas eleições, aparenta valores superiores aos reais, devido a uma significativa desactualização dos cadernos eleitorais. Importa ainda sublinhar que, obrigando a aplicação destas normas à realização de um referendo nacional e de referendos regionais sobre as regiões administrativas à aprovação de uma lei ordinária que o regulamente, o PS não garantiu uma maioria para a sua aprovação.

O PCP sublinha, entretanto, que enquanto este processo decorria na Assembleia da República prosseguiu o debate público sobre a regionalização. Neste quadro, as assembleias municipais e outros órgãos autárquicos pronunciaram-se em massa a favor das regiões, sobre as suas áreas e sobre outras matérias relacionadas. Por isso, é justo afirmar que este procedimento do PS, em coincidência com os partidos de direita, contraria a generalidade das posições que se têm vindo a manifestar pelos municípios, que sentem pesadamente os inconvenientes do centralismo e da burocracia na sua actividade e reclamam generalizadamente, agora como há muito, a instituição das regiões administrativas.

O processo da regionalização democrática do Continente, tal como o PCP o propõe, pode contribuir para corrigir as desigualdades de desenvolvimento do País, reforçar a descentralização e a democracia, contribuir para uma reforma administrativa democrática e para a autonomia municipal, ameaçada pelas ingerências das Comissões de Coordenação Regional. A regionalização nestes termos não implica um acréscimo significativo de despesas públicas nem ameaça os poderes dos municípios.

Os projectos de lei do PCP correspondem a propostas de um processo de regionalização participado, «de baixo para cima», com uma equilibrada definição de atribuições e competências e regras de financiamento claras.

O PCP prosseguirá o combate para garantir a regionalização, tal como a Constituição a prevê, no interesse da democracia, das populações e do desenvolvimento.

A política de defesa ficou marcada nos últimos anos por um prolongado processo de transformações nas Forças Armadas portuguesas conduzido pelo governo PSD (que teve o apoio do PS nos seus aspectos mais negativos e fundamentais e que o actual Governo pretende prosseguir). Esta orientação, ignorando a missão principal das Forças Armadas na defesa do território nacional contra qualquer ameaça externa, tem como objectivos centrais a adequação aos novos conceitos estratégicos e doutrinais da NATO e a integração das nossas Forças Armadas em forças multinacionais de intervenção no quadro da NATO e da UEO, simultaneamente na qualidade de braço armado da União Europeia e pilar europeu da NATO. Para a obtenção desses objectivos e sob a capa da reestruturação e redimensionamento, cuja necessidade não estava em causa, o PSD alterou os principais pilares legislativos enquadradores da instituição militar, à revelia da Constituição e sem um debate aberto com os principais interessados e a sociedade em geral. O PSD implementou uma política que aprofundou o nível da integração e dependência externa, condicionando em elevado grau a soberania de Portugal na área da defesa nacional. Executou uma política que esvaziou e na prática pôs em causa o Serviço Militar Obrigatório, subvertendo a natureza e o modelo de Forças Armadas consagrado na Constituição, bem como uma política de governamentalização da instituição.

Decorrido um ano de Governo do Partido Socialista, o que marca estruturalmente a sua política na área da defesa é a viabilização constitucional da existência de Forças Armadas totalmente profissionalizadas e a prossecução das opções do PSD em matéria da política externa - NATO, UEO, PESC - preconizando o reforço do empenhamento e participação de Portugal em missões internacionais no quadro de objectivos alheios aos reais interesses do nosso País, à paz e cooperação - caso do envio de militares portugueses para a Bósnia.

Neste quadro é particularmente grave que o Governo PS não tenha ainda promovido um debate nacional sobre a redefinição do Conceito Estratégico de Defesa Nacional, de modo a proceder ao necessário ajustamento do sistema de forças, do dispositivo e a garantir os meios financeiros necessários à sua implementação.

Nos últimos anos, de forma mais ou menos notória, registaram-se profundas alterações no universo dos militares. Assistimos à diminuição para níveis relativamente insignificantes de militares em prestação de serviço militar obrigatório, bem como ao aumento do número de militares nos regimes de voluntariado ou de contrato; existe um número crescente de militares do sexo feminino, com influências globalmente positivas; verifica-se um crescente nível de habilitações dos militares e as respostas que coloca ao nível das perspectivas de carreira, cargos e funções, especialização técnicoprofissional, valorização social e material; verifica-se o conhecimento e a crescente consciência dos direitos e uso dos mesmos bem como a recusa da prepotência e do autoritarismo e a apetência crescente no que toca ao alargamento dos direitos de cidadania, ainda inusitadamente restringidos, etc..

