XV CONGRESSO DO PCP
Um partido mais forte
Novo rumo para Portugal

Resolução Política


 

Situação Internacional

Capitalismo na actualidade
Resistência e luta dos trabalhadores e dos povos
A alternativa

 


 

 

Num mundo em que as relações económicas e sociais e as suas contradições ganharam novas formas e novas dimensões, a situação internacional caracteriza-se por um quadro de grande instabilidade e incerteza, marcado pela mudança da correlação de forças resultante do desaparecimento da URSS e do socialismo como sistema mundial e pela ofensiva do imperialismo (liderada pelos Estados Unidos) para restabelecer o seu domínio planetário e impor uma «nova ordem mundial».

O trabalho humano, os avanços científicos e tecnológicos e as grandes conquistas sociais alcançadas no decorrer do século XX (em medida decisiva pelo impulso da luta pelo progresso social e das realizações do socialismo) permitiram um desenvolvimento económico sem precedentes e o acesso de amplas massas a padrões de vida anteriormente desconhecidos. Mas o desenvolvimento do capitalismo neste findar de século está a conduzir a manifestas regressões de carácter social, democrático e cultural que confrontam a humanidade com o perigo de graves retrocessos civilizacionais. Um tal rumo não é porém inevitável.

A resistência e luta dos trabalhadores e dos povos, que se acentua no contexto de uma intensa luta de classes, assumindo formas e reivindicações muito diversificadas, constitui o elemento fundamental para romper caminho à necessária reestruturação progressista da sociedade humana.

A alternativa necessária é a superação revolucionária do capitalismo e, nesse sentido, a intervenção organizada dos comunistas, com os trabalhadores e as massas, mantém o seu papel insubstituível. O socialismo, renovado e enriquecido no seu projecto e soluções pelos ensinamentos extraídos da vastíssima experiência hoje disponível, coloca-se, com reforçada actualidade, como exigência e horizonte da nossa época.



1. Capitalismo na actualidade

A identificação dos traços e características actuais do sistema mundial do capitalismo reveste-se da maior importância para a definição das tarefas que hoje se colocam aos comunistas e a outras forças revolucionárias e progressistas.

Ainda há poucos anos, os ideólogos do imperialismo proclamavam, com a pretensa «morte do comunismo», o triunfo definitivo e universal do capitalismo. É certo que, com o desaparecimento da URSS e do socialismo no Leste da Europa, se abriram novos espaços à expansão do capitalismo. Mas esse facto não resolveu, nem podia resolver, as contradições que o minam. Hoje, não obstante os imensos recursos de que dispõe e a capacidade de recuperação que tem revelado, é patente o agravamento das contradições intrínsecas ao sistema capitalista que evidenciam os seus limites históricos.

A evolução e transformações económicas do capitalismo desde há cerca de duas décadas apresenta alguns traços e características que importa relevar.

A aplicação crescente das novas tecnologias resultantes dos avanços da ciência e da técnica têm permitido, o desenvolvimento das forças produtivas, embora de forma irregular, não generalizada e com consequências contraditórias. Todavia, cada vez mais avulta que as enormes potencialidades abertas com a revolução cientifico-técnica para desenvolver as forças produtivas estão a ser distorcidas e travadas pela lógica das relações de produção capitalista e a sua busca do máximo lucro. A principal força produtiva, os trabalhadores, vem sendo em largas camadas desvalorizada, marginalizada e mesmo destruída. E em vez da possível e necessária aceleração do crescimento do produto, as taxas de crescimento, particularmente nas áreas do capitalismo desenvolvido, mas não só, estagnam ou reduzem-se. Ao mesmo tempo aprofunda-se ainda mais a polarização entre a riqueza e a miséria, tanto à escala mundial como dentro de cada país capitalista. E a Natureza continua a sofrer gravíssimos atentados, fazendo perigar essa condição essencial da vida e do futuro da Humanidade.

A aplicação capitalista das novas tecnologias, permitindo uma imensa acumulação de capital, tem todavia como contrapartida, particularmente nas últimas duas décadas, um aumento em flecha da parte do capital constante relativamente ao capital variável, fonte da criação da mais-valia. Daí decorre o agravamento da tendência para a baixa da taxa de lucro na actividade produtiva e fenómenos de sobre-acumulação de capital. Na busca de mais elevadas taxas de lucro, o capital desloca-se, particularmente nas indústrias de mais baixa tecnologia, para as zonas e países onde a força de trabalho é mais barata e mais desprovida de direitos sociais.

As exigências da investigação, do desenvolvimento e aplicação das novas tecnologias requerem enormes volumes de recursos, o que, com a acrescida concorrência, tem estimulado ainda mais a concentração e centralização do capital, traduzida em especial por uma vaga crescente de aquisições, fusões e megafusões de empresas. Destruindo rivais, absorvendo ou tornando dependentes outras empresas, reestruturando grandes espaços económicos e sociais, criam-se gigantescos grupos que agem a nível mundial. Ramos inteiros da economia do planeta são dominados por reduzidos grupos de grandes empresas, oligopólios que comandam, partilham e disputam entre si os mercados. Escassas centenas das maiores empresas transnacionais (ETN) lutam para subordinar aos seus interesses o poder e as políticas dos Estados, das estruturas supranacionais regionais em que se integram e das instituições internacionais (FMI, BM, OMC, OCDE e outras).

A crescente internacionalização dos processos produtivos e de toda a actividade económica é causa e consequência da colossal dimensão dessas ETN, das suas exigências de rentabilizar o enorme volume de capital que concentram e de aproveitar, segundo as suas próprias necessidades e interesses, as possibilidades abertas pelas novas tecnologias. O investimento estrangeiro, nas suas várias modalidades, mais que o incremento das trocas comerciais por ele induzido, é o motor essencial da mundialização crescente da vida económica. Essa mundialização adquire uma dimensão global na esfera financeira, com a actual circulação praticamente sem entraves do capital transnacional, especialmente do especulativo, processo facilitado pelos desenvolvimentos da informática e das telecomunicações. A crescente mundialização e mobilidade do capital exige e provoca uma crescente precarização dos estatutos laborais, tanto nos países capitalistas desenvolvidos como nos países dependentes.

As alianças de vário tipo entre grandes ETN não anulam a concorrência entre si, antes são também expressão e instrumento duma brutal guerra económica pelo domínio dos recursos naturais, das tecnologias e dos mercados. Os processos de integração regional, com características e graus diferentes, são comandados pelas respectivas ETN nos três pólos imperialistas mundiais (Tríade): América do Norte, Europa Ocidental, Ásia Oriental, onde assumem papel decisivo, respectivamente, os EUA, a Alemanha e o Japão. Além da concorrência dentro de cada espaço de integração, desenvolve-se intensa concorrência entre os vários pólos daquela Tríade. O papel dominante dos EUA à escala mundial continua em diminuição no plano económico, o que leva a principal potência imperialista a socorrer-se cada vez mais do seu poderio extra-económico (diplomático, militar, ideológico, etc.) para tentar manter e impor a sua hegemonia. A luta por «zonas de influência» entre as várias potências imperialistas acentua-se, assim como a luta pela tomada de posições no interior dos países imperialistas rivais.

O chamado Terceiro Mundo, na sua heterogeneidade, continua globalmente com um nível de desenvolvimento das suas forças produtivas muito inferior ao das zonas do chamado capitalismo desenvolvido e a este subordinado pela teia de relações neocolonialistas. Com excepção de algumas zonas e países, aprofunda-se intoleravelmente o fosso entre o Norte e o Sul. Verifica-se todavia uma crescente diferenciação. Há países e zonas com um rápido crescimento económico, nomeadamente os chamados «novos países industrializados», que se encontram praticamente integrados, embora ainda numa situação de dependência, no modo de produção capitalista, e onde se verificam igualmente incipientes processos de integração regional. Há extensas e populosas zonas e países onde o processo de ampliação do modo de produção capitalista continua a coexistir com fortes situações pré ou para-capitalistas. Outros países e mesmo continentes quase inteiros, como a África subsaariana, são crescentemente marginalizados do desenvolvimento económico e social. A imposição de planos de «ajustamento estrutural», a sobre-exploração da mão-de-obra, o sistema de trocas desiguais, a continuada e agravada sucção da dívida externa, a rapina dos recursos naturais, continuam a ser um fardo insuportável imposto a estes povos pelas potências imperialistas e as suas ETN, com trágicas consequências sociais.