A política do PSD, entrando em choque com direitos e expectativas dos militares, ferindo nalguns casos a imagem pública das Forças Armadas e consequentemente a dignidade daqueles que nelas servem, gerou diversos movimentos associativos de diferente natureza, bem como a activação de mecanismos legais e constitucionais de defesa dos seus direitos, dignidade e dignificação profissional.

Neste processo realça-se a acção e iniciativa das estruturas associativas militares, a Associação Nacional de Sargentos, a Associação dos Oficiais das Forças Armadas e a Associação dos Militares na Reserva e Reforma (ANS, AOFA, ASMIR) com a promoção de debates e colóquios sobre variadas matérias, com a apresentação de estudos e propostas junto da Assembleia da República, Provedoria de Justiça e outros órgãos do Poder.

O amplo, diversificado e persistente trabalho desenvolvido pelas estruturas associativas de militares tornou o associativismo militar de carácter socioprofissional numa realidade incontornável nos anos que correm.

O PCP propõe uma política alternativa consubstanciada nos seguintes princípios fundamentais: defesa do princípio constitucional da afectação prioritária das Forças Armadas a missões de defesa nacional; promoção de um amplo debate nacional sobre os conceitos fundamentais na área da defesa nacional e aprovação de uma nova Lei de Programação Militar que defina os investimentos em equipamento militar com base em critérios e prioridades que visem o interesse nacional; elaboração de doutrina militar própria, norteada pelo patriotismo, a defesa da independência nacional, o respeito da Constituição e a defesa da paz; aprovação de medidas valorizadoras nos aspectos social, material e profissional da condição militar; dignificação e valorização da prestação do Serviço Militar Obrigatório e manutenção do actual conceito na Constituição; eliminação à restrição injustificada de direitos de militares e consagração do associativismo militar com carácter socioprofissional e aprovação de regras definidoras de um relacionamento institucionalmente digno; oposição à criação e participação portuguesa em qualquer bloco político-militar europeu ou em qualquer processo visando tal objectivo, bem como em projectos de integração em forças multinacionais de intervenção; prosseguimento da defesa da dissolução da NATO; o reforço da Organização de Segurança e Cooperação Europeia, de acordo com as orientações da Acta de Helsínquia.

A política de justiça ficou marcada pela tentativa de governamentalizar o sistema judiciário e pelo agravamento do fosso entre os cidadãos e a justiça, criando dificuldades de participação e acesso e de defesa dos direitos individuais e colectivos nos tribunais. O carácter caro e lento do seu funcionamento, com a falta de informação sistemática sobre os direitos dos cidadãos e com a inexistência de mecanismos de acesso ao direito e à justiça, é um traço indiscutível do sistema de justiça. A orientação do Ministério da Justiça caracterizou-se por uma notória falta de capacidade de diálogo, arrogância e confronto, o que se traduziu em instabilidade e atentados à independência do poder judicial e tribunais. A total degradação do sistema prisional e da política de reinserção social é um outro traço de uma orientação que, sistematicamente, tentou substituir as medidas e os investimentos pela demagogia.

Apesar das declarações e da proclamação das intenções de diálogo, o Governo do PS não enfrentou nem corrigiu os problemas essenciais da justiça que continuam, no essencial, a verificar-se.

Em contraste com esta política o PCP propõe: aproximar a justiça das populações, garantindo a participação efectiva dos cidadãos (juízes sociais, direito de acção popular e outros, pôr termo à onerosidade da justiça e criação de um sistema efectivo de acesso ao direito e aos tribunais; reforço da independência dos tribunais e modernização das condições da administração da justiça (parque judiciário, informatização, meios técnicos e humanos); simplificação e desburocratização do processo judicial; reformulação do direito penitenciário, com garantia dos direitos fundamentais dos reclusos, prestação de cuidados de saúde, prevenção da toxicodependência, SIDA e Hepatite B, e efectiva política de reinserção social.

A política de segurança caracterizou-se pela ineficácia e pelo crescimento da inquietação dos cidadãos. Os traços mais marcantes desta política de administração interna são o aumento da violência policial e das acções de repressão e de intimidação sobre os trabalhadores e outras camadas da população e o aumento dos índices de criminalidade e delinquência responsáveis pelo elevado clima de insegurança das populações. Da responsabilidade do governo PSD são também as medidas de reforço e centralização das forças de segurança (as super-esquadras), a multiplicação dos seus aparelhos de repressão (corpos especiais de intervenção), a diminuição do patrulhamento e afastamento das populações (fecho de esquadras), a comprovada infiltração impune em movimentos de opinião, sindicatos, etc., por agentes do SIS e outros ao serviço do Governo, a integração crescente no quadro das policias europeias (Europol) e das políticas de segurança xenófobas. São, por outro lado, a diminuição da vertente civilista das forças de segurança, a fuga ao diálogo com dirigentes associativos e a sua perseguição (processos disciplinares) e tentativas da divisão, a recusa do sindicalismo nas forças policiais (à revelia da tendência europeia).

Os profissionais das Forças de Segurança, através das suas estruturas associativas representativas, nomeadamente APG/GNR e ASPP/PSP, têm intervindo permanentemente, no sentido de garantir estabilidade e justa progressão nas carreiras, formação técnica adequada, dignificação dos Estatutos e sistemas remuneratórios, horários de trabalho equilibrados e folgas compensadoras do desgaste profissional, desmilitarização e judicialização, direito ao associativismo representativo e, no caso da PSP, à criação do Sindicato.

Do balanço da acção governativa do Partido Socialista no seu primeiro ano de Governo ressalta, no essencial, a ausência de mudanças de fundo nas opções relativas à política de segurança. Não se verificaram medidas no sentido de privilegiar os factores e as medidas de prevenção e de proximidade das populações, bem como relativas à natureza das forças de segurança, com vista à sua progressiva desmilitarização e ao reforço da sua vertente civilista. Sem embargo dos aspectos positivos que teria a proclamação de uma nova atitude de diálogo e abertura, persistem indecisões, omissões e atrasos graves no que toca a medidas concretas que ponham cobro à impunidade e irresponsabilidade nos casos da intolerável violência policial, julgando com severidade e prontidão exemplar os crimes cometidos por agentes de forças de segurança. Faltam igualmente outras medidas que possam contribuir para uma democratização nas forças de segurança.

Em matéria de segurança e tranquilidade pública, o PCP propõe: o combate ao crime, sobretudo o combate às suas causas, às desigualdades e injustiças, o que passa pelo êxito na luta por nova política de desenvolvimento económico, social e cultural harmonioso e integrado; uma política de segurança que garanta e defenda a legalidade democrática e os direitos dos cidadãos, prevenindo e reprimindo o crime, proibindo actuações ilegais e antidemocráticas dos Serviços de Informação, garantindo a fiscalização efectiva e democrática da sua actividade e pondo termo às acções repressivas sobre os legítimos protestos populares; uma política de segurança com uma forte componente preventiva, que aproxime a polícia dos cidadãos e renove a confiança das populações nas forças de segurança; alterar radicalmente o caminho seguido na reestruturação das forças de segurança, designadamente abrindo novas esquadras e reabrindo as velhas esquadras e postos onde necessário e melhorar o policiamento preventivo, restringir ao mínimo os efectivos dos corpos especiais de reserva, em benefício do patrulhamento urbano, reorganizar e optimizar as capacidades de resposta das forças de segurança, com base na definição do seu carácter civilista e judicializado; uma política de segurança que dinamize a intervenção das populações, das comunidades e das autarquias na discussão dos problemas de segurança e viabilize a sua participação através dos Conselhos Municipais de Segurança dos Cidadãos em todos os municípios do País, que dote as forças policiais com meios humanos e materiais suficientes e com formação técnicoprofissional adequada e humanizada e que promova a melhoria das condições de vida e de trabalho dos profissionais das forças de segurança e respeite os seus direitos de cidadania, designadamente o reconhecimento do direito de associação socioprofissional para a GNR e de associação sindical para a PSP.

A reestruturação democrática do Estado e o aprofundamento da democracia que o PCP defende (ao contrário da «reforma do sistema político» que o PS, PSD e PP preconizam) constituem fins em si mesmos e, simultaneamente, um instrumento para concretizar direitos, liberdade e garantias dos cidadãos e para realizar eficaz e eficientemente outras políticas, designadamente as que têm influência na concretização dos direitos económicos, sociais e culturais.

Impõe-se tornar a democracia representativa mais genuína e defender a representação proporcional na conversão de votos em mandatos.