O carácter predador e poluidor da Natureza do actual desenvolvimento económico, assim como consequências por ele induzidas, atenta gravemente contra os equilíbrios ambientais, os recursos naturais, o Homem e toda a biosfera. Um tal tipo de desenvolvimento é ecologicamente insustentável. A feroz competitividade instalada pelo capitalismo, na busca do máximo lucro, não favorece a utilização das potencialidades da ciência e tecnologia e impede a opção por sistemas de produção e consumo de bens e serviços respeitadores do ambiente, dificulta a intervenção em situações de grave risco (lixos nucleares e tóxicos) e não afasta a possibilidade de catástrofes ecológicas. Outra lógica de organização social e outro tipo de desenvolvimento são hoje urgentes para a preservação da Natureza e o presente e o futuro da Humanidade.

Dada a dificuldade de obtenção de uma taxa de lucro satisfatória no sector produtivo, enormes somas de dinheiro são deslocadas para a esfera improdutiva, aplicadas particularmente em actividades rentistas e especulativas, bolsistas, cambiais, imobiliárias e tráficos ilícitos de vária ordem, como o da droga e do armamento. Esta «financeirização» crescente do capital, sendo um dos traços mais relevantes do capitalismo contemporâneo, exerce por sua vez uma punção contínua sobre a mais-valia criada na esfera produtiva. A colossal massa de dinheiro retido e movimentado nas actividades especulativas não só impede o desenvolvimento necessário e possível da esfera produtiva, mas submete-a aos seus próprios interesses de rentabilidade parasitária. Pelo seu volume desmedido, pela tendência a empolar-se cada vez mais, pelo risco aleatório do seu movimento, esse capital fictício financeiro-especulativo faz pairar sobre a economia dos países e do mundo a instabilidade monetária e o perigo de colapsos bolsistas devastadores.

A vaga de privatizações de grandes empresas e serviços públicos, que varre praticamente todos os países capitalistas, desenvolvidos ou dependentes, é determinada pela busca pelo grande capital financeiro de novas fontes de obtenção de mais-valia, apossando-se privadamente, com a ajuda do poder do Estado e quase sempre por um custo ínfimo relativamente ao seu valor real, de uma enorme massa de riqueza acumulada pela sociedade ao longo de gerações e que escapava relativamente à lógica da rentabilidade capitalista. A função social das empresas e dos serviços públicos, de regulação económica e satisfação das necessidades básicas das populações, fica assim posta em causa.

Acentuou-se ainda mais, tanto no plano nacional como no supranacional, a intervenção estatal ao serviço do grande capital. Encapotando-se sob a falaciosa divisa de «Menos Estado», a onda de privatizações, os cortes nos sectores públicos de interesse social, a imposição das políticas ditas de «flexibilização» da legislação laboral, «liberalização» das trocas, «desregulamentação» da esfera financeira, representam efectivamente o uso do poder do Estado para beneficiar os grandes grupos monopolistas em detrimento das mais largas massas das populações.

Políticas fiscais profundamente injustas reduzem os impostos pagos pelo grande capital e os mais ricos e sobrecarregam os trabalhadores e os mais pobres. Tanto as receitas como as despesas do Estado são colocadas ao serviço de políticas que facilitem a maior acumulação por parte do grande capital, que aliás pratica uma maciça evasão e fraude fiscal com a complacência dos Estados, incluindo pelo uso intensivo dos chamados paraísos fiscais. Múltiplas isenções, reduções e perdões fiscais e outros avultados subsídios, directos e indirectos, tal como a assunção pelo Estado de enormes dívidas de empresas falidas, nomeadamente no domínio financeiro, efectuam uma transferência maciça de recursos para o grande capital, reduzindo assim também a capacidade do Estado para assegurar as suas funções sociais e de regulação económica.

O enorme endividamento público a que tais políticas e práticas conduziram tornou-se hoje uma questão crucial para o são desenvolvimento da vida económica e a satisfação das necessidades sociais, colocando os Estados, incluindo os EUA, o maior devedor mundial, como reféns dos seus credores, os grandes potentados financeiros nacionais e internacionais.

O empolamento da esfera de serviços que, excluindo importantes sectores ligados ou imprescindíveis à produção, cada vez menos servem o desenvolvimento da esfera produtiva e interesses sociais relevantes, tornou-se um encargo excessivo para o capital, que também nela utiliza novas tecnologias economizadoras de mão-de-obra. A esfera de serviços tende por isso a não mais poder funcionar como válvula de escape suficiente para absorver os trabalhadores «excedentários» da esfera produtiva.

Acentua-se a contradição entre as possibilidades oferecidas pelo desenvolvimento científico e técnico e as regressões sociais em curso. A aplicação capitalista das novas tecnologias para aumentar a produtividade e maximizar os lucros tem agravado as condições de vida das massas trabalhadoras. Por um lado, tem feito crescer imparavelmente desde há 20 anos o desemprego, tornado massivo e crónico, verdadeiramente estrutural nos países capitalistas desenvolvidos; por outro lado, tem precarizado cada vez mais o emprego, agravado as condições de trabalho, aumentado a taxa de exploração. Generaliza-se o esforço para forçar a diminuição dos custos do trabalho, directos e indirectos, como forma de rentabilizar o capital. Essa diminuição, para além de resultados relativamente reduzidos dado o peso crescente dos custos não laborais, tem todavia limites objectivos e subjectivos e contraria a premente necessidade de ampliar a procura.

A expansão do modo de produção capitalista nos países ex-socialistas e nos países do chamado Terceiro Mundo faz aumentar a massa dos assalariados sujeitos ao capital. Mas essa expansão tem dimensão reduzida e limites objectivos, não conseguindo anular os graves problemas com que se defronta o capitalismo nos países mais desenvolvidos, dado o peso decisivo destes na economia mundial.

O desemprego adquiriu no mundo capitalista desenvolvido uma dimensão só comparável à da Grande Depressão dos anos trinta. Qualitativamente, ele é porém hoje muito mais grave, porque no quadro do capitalismo actual não está no horizonte nenhum crescimento significativo do investimento gerador de emprego. Actualmente, a aplicação capitalista das novas tecnologias destina-se fundamentalmente a eliminar empregos e aumentar a exploração, opondo-se à diminuição do tempo de trabalho com manutenção ou aumento da sua remuneração.

O desemprego e o subemprego, crescentes e massivos, tal como a baixa relativa e absoluta dos rendimentos de camadas cada vez mais amplas da população e a brutal concentração da riqueza numa escassa oligarquia do capital financeiro, são factores determinantes da ampliação da pauperização e da marginalização social. Estas assumem taxas crescentes inclusivamente nos países capitalistas mais desenvolvidos e atingem, em níveis incapazes de garantir a subsistência humana, mais de um quinto da população do planeta nos países do chamado Terceiro Mundo.

Estes factores, apesar do alargamento do espaço de funcionamento das relações de produção capitalistas, determinam uma relativa contracção do mercado para a realização da mais-valia. Após a longa retoma do crescimento económico nas três primeiras décadas do pós-guerra, em que as crises cíclicas de sobreprodução puderam ser muito atenuadas pela regulação estatal, nos últimos 20 anos verificam-se maiores e novas dificuldades na regulação, com três graves crises em 1974/1976, 1980/1982 e 1990/1993. Nesta última, a fase de depressão foi mais longa e a recuperação mais débil, acumulando-se sinais precursores de nova crise cíclica.

As políticas neoliberais generalizadas nos últimos 20 anos não correspondem a exigências inelutáveis do desenvolvimento económico e social. São sim as políticas do grande capital, especialmente do financeiro, que correspondem aos seus interesses próprios e às dificuldades com que se depara na sua actual fase. Conduzem, não ao progresso social, mas a retrocessos civilizacionais. A orientação antilaboral e antipopular das políticas neoliberais, a regressão social, a degradação da democracia, a deriva cultural obscurantista, o agravamento da militarização, das ingerências e agressividade imperialistas, que decorrem da tentativa de impor uma «nova ordem» do imperialismo neste final do século XX, são incapazes de dar solução aos grandes e graves problemas que a Humanidade enfrenta, agravam as contradições do capitalismo contemporâneo e suscitam o recrudescer da luta dos trabalhadores e dos povos, imprescindível para abrir caminho a uma alternativa progressista.

A evolução económica do capitalismo actual, as oligarquias financeiras e os governos que impõem as suas políticas neoliberais são os responsáveis pela regressão social que nas últimas décadas, apesar da melhoria de vários índices, caracteriza a vida de grande parte da Humanidade, gerando um contraste cada vez mais desumano entre a prosperidade, a opulência, o consumismo esbanjador de uma minoria de privilegiados, que para si mesmos instalam o paraíso na terra, e a degradada situação de centenas de milhões de seres humanos, para quem a terra se tornou um inferno.

Desde logo e decisivamente, aprofundando a polarização entre ricos e pobres.

Nos últimos 30 anos, o quinto da população do planeta que vive nos mais pobres dos países viu a sua parte do rendimento mundial diminuir de 2,3% para 1,4%, enquanto que o quinto que vive nos mais ricos países aumentou a sua parte de 70% para 85%. O fosso, que era de 1/30, passou para 1/61. Os 358 multimilionários mais ricos do mundo possuem hoje uma fortuna que iguala os rendimentos anuais de 45% da população do mundo, cerca de 2300 milhões de pessoas.

É por isso que no mundo dito «em desenvolvimento» mais de 1300 milhões de seres humanos vivem na pobreza, 800 milhões passam fome, 500 milhões sofrem de subalimentação crónica, um terço das crianças lutam por sobreviver à carência alimentar, e a mortalidade infantil é aí ainda 6 vezes maior do que nos países industrializados.

Não é só entre o «Norte» rico e o «Sul» pobre que tais disparidades e chagas se manifestam. Elas verificam-se também dentro de alguns dos maiores países do «Sul», como o Brasil entre outros, onde cliques privilegiadas comparticipam na exploração desenfreada dos seus povos. E verificam-se nos países capitalistas mais desenvolvidos: nos países ricos da OCDE, mais de 100 milhões de pessoas vivem abaixo do limiar da pobreza. Na União Europeia há hoje cerca de 55 milhões de pobres. Na Grã-Bretanha, entre 1979 e 1993, o rendimento real dos pobres caiu quase 20%, enquanto os mais ricos ganharam mais 61%, triplicando o número de mendigos desde o começo da era Thatcher. Nos EUA, o 1% dos mais ricos aumentou o seu património de 1975 para 1990, com as governações de Reagan e Bush, de 20% para 36% da riqueza nacional total.

São os trabalhadores que pelo seu trabalho socialmente produtivo criam riquezas. E é sobre eles que recai directamente a exploração capitalista, insaciável na apropriação privada da nova riqueza criada.

Novas formas de exploração conjugam-se com o recurso às velhas formas: com o regresso em força do trabalho infantil, o alastrar do trabalho ao domicílio, à peça e sazonal, a aceleração dos ritmos de trabalho, o alargamento dos horários laborais, o recurso, em manchas vergonhosas, ao próprio trabalho escravo.

Trabalho e emprego, indissociáveis do direito a uma vida humana e criativa, são intoleravelmente precarizados, assim precarizando a própria existência dos trabalhadores e suas famílias: trabalho sem direitos, empregos sem vínculos laborais, a tempo parcial ou desmedidamente prolongado, com «flexibilidade» e «polivalência» ao sabor das conveniências do capital, com desprezo pelas normas de segurança no trabalho, e com o desmantelamento progressivo dos sistemas de segurança social que ameaça o seu presente e compromete o seu futuro. Proliferam o trabalho clandestino, os empregos desqualificados, as ocupações serviçais.

O desemprego e o subemprego, massivos e crónicos, atingem segundo a OIT mais de 820 milhões de trabalhadores (120 milhões de desempregados totais registados, 700 milhões de trabalhadores a ganharem tão pouco que nem conseguem garantir níveis vitais mínimos). Na União Europeia, os desempregados totais já rondam os 20 milhões. Nos países da OCDE, o desemprego oficialmente registado sobe imparavelmente, de cerca de 10 milhões em 1970, para mais de 35 milhões em 1995.

Os direitos laborais são alvo de constantes atentados e restrições. O direito à greve é coarctado ou mesmo impedido. A organização e a actividade sindicais são perseguidas e dirigentes e activistas sindicais alvo de discriminação, repressão, e até de assassinatos.

Uma prolongada e violenta ofensiva contra os trabalhadores e os seus mais elementares direitos, a compressão do nível salarial real da maioria dos trabalhadores, a desvalorização do trabalho - são uma vertente essencial da política anti-social do neoliberalismo dominante nas últimas décadas.

Direitos sociais fundamentais - à saúde, à habitação, à educação, a uma reforma justa na velhice - são golpeados e sujeitos, com a destruição dos sistemas e serviços públicos, à ganância do lucro privado. Deterioram-se as condições de vida das mulheres, o futuro das crianças é comprometido, jovens, idosos, camponeses, massas de marginalizados, são abandonados à sua sorte.

As condições sanitárias e os serviços de saúde deterioram-se em muitos países, com dramáticas consequências. Mais de 1000 milhões de seres humanos não têm acesso aos cuidados básicos de saúde e à educação, não têm sequer água potável para beber. Cada ano mais de 17 milhões de pessoas, na maioria crianças, morrem de doenças infecciosas e parasitárias, hoje facilmente curáveis - enquanto a indústria farmacêutica, uma das mais rentáveis e poderosas, arrecada lucros fabulosos.

Enquanto a desertificação flagela 200 milhões de pessoas, prossegue a desflorestação nomeadamente para que avance a grande propriedade capitalista nos campos. A migração rural para as cidades cria anarquicamente gigantescas megacidades desprovidas de condições mínimas de vida, crescendo como venenosos cogumelos os bairros da lata, as favelas, os subúrbios clandestinos, verdadeiros ghettos para onde são amontoados os marginalizados do sistema. A falta de habitação minimamente condigna penaliza mais de 1000 milhões de pessoas no mundo - enquanto a especulação imobiliária prospera como um cancro.

As mulheres, que pela sua luta têm conquistado importantes progressos sociais, continuam a sofrer vexames sexistas e a ser massivamente discriminadas em todos os domínios. São elas que suportam um peso desproporcionado das lides domésticas. A prostituição continua a alastrar e o seu tráfico é objecto de imensos lucros para poderosas mafias.

As crianças, particularmente das famílias mais carenciadas, são as mais vulneráveis e indefesas vítimas da pobreza, da fome, da doença, da violência, da nefanda exploração laboral e sexual.

Mais de 500 milhões de deficientes no mundo lutam para sobreviver, contra os obstáculos que se levantam à sua recuperação e à realização das suas capacidades. O narcotráfico, um dos maiores negócios mundiais, continua a aumentar e a vitimar centenas de milhões de seres humanos, gangrenando a sua saúde física e psíquica. Os gastos com o consumo de drogas ultrapassam os rendimentos (PIB) combinados de 80 países ditos «em desenvolvimento».

As despesas militares igualam o rendimento de quase metade da população do mundo.

A criminalidade, que entre meados dos anos 70 e meados dos anos 80 cresceu no mundo a uma taxa de 5% ao ano, instala-se nas mais altas esferas e corrompe todo o corpo social, espalhando a insegurança e o medo nas populações.

A situação de regressão social que hoje flagela grande parte da Humanidade é um trágico libelo acusatório da bárbara lógica que preside ao funcionamento do sistema capitalista contemporâneo.

A regressão democrática, com a degradação da democracia política e os ataques a liberdades fundamentais, constitui uma inquietante expressão da ofensiva exploradora do grande capital.

O sistema capitalista desde muito cedo mostrou a sua incapacidade para responder às aspirações da esmagadora maioria dos cidadãos, desde logo por se fundar na exploração de classe.

Graças à luta dos trabalhadores e dos povos e à influência dos ideais e das realizações do socialismo foi possível, particularmente após a derrota do nazi-fascismo, alcançar importantes avanços no plano social e político, traduzidos num importante património de direitos humanos. Na actualidade, com o desaparecimento do socialismo como sistema mundial, o enfraquecimento das forças progressistas e o desenvolvimento do poder dos monopólios, as forças do capital sentem-se de mãos mais livres para desenvolver e acentuar uma poderosa ofensiva que visa limitar a participação dos povos e dos cidadãos na vida política.