Ao nível dos órgãos de soberania, impõe-se realizar plenamente o princípio da separação e da interdependência. Importa igualmente reforçar os poderes e o papel legislativo e fiscalizador da Assembleia da República, bem como reforçar e melhorar o estatuto da oposição. As funções de outros órgãos de fiscalização devem ser reforçadas e o seu estatuto de pluralismo e independência plenamente assegurado.

Ao nível da Administração Pública impõe-se assegurar um plano de modernização, desburocratização, descentralização e desconcentração com carácter sistemático, dignificar a função pública e assegurar o fortalecimento e respeito dos direitos dos seus utentes.

Nesse quadro, é necessário fortalecer o Poder Local do ponto de vista financeiro e das suas competências. Impõe-se igualmente criar as regiões administrativas, nos termos que a actual Constituição estabelece, como importante factor de descentralização e democratização administrativa e de desenvolvimento.

Assim se romperá com uma política centralista, autoritária, de asfixia financeira das autarquias e de criação de múltiplas dificuldades burocráticas no seu funcionamento, bem como de fortalecimento das Comissões de Coordenação Regional e da administração periférica, para impedir a criação das regiões administrativas.

A reestruturação democrática do Estado nas áreas que asseguram as principais funções sociais - a saúde, a educação, a segurança social - constitui uma matéria da maior importância. Trata-se de concretizar novos modelos de organização e de gestão democrática desses serviços, que dêem boa resposta aos interesses das populações nas condições de crescente complexidade funcional e territorial das suas estruturas, que desenvolvam processos dinâmicos de auto-regulação democrática e desenvolvam uma participação mais activa e responsável, e por isso estimulante, dos seus profissionais.

Impõe-se dignificar o serviço público como meio privilegiado de assegurar a concretização dos direitos económicos, sociais e culturais dos cidadãos, invertendo o processo de desmantelamento ou privatização sistemática dos serviços públicos, sobretudo dos que podem dar lucro, ainda que à custa da penalização dos utentes. Em consonância, é preciso dignificar a função pública e os seus trabalhadores, garantindo melhores condições de remuneração, motivação e estabilidade.

Por outro lado, a democracia participativa tem que estar presente como um dos critérios essenciais de estruturação e reforma democrática do Estado. Daqui decorre, designadamente, a necessidade de audição sistemática dos interessados no procedimento administrativo, a consagração do direito da iniciativa legislativa das populações, a criação ou revitalização de estruturas de participação, em particular dos trabalhadores e suas organizações. Impõe-se, por outro lado, democratizar a intervenção dos trabalhadores e outras entidades no procedimento legislativo, fazendo com que as consultas deixem de ser uma mera formalidade para serem objecto de real atenção.



5. Evolução da política cultural


Ao longo de todo o período que se seguiu ao XIV Congresso, a cultura continuou a ser, em termos orçamentais e na ordem das prioridades políticas, o parente mais pobre entre as diferentes áreas de acção governativa, muito longe do papel que o PCP lhe atribui na construção de uma democracia avançada.

Entretanto, ao contrário do que acontece noutras áreas, não se pode dizer, no que a esta respeita, que o Governo do PS está, no fundamental, a continuar a política dos anteriores governos do PSD.

Há que distinguir, então, duas fases neste período: a primeira, correspondente aos derradeiros anos da governação do PSD, marcada por um extremo agravamento de todos os aspectos negativos; a segunda, a do início da governação do PS, onde se verificam medidas pontuais positivas e se anunciam propósitos, em geral, mais ajustados às necessidades, mas onde persistem as hesitações, a lentidão, as acções contraditórias e a escassez de meios.

Os últimos anos da governação do PSD na área da cultura ficaram marcados pela chamada reestruturação da SEC, um verdadeiro terramoto com que se procedeu à liquidação das estruturas fundamentais para a defesa do património e o desenvolvimento cultural e se entregou a gente afecta ao cavaquismo o controlo dos mecanismos do poder e a gestão dos meios para o sector, acentuando, desta forma, o dirigismo e o paternalismo governamentais em relação à política cultural e, ao mesmo tempo, a desresponsabilização do Estado em relação à cultura.

Com esta «reestruturação» agravaram-se as piores orientações dos governos do PSD, que já vinham de trás, nomeadamente a imposição à cultura dos critérios do mercado e do lucro, as práticas censórias e discriminatórias em relação aos criadores e às actividades culturais, a instrumentalização da cultura ao serviço da propaganda do Governo, a promoção de concepções extremas de individualismo e de outros valores alienantes, obscurantistas e reaccionários.