Nos países capitalistas mais desenvolvidos, o aprofundamento da fusão do poder económico do capital financeiro com o poder político acentua o carácter antidemocrático do capitalismo monopolista de Estado. As limitações ao carácter representativo dos organismos eleitos (violações da proporcionalidade, barreiras percentuais, falsificação dos recenseamentos, altos níveis de abstenção, etc.), as políticas antipopulares, a corrupção e a mediatização da vida política (que substitui o debate de ideias pelo espectáculo) afastam os cidadãos da intervenção cívica, transformando-os em espectadores. Enormes taxas de não inscrição nos cadernos de recenseamento e de abstenção eleitoral, como nos EUA, demonstram este afastamento dos cidadãos da vida política. O «multipartidarismo» reduz-se a um sistema partidário que perpetua no poder, em alternância, partidos apenas formalmente diferentes, já que realizam no essencial as mesmas políticas. São artifícios destinados a dificultar a eleição de comunistas e outras forças progressistas e a facilitar a eleição dos que servem ou não se opõem aos intentos do grande capital. Esta tendência é agravada com a degradação dos padrões culturais e a diminuição da capacidade de crítica das populações, a militarização dos Estados com intervenções limitativas das liberdades, a manipulação do quotidiano e das consultas populares. À reacção popular às políticas de direita, as classes dominantes respondem com a centralização do Estado e acentuam o seu carácter autoritário, intervindo no desrespeito da vontade democraticamente expressa quando esta não coincide com os seus interesses vitais. Decisões para o futuro de cada país são transferidas para instâncias supranacionais, não eleitas, que escapam ao controlo popular.

À medida que regride a democracia baseada na participação e no voto populares vão-se consolidando poderes de facto como o de igrejas e seitas religiosas, de maçonarias, de fundações e instituições de financiamento oculto, e de outros grupos de pressão. Também as mafias organizadas, os cartéis de droga, com o peso que hoje têm sobre a economia e a sua ligação às instituições financeiras, constituem já em alguns casos verdadeiros governos paralelos, muitos deles secretos mas reais, em estreita articulação com forças armadas e militarizadas e com os governos, constituídos a partir de eleições mas cada vez mais serventuários e virtuais.

No mundo capitalista, o apelo aos direitos humanos por parte dos seus dirigentes revela- se, cada vez mais, um exercício de hipócrita demagogia, a começar pelos Estados Unidos, onde se registam graves violações de direitos humanos fundamentais.

O sistema capitalista não dá resposta aos problemas sociais, mas acentua a componente coercivo-repressiva do Estado, reforçam-se aparelhos policiais estatais e privados, realizam-se agressões imperialistas, intensifica-se a repressão política às forças progressistas e aos sindicatos, impõem-se mais condicionalismos à liberdade de circulação de pessoas e ao direito de asilo, pratica-se o uso abusivo de meios informáticos, sistemas de escuta e vigilância electrónica, e bases de dados para devassa da vida privada e o controlo do legítimo exercício da cidadania, nomeadamente a participação em organizações sociais e políticas por parte dos serviços secretos.

A crise económica, os processos de expansão das grandes potências e das multinacionais associados à integração económica, as imposições dos preços de matérias-primas e de «ajustamentos estruturais» das economias, o peso das dívidas e a supranacionalidade, têm estado na origem de reacções de afirmação nacional progressistas mas também de visões retrógradas do mundo como é o caso do nacionalismo reaccionário, do racismo e do fundamentalismo que atinge todas as grandes religiões. Alimentado pela política de opressão e exploração imperialista, facilitado pela falência das políticas neoliberais conduzidas pelas burguesias saídas dos processos de libertação nacional e instrumentalizado contra as forças progressistas, em vários países o fundamentalismo islâmico tem aberto o caminho a «guerras santas» e à instauração de estados teocráticos que espezinham as liberdades e direitos humanos fundamentais.

As políticas neoliberais, agravando intoleravelmente a situação social, têm aberto o caminho à ascensão de forças fascistas, racistas, xenófobas. As classes dominantes, ao mesmo tempo que silenciam a actividade da oposição de esquerda, favorecem a visibilidade política dessas forças, apostando nelas como beneficiárias do inevitável descontentamento popular e como instrumento de contenção das forças progressistas.

Apoiadas frequentemente por grandes potências que exploram sentimentos negativos para alargarem a sua influência, essas forças estão na origem de violências, de um crescente número de crimes contra trabalhadores estrangeiros e de «purificações» étnicas em algumas regiões.

A manifesta regressão cultural a que hoje assistimos constitui um dos traços particularmente negativos do desenvolvimento do capitalismo na actualidade.

Os dogmas do neoliberalismo, da «globalização» e da «economia de mercado», absolutizam fragmentos da realidade objectiva, num processo de manipulação e falseamento obscurantistas, constituindo um suporte ideológico, uma expressão actual e um instrumento, no plano cultural, da dominação socioeconómica do capitalismo e da expansão transnacional do poder monopolista.

Os mercados são transfigurados em entidades impessoais que, qual «mão invisível», assegurariam automaticamente o equilíbrio da vida económica e social. Propagandeiam-se as pretensas virtudes estimulantes das desigualdades sociais e da concentração e centralização do capital e da riqueza. Promove-se a idolatria da competição, fomenta-se a agressividade e o egoísmo. Erige-se a competitividade como factor essencial do desenvolvimento económico e social. Promove-se a mercantilização de todos os valores e formas da actividade humana. Proclama-se a exploração capitalista como fazendo parte da ordem natural das coisas. As classes sociais e a luta de classes, o seu papel na evolução da sociedade, são negados e escamoteados.

Apresentando-se como defensores da supremacia do indivíduo sobre a sociedade, os ideólogos do capitalismo procuram destruir os progressos alcançados, designadamente com a luta pelo socialismo, no sentido de criar formas superiores de sociabilização e cooperação humanas.

O Estado e as suas funções, no plano nacional e internacional, são outro alvo dessa ofensiva. Proclama-se a «falência do Estado Providência» e propagandeia-se o «Estado mínimo» com o objectivo central de amputá-lo das funções sociais que as conquistas democráticas do último século lhe atribuíram. Mas são reforçadas as suas funções repressivas, para fazer frente à agudização dos conflitos provocados pela polarização social, bem como a sua intervenção no plano económico, ao serviço do grande capital.

Simultaneamente, a esfera da vida política é reduzida, com o argumento de que as decisões sobre as grandes questões estão relacionadas apenas com opções de natureza técnica. Daí derivaria um suposto natural consenso político geral que, a par do esvaziamento da política da sua dimensão de representação dos diferentes interesses sociais, favorece a possibilidade de rotação dos executantes de uma mesma orientação dominante, restringe o leque de escolhas possíveis e incrementa, a partir dos próprios órgãos de poder, a perda de referências éticas e potencia fenómenos de corrupção.

Ao mesmo tempo, as teorias da supranacionalidade pretendem apresentar como ultrapassadas e esgotadas a realidade das nações e as funções da soberania nacional. A pretexto da adaptação ao processo da «mundialização» advogam a sua transferência para estruturas supranacionais, dando cobertura à liquidação dos aparelhos produtivos nacionais. Neste processo, o apagamento e esmagamento das culturas e identidades nacionais têm também o seu papel, designadamente através da colonização cultural e da subordinação às leis do mercado mundial que lhes são impostas.

Outra frente da ofensiva obscurantista do grande capital consiste na reescrita falsificadora da História mais recente.

Com isso pretende-se desvirtuar os mais importantes acontecimentos deste século. Apagar o papel que nele tiveram a partir da revolução russa de 1917 as revoluções socialistas e o empreendimento da construção de uma nova sociedade libertada da exploração capitalista. Ignorar o papel da luta dos trabalhadores e dos povos pela sua emancipação social e nacional, pelo socialismo, pela democracia e pelo alargamento do conceito de direitos humanos, desvalorizar as lutas contra o colonialismo, o fascismo e o imperialismo. Varrer da memória dos povos os factos, acontecimentos, experiências, lições e vitórias que confirmam a viabilidade e as perspectivas da sua luta por uma sociedade melhor, mais justa, liberta da exploração capitalista.

A elaboração e propaganda de um «pensamento único», como fecho de abóbada de conceitos vagos e vazios, como os de «aldeia global», «fim da história» e «fim das ideologias», pretende impor com carácter universal e absoluto os catecismos e fórmulas neoliberais numa tentativa para excluir, desqualificar e negar as alternativas de desenvolvimento social, apresentando-as como ameaças subversivas ou utopias irracionais e sem validade.

No assalto geral à democracia, aos direitos humanos e ao desenvolvimento social e cultural, cabe um papel essencial aos principais meios de comunicação social de massas, cuja propriedade está cada vez mais concentrada nas mãos do grande capital, tanto no âmbito nacional como internacional.

Utilizando de forma perversa as tecnologias e meios mais sofisticados, estabelece-se um férreo silenciamento ou falseamento de tudo o que põe em causa as estruturas políticas e económicas do capitalismo, procura-se condicionar comportamentos sociais e manipular valores, negando à cultura a sua função social e de instrumento do progresso e impondo uma subcultura alienada e alienante, que fomenta a passividade, desenraíza o indivíduo da sua condição social e actua como factor de obscurantismo sobre as mensalidades.

Ao mesmo tempo assiste-se à sistemática difusão de linhas de propaganda que espalham a confusão, a angústia e o medo, promove-se a banalização da violência, alimentam-se superstições e difundem-se visões catastrofistas sobre o futuro da humanidade, criando e generalizando estados de espírito que são caldo de cultura para o alastramento dos integrismos, dos racismos, da xenofobia e das forças de cariz fascista, e para a redução das liberdades democráticas.

O desenvolvimento do militarismo e a intensificação das ingerências e agressões do imperialismo correspondem ao propósito de consolidar, reforçar e alargar a todo o mundo o domínio do sistema capitalista e, particularmente, das maiores potências imperialistas.

O militarismo, o desenvolvimento do complexo militar industrial, as alianças e blocos militares agressivos, a corrida aos armamentos, as intervenções e guerras de agressão, foram durante décadas justificadas com a «ameaça soviética». Mas o desaparecimento da URSS, a dissolução do Tratado de Varsóvia, o chamado «fim da guerra-fria» não conduziram a um mundo mais pacífico e seguro. A instabilidade da situação internacional, a persistência e eclosão de novos focos de tensão, as ingerências e agressões militares, a continuação da corrida aos armamentos com a produção de armas cada vez mais sofisticadas, aí estão para o demonstrar. Com o brutal desequilíbrio de correlação de forças operado no plano internacional, a agressividade e as tendências militaristas inerentes ao imperialismo manifestam-se de forma mais aberta e perigosa.

Neste sentido são de salientar:

- A arrogante pretensão e as iniciativas dos EUA para assumir o papel de polícia do mundo;
- o reforço da NATO, hegemonizada pelos EUA, com a reformulação de estratégias e doutrinas e o alargamento da sua esfera de influência política, área de intervenção militar e os esforços para agregar novos membros;
- a militarização da União Europeia, num processo não isento de contradições com a sua transformação num bloco político-militar, em que a UEO, articulada ou mesmo integrada nas estruturas da UE, se transformaria simultaneamente em «braço armado» da UE e no «pilar europeu» da NATO;
- a criação na Europa de sistemas de forças de carácter multinacional pela integração de unidades militares de diversos países, incluindo Portugal, como a Euroforce, a Euromarforce e a Força Anfíbia;
- as profundas transformações nas Forças Armadas, nomeadamente com a criação de exércitos profissionais de carácter ofensivo e a abolição do Serviço Militar Obrigatório;
- a militarização da Alemanha e do Japão e a eliminação dos obstáculos constitucionais à intervenção de forças militares destes países fora do seu território;
- o processo de reintegração das forças armadas da França na estrutura militar da NATO e a acentuação do carácter intervencionista deste país (nomeadamente em África), assim como o processo de assunção da Espanha como membro pleno da NATO;
- o pôr em causa do tradicional estatuto de neutralidade e não alinhamento de vários países, nomeadamente da Europa (Áustria, Suécia, Finlândia), pressionados a inserir-se na dinâmica da política de blocos;
- a recusa dos EUA e outras potências capitalistas de liquidar as armas nucleares a par da corrida ao seu aperfeiçoamento, da persistência na teoria da «dissuasão nuclear» e da pretensão de se assegurar do seu monopólio.

O militarismo confirma-se assim como uma tendência e uma característica intrínseca do imperialismo que encerra enormes perigos para a paz, a independência e soberania dos povos e para o próprio futuro da Humanidade. Ele significa também a dilapidação de colossais recursos materiais e humanos que poderiam e deveriam ser consagrados à promoção do nível de vida dos povos e a programas de cooperação para o desenvolvimento, esse sim, factor decisivo da segurança internacional.

Na sua política agressiva os EUA e outras potências imperialistas utilizam como pretexto o que designam por «novas ameaças», usam como capa o combate ao «terrorismo», ao tráfico de droga e a outras formas de crime organizado (em que aliás participam também); invocam cinicamente a salvaguarda dos «direitos humanos», o pretenso «direito de ingerência humanitária», a «imposição da paz».

Na realidade procuram assenhorear-se de posições económicas e estratégicas, abater resistências à sua política imperial, cortar o passo a processos nacional-libertadores, progressistas e revolucionários, impor regimes subservientes, enfraquecer a soberania de Estados, abrir caminho à desenfreada exploração das transnacionais.

Neste caminho exacerbam conflitos étnicos, religiosos e fronteiriços fomentando guerras de extermínio, alimentam as forças mais reaccionárias e obscurantistas, apoiam ditaduras repressivas e sanguinárias, massacram populações civis e provocam massivos êxodos de populações, tornam reféns pela fome povos inteiros, praticam em numerosos casos uma autêntica política de terrorismo de estado.

A invasão pelos EUA da Somália e a sua intervenção no Haiti, a intervenção francesa no Ruanda e noutros países africanos, a ingerência imperialista nos Balcãs, com intervenção directa da NATO e a imposição da «pax americana» de Dayton, o bloqueio norte-americano a Cuba, os crimes de Israel na Palestina e no Líbano, o genocídio do povo curdo, a ocupação de Timor-Leste pela Indonésia e do Sahara-Ocidental por Marrocos, o morticínio no Afeganistão, o bloqueio ao povo iraquiano e os bombardeamentos dos EUA no Iraque, as provocações à Líbia, o drama do povo de Angola, as pressões e ameaças militares sobre a RPD da Coreia, o perigoso reacender das ambições de Taiwan - são exemplos flagrantes da política agressiva do imperialismo e seus instrumentos e aliados no plano regional. Continuam sem solução perigosas situações como na Irlanda do Norte e em Chipre.

A multiplicação dos focos de tensão e de guerra assim como o alastramento de situações de catástrofe económica, social, demográfica e ecológica são, no essencial, consequência do sistema de exploração e opressão capitalista.

É uma situação insustentável que conduzirá inevitavelmente a grandes explosões de descontentamento e protesto popular cujo carácter, anti-imperialista e democrático, ou reaccionário e mesmo fascizante, dependerá da capacidade dos comunistas e outras forças patrióticas e progressistas para encabeçar a luta.

Perante uma tal perspectiva, o imperialismo actua basicamente em duas direcções. Por um lado, acentuando a perseguição das forças progressistas e revolucionárias e procurando que sejam os sectores mais reaccionários e obscurantistas a capitalizar o descontentamento popular. Por outro lado, desenvolvendo instrumentos internacionais e supranacionais de concertação e intervenção - económicos, políticos, ideológicos, militares - visando assegurar o domínio planetário incontestado do grande capital e impor ao mundo uma «nova ordem» totalitária contra os trabalhadores e contra os povos.

Os mecanismos da «nova ordem» imperialista estão a ser criados a nível dos Estados, dos espaços de integração e no plano mundial.

Através de uma densa rede de relações politico-diplomáticas, em que pontifica o G-7, as grandes potências procuram concertar as respectivas posições sobre as grandes questões da situação internacional e definir uma estratégia planetária comum. A associação formal e subalterna da Rússia insere-se na tentativa de enquadrar qualquer evolução e neutralizar a sua resistência.

A OCDE, o FMI e o Banco Mundial, a Organização Mundial do Comércio traçam as grandes orientações da política económica, financeira e comercial que convêm às grandes potências e às multinacionais, definem as linhas de ataque às conquistas sociais e aos direitos dos trabalhadores, zelam pelo seu cumprimento.