A governação do PS iniciou-se com a criação do Ministério da Cultura e várias medidas pontuais que correspondiam a reivindicações formuladas pelo PCP e a generalidade dos meios democráticos do País - Parque do Vale do Côa, novo papel do IPPAR, maior transparência na atribuição de subsídios, suspensão da lei do Património Subaquático, anulação do essencial da «reestruturação» da SEC. Nessa fase foi adoptada uma postura dialogante por parte dos novos governantes do sector, foram sustidos ou corrigidos alguns dos desmandos da governação cavaquista e substituídos, em vários casos correctamente, os responsáveis por esta nomeados.

Entretanto, a dotação orçamental para a cultura continuou a ter um irrisório aumento, que dificilmente se conforma com a promessa de Guterres de duplicar orçamento para o sector no espaço da legislatura. Não foram publicadas as leis orgânicas do Ministério, não estão definidas as formas de articulação entre os vários institutos dele dependentes, nem se conhecem as orientações para uma efectiva política de descentralização. Não foi, ao contrário do prometido, regulamentada a Lei do Património, nem revista a Lei do Mecenato. Tardam as definições dos incentivos à criação artística e literária e em geral a definição das políticas sectoriais para o teatro, o cinema, a música, a dança ou o livro. Revelam-se tendências para a utilização do Ministério em operações propagandísticas do Governo.

Estes atrasos e inconsequências não podem desligar-se das lutas dos «lobbies» que se verificam dentro do próprio aparelho do PS para esta área.

As pressões das concepções neoliberais dominantes na União Europeia e no próprio Governo não são favoráveis à afirmação da identidade e potencialidades culturais do nosso País, nem à valorização do património e dos criadores nacionais, nem aos valores de uma cultura democrática. Entretanto, o País continua a ser invadido por subprodutos culturais originários dos grandes países imperialistas, e entre nós afincadamente disseminados pelas empresas transnacionais especializadas nesse domínio, com a colaboração dos seus representantes nacionais.

Há, pois, razões para que os comunistas mantenham as maiores reservas quanto ao desenvolvimento futuro da política cultural do Governo do PS, sem prejuízo do seu empenho de sempre de contribuírem para que se concretize uma orientação positiva na área da cultura.

O PCP propõe uma política de cultura que: garanta uma efectiva apropriação social do património cultural e, ao mesmo tempo, apoie a criação e os criadores contemporâneos; fomente o desenvolvimento cultural das populações e a generalização do acesso à recepção e à criação culturais, o crescimento e optimização das estruturas de produção e circulação culturais, e potencie os valores participativos e identitários da cultura popular; promova de forma rigorosa o ensino artístico, e as várias formas de interacção entre o sistema educativo e científico, a cultura artística e o serviço público de comunicação social; promova a projecção internacional da cultura portuguesa no quadro de um efectivo intercâmbio das culturas, de uma activa defesa da diversidade cultural, e do desenvolvimento da apropriação pelos portugueses das grandes realizações de outras culturas.

O PCP defende como imprescindível um aumento da dotação orçamental para a cultura e o seu progressivo crescimento.



6. Evolução da comunicação social


Quanto à comunicação social, acentuou-se a tendência para os grandes órgãos de comunicação constituírem um poderoso instrumento da política de direita, das ofensivas antidemocráticas, da defesa dos interesses do grande capital. Nos últimos anos ocorreram também mudanças profundas no panorama deste sector traduzidas, nomeadamente, na crescente concentração da propriedade dos meios de comunicação social e no seu domínio por grandes grupos económicos cada vez mais associados ao capital estrangeiro; no surgimento das televisões privadas desencadeando modificações e fenómenos, a nível dos conteúdos da programação, com profundas incidências no plano dos gostos e valores, e na banalização da violência; num acesso, que se generaliza, à televisão por cabo e por satélite; na institucionalização das rádios locais; no aparecimento de uma nova linguagem informativa que confunde deliberadamente informação com comentário; na criação de um clube restrito de comentadores e analistas, seleccionados pelas suas afinidades ideológicas e impulsionadores de visões redutoras, e por vezes falseadas, da realidade.

O serviço público de televisão abdicou de um modelo e de uma filosofia de programação e informação próprios e em conflito com o rigor, a objectividade, a isenção e a qualidade, integrou-se na lógica da televisão comercial e da informação-espectáculo, na mera luta pela captação de audiências e de receitas publicitárias.