A NATO, principal aliança militar do imperialismo, intervém como um braço armado da «nova ordem». Em lugar de caminhar para a desactivação da sua estrutura militar e dissolução, reestrutura-se, reforça-se, alarga a sua área de influência com a associação de novos países, amplia a sua área de intervenção militar. Define novos «inimigos» e «ameaças» e dota-se de novos conceitos estratégicos de carácter abertamente ofensivo. Cria dispositivos militares, forças operacionais, armamento sofisticado com o objectivo de intervir onde os EUA e seus aliados considerem os seus interesses ameaçados, nomeadamente nos conflitos de «baixa intensidade» e na repressão de revoltas populares e revoluções.

A expansão da NATO para o Leste da Europa e Mediterrâneo, assim como a activação da UEO, concebida como «pilar europeu» da NATO, e a criação das Forças Combinadas Conjuntas, significam um enorme reforço do papel desta aliança militar agressiva. Os bombardeamentos e a intervenção militar na Bósnia conduzidos pelos EUA representam um precedente gravíssimo.

Simultaneamente, as perspectivas abertas pela Acta Final de Helsínquia e a criação da Organização de Segurança e Cooperação Europeia foram bloqueadas ou distorcidas no seu original objectivo de respeito pela soberania dos Estados, de cooperação mutuamente vantajosa e de segurança colectiva no continente.

A ONU, em vez de se orientar no sentido de promover a solução pacífica dos conflitos, o desarmamento, o desenvolvimento e a cooperação internacional, tende a tornar-se num instrumento da política hegemónica dos EUA e seus aliados.

O FMI-BM, a OMC, a NATO, uma ONU instrumentalizada pelos EUA e outras grandes potências imperialistas, constituem os grandes pilares da «nova ordem» cuja estruturação abarca entretanto muitos outros aspectos como: a revisão de princípios consagrados do direito internacional; o recurso a «Tribunais» especiais, orientados por critérios políticos; o aperfeiçoamento dos Serviços Secretos e a sua estreita cooperação e a criação de serviços de informação supranacionais; o controlo das tecnologias da informação e o domínio da comunicação social, utilizada massivamente como instrumento de desinformação e manipulação das massas; a criação de sofisticados instrumentos de neutralização, recuperação e integração no sistema de organizações e movimentos sociais; a criação de organizações ditas «humanitárias» destinadas a almofadar as devastadoras consequências das políticas neoliberais e das agressões imperialistas.

A necessária cooperação internacional entre povos e Estados soberanos e iguais em direitos está a ser aceleradamente substituída por orientações e decisões supranacionais impostas pelas grandes potências imperialistas através da formação de um complexo sistema de organizações e instituições, cada vez mais articulado e centralizado. Sendo um processo em evolução constitui já em muitos aspectos uma realidade. A sua consolidação criaria um obstáculo qualitativamente novo, em termos de poder, ao processo de libertação dos trabalhadores e dos povos.

O reforço das estruturas (formais e informais, públicas e privadas) internacionais e supranacionais do imperialismo visa concertar uma estratégia planetária comum nos planos económico, político, militar, e ideológico, e é impulsionado pelo processo de mundialização do capital e a necessidade de regulação monopolista transnacional.

É um processo que põe em evidência a solidariedade de classe do grande capital mas que não anula nem domestica as contradições no campo imperialista. Pelo contrário, as rivalidades, conflitos e contradições entre as grandes potências e os grandes pólos do imperialismo não se atenuaram e mostram mesmo tendência para se avolumar e exacerbar.

Para isso concorrem: o desenvolvimento desigual do capitalismo, com as brutais pressões dos EUA para impor a sua hegemonia no plano mundial e assegurar a todo o custo a supremacia no próprio campo imperialista; a formação de grandes espaços de integração económica e livre comércio com a agudização da luta por matérias-primas (nomeadamente petróleo), mercados, esferas de influência, posições de importância geo-estratégica; uma nova partilha imperialista do mundo no quadro do que os próprios designam de «preenchimento do vazio estratégico» criado pelo desaparecimento da URSS e do socialismo como sistema mundial.

É assim que em relação à Europa de Leste, aos Balcãs, ao Médio Oriente, à Ásia, à África e à própria América Latina, são múltiplas as áreas de conflitualidade relevante entre grandes potências, envolvendo com frequência, por «procuração» ou não, outros países com aspirações a potências regionais.

A pretensão dos EUA de impor a sua hegemonia planetária choca crescentemente com o expansionismo da «grande Alemanha» (particularmente em direcção ao Leste da Europa e aos Balcãs), da França (nomeadamente em África), do Japão (especialmente na Ásia). A influência no Médio Oriente e região do Mediterrâneo está a ser palco de séria disputa, nomeadamente entre os EUA e as grandes potências da União Europeia.

A guerra económica entre os três grandes pólos do imperialismo - EUA, União Europeia/Alemanha e Japão - marcada por arrogantes imposições unilaterais dos EUA, tende a agudizar-se. Não pode ser subestimado o perigo de que a guerra económica, agudizando confrontos políticos, possa resvalar, por vias diversas, para a disputa militar.

Como afirmámos no nosso XIV Congresso, com o desaparecimento da URSS e do socialismo como sistema mundial, o mundo ficou mais perigosamente exposto à dinâmica das contradições inter-imperialistas e aos impulsos expansionistas da natureza exploradora, opressora e agressiva do imperialismo.

O processo de subversão de princípios e normas básicas das relações entre povos e Estados soberanos e de reestruturação reaccionária do sistema de relações internacionais não está consolidado nem concluído. A instauração da «nova ordem» imperialista confronta-se com a resistência e a luta dos povos e com as rivalidades no próprio campo imperialista.

Apesar da poderosa ofensiva dos ideólogos e propagandistas do «pensamento único» e de ilusões acerca de um «governo» mundial e outras formas de regulação supranacional «global», assiste-se a uma crescente tomada de consciência quanto às nefastas consequências das políticas ditadas pelas organizações dominadas e instrumentalizadas pelo imperialismo, em particular pelos EUA. Não obstante as debilidades que ainda se verificam, as acções de denúncia e protesto perante a política exploradora, opressora e agressiva do imperialismo têm-se multiplicado, ganho crescente expressão de massas e dimensão internacional.

À «nova ordem» imperialista os comunistas e outras forças democráticas e progressistas contrapõem a luta por uma nova ordem económica e política internacional assente na cooperação entre povos e países soberanos e iguais em direitos e orientada pelos valores da paz, da democracia, do progresso social e da amizade entre os povos. Uma nova ordem empenhada na abolição das armas nucleares e no desarmamento geral; no combate ao racismo e à xenofobia, ao populismo neofascista, ao nacionalismo agressivo e ao fanatismo religioso; na ajuda efectiva aos países subdesenvolvidos, na eliminação do desemprego, da miséria, da fome, da doença, da toxicodependência, do analfabetismo e outros flagelos da humanidade; na difusão da cultura e de uma informação objectiva; na preservação dos recursos naturais e defesa do ambiente. Uma nova ordem que respeite e assegure o direito de cada povo à livre escolha do seu próprio caminho.

As forças que se opõem ou são susceptíveis de opor-se às orientações e aos mecanismos da «nova ordem» imperialista são muito amplas e diversificadas. É na sua luta que assenta a possibilidade de transformações progressistas e revolucionárias que, alterando a actual correlação de forças desfavorável, possibilitem a instauração de uma nova ordem de paz, cooperação e amizade entre os povos.



2. Resistência e luta dos trabalhadores e dos povos


A ofensiva económica, política, ideológica e militar do imperialismo, facilitada e articulada com as derrotas do socialismo e o enfraquecimento global das forças progressistas, traduziu-se em grandes recuos no processo de emancipação social e nacional.

Tal ofensiva não é, porém, uma fatalidade com que os trabalhadores e os povos tenham de conformar-se. Pelo contrário. Ela desenvolve-se no contexto inevitável de uma intensa luta de classes que, assumindo formas e reivindicações imediatas muito diversificadas, converge objectivamente numa crescente e generalizada rejeição e condenação da «nova ordem» imperialista (e com ela a exigência de profundas transformações de natureza anti-imperialista e anticapitalista) e do que ela significa de brutal agravamento da exploração, das injustiças e desigualdades sociais, de opressão nacional, de agressões, conflitos e guerras.

Nos países capitalistas desenvolvidos a ofensiva neoliberal contra as conquistas sociais e democráticas alcançadas por décadas de duras lutas está a defrontar-se com a resistência crescente dos trabalhadores e tem dado lugar a grandes lutas populares, particularmente na Europa, mas também nos EUA e no Japão, país onde merecem especial realce, a par de importantes lutas sociais, grandes acções de massas contra o militarismo nipónico, pelo desarmamento nuclear e pelo encerramento das bases militares norte-americanas.

No primeiro plano encontram-se as lutas em defesa do emprego e contra a precarização das relações laborais, por melhores salários, contra o desmantelamento dos serviços públicos, os ataques à segurança social, as privatizações. Apesar do grande capital contar com a colaboração aberta de burocracias sindicais reformistas e da generalidade das direcções dos partidos socialistas e sociais-democratas, têm tido lugar importantes lutas, incluindo greves gerais e jornadas de acção com grandes manifestações de massas. Entre elas avultam pelo seu particular significado político greves e manifestações de fins de 1994 na Itália, o poderoso movimento de Novembro-Dezembro de 1995 em França, as grandes manifestações na Alemanha contra o «plano de austeridade» de Kohl em 1996. Mas são também de realçar centenas e centenas de greves, manifestações e protestos dos trabalhadores da indústria (nomeadamente contra os despedimentos, pelo aumento de salários, pela redução do horário de trabalho, contra as privatizações), dos sectores de serviços (função pública, profissionais de saúde, professores, etc.), de agricultores (nomeadamente na Grécia contra as gravosas consequências da PAC), de pequenos e médios comerciantes e industriais.

Objectivamente, para lá das reivindicações imediatas, tais movimentações constituem uma inequívoca condenação das políticas neoliberais antipopulares inerentes ao Tratado de Maastricht e dão uma nova dimensão à crescente oposição em todos os países da Comunidade Europeia ao actual processo de «construção europeia». Esta realidade, já bem visível nos expressivos resultados dos referendos realizados na Dinamarca, na França e na Noruega em 1993 e 1994, está a atingir uma nova dimensão com o claro ascenso em numerosos países da luta dos trabalhadores e das populações em geral contra as nefastas consequências sociais dos programas de austeridade ditados pela marcha forçada para a moeda única.

São também de assinalar outras importantes movimentações populares muito diversificadas que exprimem profundos sentimentos democráticos: dos jovens em protesto contra o sistema de ensino e pelo emprego; pelos direitos das mulheres; em defesa da escola pública; contra o racismo, a xenofobia e as limitações ao direito de asilo; contra as armas e as experiências nucleares, a agressão imperialista nos Balcãs, em defesa do ambiente e muitas outras. Pelo seu carácter generalizado e importante significado político é particularmente de realçar o extraordinário movimento de indignação e protesto popular que abalou a Bélgica.

É certo que a resistência e a luta popular, se têm imposto importantes recuos ao poder e ao grande capital, não estão ainda à altura da gravidade da ofensiva, nomeadamente por falta de uma clara alternativa política credível para as massas. Trata-se porém de uma realidade que, escamoteada e silenciada pelos media, se impõe valorizar, até porque a luta das massas populares é factor determinante para vir a alcançar uma viragem política de progresso.

O processo contra-revolucionário da restauração do capitalismo nos países da ex-URSS e no Leste da Europa, provocando desde logo uma enorme queda de produção e degradação do aparelho produtivo, tem significado uma brutal deterioração das condições de vida da maioria dos seus povos, com explosão da miséria, do desemprego, da criminalidade, de violentos conflitos étnicos, de guerras entre nações anteriormente componentes de Estados socialistas multinacionais e outros flagelos.

Uma voraz classe capitalista em acelerada formação, integrada e apoiada por uma ampla camada de burocratas venais e variadas mafias, com representação nos mais altos escalões do Estado, alia-se ao imperialismo para desmantelar estruturas económicas, conquistas e direitos sociais, valores morais, memória histórica, tudo quanto de positivo foi criado por gerações sucessivas no socialismo, apesar das gravíssimas perversões que se verificaram.

Esse tem sido o objectivo estratégico fundamental das grandes potências imperialistas, com destaque para a Alemanha e os EUA, directamente e através das suas estruturas económicas, políticas e militares, do FMI à NATO, passando pela União Europeia. Empenhados desde já no saque às enormes riquezas acumuladas ao longo de décadas, as potências imperialistas procuram, por um lado, conquistar novos espaços para a exploração capitalista (mão-de-obra altamente qualificada e barata, recursos naturais, mercados), e por outro enquadrar e assegurar a irreversibilidade dos processos em curso. A brutal ingerência nos assuntos internos desses países é acompanhada pelo mais cínico atropelo e subversão dos apregoados valores da «democracia» e dos «direitos humanos», como é particularmente patente nos países da ex-URSS ou na antiga Jugoslávia.

Todavia, os trabalhadores e os povos da ex-URSS e do Leste da Europa, apesar dos acontecimentos traumáticos e do massacre ideológico a que têm estado submetidos, rebelam-se em numerosas lutas contra as consequências desastrosas da restauração capitalista, buscam salvar conquistas do socialismo e, com formas e êxitos diversos consoante os países, salvaguardar a sua independência e determinar o seu próprio destino. Vários países lutam corajosamente, no adverso condicionalismo externo prevalecente, para preservar a sua soberania e assegurar o desenvolvimento de acordo com a vontade própria dos seus povos. Forças e partidos comunistas refizeram-se e alcançaram uma influência assinalável em vários países. Os resultados eleitorais na Rússia, apesar das condições particularmente adversas, demonstraram que os comunistas constituem uma grande força que, em aliança com outras forças democráticas e patrióticas, tem um peso real na vida política desse imenso país.

É no chamado Terceiro Mundo que se concentra a esmagadora maioria da população do nosso planeta. É porém nessa vasta área do globo que se concentra a maior pobreza. Muitas centenas de milhões de pessoas vivem em condições infra-humanas. Nos últimos dez anos aumentou o fosso que separa os países capitalistas desenvolvidos dos países subdesenvolvidos. A ofensiva do imperialismo em direcção ao Terceiro Mundo configura em muitos casos uma tentativa de autêntica recolonização de povos e países que, através de duras lutas, haviam conquistado a independência, construído Estados soberanos e, muitos deles, empreendido vias de desenvolvimento progressista.

Contra os países que, independentemente do seu regime político, recusam submeter-se, foi desencadeada uma política de ameaças, boicotes, embargos e pressões económicas de grandes proporções.

A luta dos povos do Terceiro Mundo pela sua emancipação nacional, duramente afectada pela crise e derrotas do socialismo, sofreu um sério retrocesso. O Movimento dos Países Não Alinhados, assim como a Organização de Unidade Africana, a Liga Árabe e outras organizações de carácter objectivamente anti-imperialista enfraqueceram-se e, embora haja indícios de recuperação, o seu futuro apresenta-se incerto.

Conjugando a imposição dum «multipartidarismo» artificial e falseado com pressões e ingerências do mais variado tipo, incluindo o militar, derrubaram-se regimes progressistas, impuseram-se novas ditaduras e governos submissos aos ditames dos desastrosos planos de ajustamento estrutural do FMI e do Banco Mundial, agravou-se a sangria da dívida externa, abateram-se as barreiras à «livre circulação» de capitais e à acção rapace das multinacionais, acelerou-se a destruição tanto do sector empresarial do Estado como das estruturas económicas pré-capitalistas de subsistência, impedindo que se assentem as bases de um desenvolvimento independente. Provocaram-se sangrentos conflitos étnicos e tribais e colossais deslocações das populações. A situação social, cultural e sanitária de muitos dos povos do Terceiro Mundo conheceu um dramático retrocesso, constituindo um dos mais desumanos crimes do capitalismo nos tempos modernos.

Entretanto, os povos da África, Ásia e América Latina prosseguem a luta pelos seus interesses vitais, contra as imposições do imperialismo e do capital transnacional, pela liberdade e a democracia, pela independência nacional.