Simultaneamente, registou-se uma fragilização crescente das condições de exercício do jornalismo, tanto no plano da insegurança de vínculo laboral como no da dificuldade em salvaguardar o respectivo código deontológico e de salvaguardar a democraticidade interna das redacções. Outras profissões inerentes ao universo mediático enfrentam o mesmo tipo de dificuldades éticas e profissionais.

Também a imprensa regional não viu reconhecida a sua importância para a vitalidade do regime democrático e foi inserida em sistemas de apoio do Estado baseados em critérios casuísticos e em relações de compadrio partidário.

Assistiu-se também a uma proliferação de publicações especializadas, com destaque para as que glosam as matérias omnipresentes na programação e a informação televisivas e que valorizam o anedótico, a emotividade e a fulanização, em prol de uma desideologização aparente dos conteúdos e da comercialização das políticas editoriais.

O balanço do primeiro ano de Governo do Partido Socialista faz sobressair uma profunda contradição entre as suas promessas e o que foi realizado.

O PS prometeu levar a cabo um contrato de concessão do serviço público que garantisse a sua independência e um financiamento adequado à natureza desse serviço. Porém, na RTP, tal contrato não garantiu os meios essenciais à definição do seu modelo, nem lhe permitiu revelar ganhos significativos em matéria de pluralismo, enquanto na RDP tal contrato é simplesmente inexistente.

As rádio locais encaram com benévola expectativa a nova Lei da Rádio e a sua próxima integração nos esquemas de apoio do Estado. Mas esse apoio, tal como o que já vinha sendo concedido à imprensa regional, far-se-á por portaria, ao sabor dos critérios aleatórios do Governo.

A discussão da nova Lei de Imprensa não foi iniciada e do novo estatuto jurídico da LUSA não há notícia.

No âmbito da revisão constitucional, o PS propõe a criação de uma nova entidade reguladora do sector com o objectivo expresso de reforçar a imagem de independência desse órgão face ao poder político. No entanto, essa proposta estabelece os mecanismos que asseguram que, no plano partidário, só o PS e o PSD poderão participar na eleição dos seus membros.

Este balanço, necessariamente preocupante porque revelador de uma evolução que se faz ao arrepio dos fundamentos democráticos da nossa sociedade, é demonstrativo de que a comunicação social constitui, simultaneamente, um efeito das políticas globais prosseguidas em matéria de desenvolvimento económico e social do nosso País e um seu instrumento essencial.

O processo de concentração empresarial na comunicação social (e as suas repercussões no pluralismo do sistema comunicacional), bem como o crescente predomínio das razões do mercado sobre as razões da informação isenta e objectiva, constituem matéria de reflexão e intervenção.

O desaparecimento da chamada «imprensa de tendência», surgindo no seu lugar uma imprensa dita «de referência» e proliferando uma outra imprensa dita «popular», introduziu formas de condicionamento da livre escolha do cidadão eleitor que desmentem a apregoada neutralidade e apoliticidade desses media.

Hoje, a imprensa, tomada no seu significado amplo, não se caracteriza, como faz crer, pela ausência de mensagem política ou ideológica, mas pela imposição do «consenso» ditado pelo mais forte; pela construção de uma visão harmónica de uma sociedade sem conflitos estruturais; pelo primado das soluções tecnocráticas que escamoteiam as opções políticas que lhes subjazem; pela difusão de uma ideologia do conformismo, da resignação e do fatalismo.

A sua reivindicada «neutralidade» e «objectividade» actua no plano das mentalidades e dos comportamentos e não está isenta de responsabilidades no aprofundamento dos fenómenos de abrandamento da solidariedade e da participação cívica, de despolitização, no aumento do abstencionismo e na diminuição da militância partidária e sindical.

Alimentando manipulações grosseiras, análises parciais, utilização de sondagens, discriminações e silenciamentos, essa imprensa fez-se porta-voz de ideias, valores, normas, de quadros mentais e de referências, cujos efeitos continuarão a repercutir-se, ao mesmo tempo que impede o debate plural das questões que afectam a construção do nosso futuro.

A atitude que, designadamente nos períodos eleitorais, importantes meios de comunicação social claramente assumiram de ostensivo desrespeito por princípios e regras básicas da legislação eleitoral puseram em evidência perigosas concepções como a de que os meios de comunicação estariam acima das leis do País e a de que, em suma, em nome de alegados «critérios jornalísticos», poderiam constituir-se em donos da democracia e tutores do eleitorado.

A recente evolução da comunicação social em Portugal, apesar dos progressos na qualificação e nas preocupações com as condições do exercício profissional, não tem favorecido o reforço dos valores do Estado democrático e deve ser, portanto, considerada como uma importante questão na nossa intervenção política.



7. Os grandes problemas sociais e nacionais - das suas causas à alternativa


A extensão e a gravidade dos problemas que hoje se manifestam e evidenciam globalmente na sociedade portuguesa, e em muitas das suas áreas e sectores, espelham de forma indisfarçável o fracasso da política de direita na solução dos problemas nacionais, política que tem sido conduzida por sucessivos governos e que o actual Governo do PS, nas suas linhas fundamentais, está a prosseguir.

A essência, natureza e característica essencial dessa política é a da restauração do capitalismo monopolista de Estado, com os seus diversos elementos constitutivos, no que respeita às estruturas socioeconómicas, aos instrumentos de domínio económico, à fusão com o poder político.

E o seu fracasso não é o resultado de quaisquer dificuldades ou ciclos de carácter conjuntural. Ele representa o completo desajustamento das opções de fundo de uma estratégia económica e social de direita em relação às necessidades e potencialidades do País, o seu desrespeito pelo normativo constitucional e a sua incapacidade para enfrentar de forma bem sucedida os complexos desafios com que Portugal está confrontado.

Essa estratégia representa no fundamental a reedição de velhíssimas teses e opções políticas, essas sim bem ajustadas aos interesses da grande burguesia portuguesa, agora no novo quadro da integração europeia e da mundialização das economias: a concepção dos grupos monopolistas como células a partir das quais se deve estruturar e articular todo o tecido e o funcionamento económicos; a reforçada ligação entre o poder político e o grande capital, observável no papel do Estado na acumulação acelerada do capital e na reconstrução e dinamização dos principais grupos económicos; a atribuição de um lugar estratégico ao investimento estrangeiro mesmo quando este se confina, como tem sido frequentemente o caso, a actividades especulativas e à intermediação e quando envereda pela deslocalização de actividades em busca de lucros rápidos; a aposta num crescimento económico centrado fundamentalmente numa dinâmica exportadora, assente em produções com reduzido valor acrescentado e no baixo nível dos salários, da qualificação e da protecção social dos trabalhadores; a tentativa de vender a posição geo-estratégica de Portugal como elo e plataforma de interesses estratégicos dos grupos transnacionais.

Essa estratégia antes assumida pelos governos do PSD e agora prosseguida pelo governo do PS é a responsável pelo aprofundamento do carácter periférico e dependente da sociedade portuguesa, com a brutal fragilização do tecido produtivo nacional e a acentuação de um perfil de especialização produtiva pouco valorizado, a inserção subalterna na divisão internacional do trabalho e o agravamento das assimetrias regionais.

A integração de Portugal na Comunidade Económica Europeia, com os desenvolvimentos e aprofundamentos decorrentes do Acto Único e do Tratado da União Europeia de Maastricht, com a atribuição ao País de vultuosos fundos comunitários e a sua apropriação em parte significativa pelo grande capital tem favorecido os processos de concentração capitalista e funcionado simultaneamente, como argumento, suporte e objectivo de tal modelo.

Perdida a ilusão de que a integração comunitária iria automaticamente conduzir Portugal a níveis de vida europeus, ruída a confiança na panaceia dos milhões da CEE e na benemerência do investimento estrangeiro, desfeitas as promessas de mudança do cavaquismo e crescentemente goradas as expectativas abertas pelo governo do PS, confrontados com o desemprego, a exclusão social, a insegurança e a recessão económica, os portugueses e a sociedade portuguesa enfrentam complexos e contraditórios sentimentos de desânimo, de impotência e desespero, mas também de descontentamento e protesto e, sobretudo, a incontornável necessidade de lutar por uma vida melhor, por um Portugal mais seguro, mais igualitário, mais democrático e a assunção da correspondente exigência de um outro e novo rumo político.

Face à situação extremamente desfavorável a que a política de direita conduziu o País, quer no plano interno quer no plano externo, é necessário e urgente afirmar o papel essencial e decisivo que uma nova política, uma política nacional e de esquerda, é chamada a desempenhar. E as potencialidades e possibilidades que existem para a sua concretização, tendo como base a participação activa e impulsionadora dos trabalhadores e de todas as classes e camadas da sociedade interessadas no progresso e independência de Portugal.

Essa afirmação começa pela importância de um posicionamento político que, no quadro objectivo de crescentes interdependências e de persistentes relações de dominação, procura enfrentar os constrangimentos desfavoráveis e alargar as margens de manobra do País. Significa, depois, o empenhamento num processo de desenvolvimento que defenda os interesses dos trabalhadores e de outras camadas laboriosas, objectivo em si e condição para o indispensável dinamismo e mobilização social e política da sociedade portuguesa.

Portugal pode alargar o seu espaço de manobra no quadro comunitário por uma posição de firmeza e permanente negociação, de atempada e conveniente definição das estratégias adequadas aos interesses nacionais e não pela conhecida e subserviente posição de aluno bem comportado, com total abdicação da invocação dos interesses do País, inclusive do interesse vital. Por uma visão de longo prazo na abordagem dos problemas nacionais, e não por uma posição de vendilhão que troca tudo por umas remessas imediatas de ecus. Pela busca de convergências com outros países que enfrentam problemas semelhantes aos de Portugal. E pela acção comum ou convergente com os outros povos da Europa, e com todos quantos, na Europa, lutam por uma construção europeia ao serviço dos povos e não do grande capital.

A sociedade portuguesa dispõe de condições e potencialidades para a solução dos grandes problemas nacionais. O País tem recursos naturais e humanos que lhe permitem acreditar num futuro diferente e melhor. Uma experiência humana e histórica de séculos, o que lhe dá uma coesão nacional ímpar na Europa. Uma cultura própria e uma reconhecida adaptabilidade do povo português às alterações de condições. Uma juventude disponível e numerosa. Uma mão-de-obra com uma qualificação de saber feito no trabalho, pesem embora as insuficiências do nível escolar da população portuguesa e da formação profissional e as deficiências, selectividade e discriminação que continuam a caracterizar um sistema escolar injusto. Milhares de trabalhadores com a dura experiência da emigração, mas também com a capacidade de trabalho, saber adquirido e inteligência que podem garantir uma mais valiosa participação na economia nacional. Potencialidades cujo aproveitamento equilibrado permitirá contribuir para o crescimento da produção nacional e a alteração para um perfil produtivo mais valorizado. Uma localização geográfica que aliada aos laços que a história construiu pode potenciar, com vantagens mútuas, processos de cooperação e intercâmbio.

É possível a materialização de outro projecto, de um projecto de esquerda para a sociedade portuguesa, que assegure a mobilização social e política dos portugueses e que neste limiar do século XXI aprofunde a democracia em todas as suas dimensões - política, económica, social e cultural. É possível uma sociedade mobilizada e confiante com valores e referências civilizacionais e não com o vazio cultural e o estilhaçar social que a política de direita produz. Uma sociedade em que os cidadãos não sofram o temor do desemprego, da precariedade do trabalho, da crescente insegurança e exclusão social, antes encarem o presente e o futuro com confiança nas capacidades próprias e da colectividade, assentes nas potencialidades do desenvolvimento económico e social, com trabalho para todos. Onde o livre desenvolvimento individual se concilie com elevados níveis de satisfação e solidariedade colectivas.

No seu Programa o PCP propõe ao povo português a construção de uma democracia avançada cujas cinco componentes ou objectivos fundamentais são:

1. Um regime de liberdade no qual o povo decide do seu destino e um Estado democrático, representativo, participado e moderno;

2. um desenvolvimento económico assente numa economia mista, moderna e dinâmica, ao serviço do povo e do País;

3. uma política social que garanta a melhoria das condições e vida do povo;

4. uma política cultural que assegure o acesso à livre criação e fruição culturais;

5. uma pátria independente e soberana com uma política de paz, amizade e cooperação com todos os povos.

É no quadro desses objectivos fundamentais de luta que o PCP tem particularizado um conjunto de linhas para uma nova política, para uma política de esquerda, que permitam enfrentar com sucesso os principais problemas e desafios imediatos com que Portugal e os portugueses estão confrontados. São elas: desenvolver a economia, travar os processos destrutivos, e promover o emprego; melhorar as condições sociais e o ambiente, como objectivos e factores de desenvolvimento; promover a educação, a ciência e a cultura; assegurar a liberdade, concretizar uma reforma democrática do Estado e aprofundar a democracia; lutar por um Portugal de progresso e justiça, aberto ao Mundo, e por um novo rumo na integração europeia. E que o PCP tem sublinhado a importância da constituição de um governo democrático que realize tal política.