A derrota do regime do apartheid e a vitória do ANC na África do Sul; progressos verificados na influência política e eleitoral por comunistas e outras forças de esquerda na Índia e outros países; a persistência, como na África Austral, de países dirigidos pelas forças políticas que conquistaram a independência e lutam contra imposições externas; a resistência de Estados soberanos às imposições do imperialismo; o prosseguimento da luta de libertação nacional dos povos palestiniano, sahouri, maubere (Timor-Leste), curdo e outros; movimentos de resistência armada como na Guatemala, na Colômbia, no Sudão; as lutas pelos direitos dos povos indígenas na América Latina, como em Chiapas no México; as lutas contra o latifúndio, como o Movimento dos Sem Terra no Brasil; grandes acções populares de massas pela democracia e pelo respeito dos direitos humanos contra ditaduras e contra governos corruptos em países como o Brasil, a Venezuela, a Birmânia, o Bangladesh, a Coreia do Sul, a Turquia, a Indonésia; greves e manifestações contra as políticas neoliberais, a acção das multinacionais, as privatizações e o próprio GATT/OMC, como na Índia, Uruguai, México, Argentina e outros países; - tudo isto mostra que os trabalhadores e os povos não se conformam e que são inevitáveis grandes explosões de descontentamento e de luta popular.

A par de tantas outras, a continuada e corajosa resistência do povo de Timor-Leste ao ocupante indonésio e a sua luta pela autodeterminação e independência - que impõe a Portugal e aos portugueses um particular dever de solidariedade - confirma que nem o mais poderoso opressor é capaz de anular a aspiração de um povo à sua libertação.

São manifestas as pretensões do imperialismo para canalizar num sentido reaccionário o descontentamento e o desespero das massas - nomeadamente com o seu estímulo ao fundamentalismo religioso de cariz fascista - e o seu propósito de abafar com a força militar acções que ponham em perigo o seu domínio, de que as «Forças de Reacção Rápida» são instrumento. Tudo dependerá porém da capacidade das forças progressistas e nacional-libertadoras para conquistar o apoio das massas e organizá-las em torno de alternativas de desenvolvimento democrático e progressista.

Os países que definem como orientação e objectivo construir uma sociedade socialista - China, Vietname, Cuba, Coreia do Norte, Laos - constituem uma realidade com importante significado no desenvolvimento da situação internacional. Com especificidades concretas nacionais, experiências e soluções muito diferenciadas, representam um importante factor de resistência e contenção aos propósitos de domínio planetário do capitalismo.

Importantes progressos no plano do desenvolvimento económico e na promoção das condições de vida das massas são de realçar em relação à China e ao Vietname, países muito populosos onde se concentra quase um quarto da população mundial e que partem de um nível de desenvolvimento extraordinariamente baixo.

Em relação a Cuba, brutalmente golpeada pelo imperialismo norte-americano e forçada a reorganizar completamente as suas relações económicas externas, a continuação de conquistas sociais fundamentais e da orientação socialista do regime constitui um feito heróico, só possível na base da identificação profunda dos comunistas cubanos com o seu povo, da elevada consciência patriótica e revolucionária do povo cubano e do amplo movimento internacional de solidariedade, que tem de continuar, nomeadamente contra o bloqueio e a lei Helms-Burton.

O PCP tem a sua própria concepção de socialismo e o seu próprio projecto para a edificação em Portugal de uma sociedade socialista que se diferenciam e distanciam em vários aspectos importantes de concepções, soluções, práticas e experiências em curso. E tem sérias preocupações pela existência de factores negativos, nomeadamente tendo em conta as experiências de outros empreendimentos de construção do socialismo. Isso não impede porém o PCP de valorizar a existência dos países que definem como objectivo a construção de sociedades socialistas, de acompanhar com grande atenção as suas experiências e ser solidário com a sua luta para salvaguardar o direito à livre escolha do seu próprio caminho.

Os condicionalismos de ordem externa, determinados pela hegemonia das relações económicas internacionais pelo grande capital, são muito grandes. O imperialismo e a reacção internacional não escondem a sua esperança e o seu propósito de - explorando problemas, erros, dificuldades e contradições e através de ingerências, boicotes e ameaças de agressão - alcançar o afastamento dos comunistas do poder e (ou) a degenerescência capitalista (dita «evolução pacífica») dos complexos processos em curso. É do interesse dos povos respectivos e de todos os povos que lutam pela sua libertação que tais intentos fracassem.

Para a consideração das perspectivas de evolução da situação internacional é particularmente importante considerar as grandes forças sociais atingidas pela política do grande capital e do imperialismo. Sob o impacto da crescente mundialização das relações de produção capitalistas, da revolução científica e técnica, das profundas transformações dos sistemas de produção e de troca, verificam-se grandes mutações sociais e demográficas com forte impacto na estrutura, composição e arrumação das forças de classe nas sociedades. É uma época de instabilidade em que centenas e centenas de milhões de seres humanos economicamente desapossados e afastados do processo produtivo, socialmente desenraizados e marginalizados, deslocados pela fome e pela guerra, procuram desesperadamente um novo lugar no sistema de relações sociais. É uma situação que dificulta extraordinariamente o progresso da consciência política e a luta organizada, favorecendo por outro lado o desenvolvimento de forças reaccionárias, obscurantistas e de cariz fascista.

Entretanto, uma das tendências objectivas da situação internacional na actualidade consiste na redução da base social de apoio do próprio sistema de exploração e opressão capitalista.

A classe operária e o trabalho assalariado (que continuam a aumentar em valor absoluto e peso relativo no mundo, constituindo a principal força social mesmo em países subdesenvolvidos); as massas camponesas (ainda predominantes em vastas regiões do Terceiro Mundo e muitas vezes privadas de terra); as forças da intelectualidade e da cultura (limitadas na sua criatividade); os pequenos e médios comerciantes e industriais (esmagados pelo poder dos monopólios); a juventude (que vê o seu horizonte fechado por um sistema de ensino classista, pelo desemprego e a miséria); as mulheres (as primeiras vítimas das injustiças e desigualdades do sistema) - são as principais classes e camadas sociais directamente atingidas nos seus interesses e aspirações pela política do grande capital e do imperialismo.

Tal é a base social em que assenta a possibilidade e a necessidade de forjar uma ampla frente anti-imperialista, de que são também parte integrante os países que definem como objectivo a construção de uma sociedade socialista, os movimentos de libertação nacional, os Estados que defendem a sua soberania contra imposições externas.

Da capacidade dos comunistas e outras forças democráticas, patrióticas e progressistas para dar expressão política organizada ao enorme potencial de luta libertadora realmente existente dependerão decisivamente as perspectivas de evolução da situação mundial.

A brutal ofensiva em curso do imperialismo tornou-se possível pelas derrotas do socialismo, pelo enfraquecimento geral e pela dispersão dos partidos comunistas e demais forças progressistas e revolucionárias, pelo avanço de concepções políticas reformistas e o enfraquecimento do sindicalismo de classe, por uma nova guinada à direita da social-democracia. Mas seria errado não valorizar a existência e a acção de um vasto conjunto de organizações e movimentos unitários como: sindicatos; organizações de classe dos pequenos e médios agricultores, comerciantes e industriais; movimentos de jovens; movimentos de defesa dos direitos das mulheres; organizações e movimentos ambientalistas; movimentos pela paz e de solidariedade; movimentos anti-racistas; organizações agrupando intelectuais, cientistas, artistas; movimentos específicos de defesa de direitos cívicos ou de promoção dos interesses das populações; numerosas «organizações não governamentais» (ONG).

Trata-se de uma realidade que, na sua grande diversidade, traduz uma crescente vontade de intervenção e participação democrática e representa um real obstáculo à concretização da política do grande capital. É porém necessário preservar o carácter democrático e unitário de tais organizações e movimentos sem o que estiolarão na sua dinâmica de massas, comprometerão o seu conteúdo popular, se tornarão politicamente inofensivos e poderão mesmo ver-se integrados na lógica de funcionamento do sistema, como instrumentos de contenção de luta e de colaboração de classes. Num tal objectivo continua particularmente empenhada a social-democracia. A degenerescência burocrática e colaboracionista de numerosas direcções sindicais constitui o exemplo mais negativo de uma tal evolução.

No plano político intervém em todos os continentes um amplo leque de forças democráticas, de esquerda, progressistas, revolucionárias e de libertação nacional. A situação é muito diversa nos diferentes países. Se nuns casos se verifica a existência de forças com grande implantação de massas e com perspectiva de protagonizar no plano político alternativas vinculadas com os interesses dos trabalhadores, tal situação não se apresenta de momento em muitos outros. A experiência mostra porém que no desenvolvimento da própria luta, sejam quais forem as dificuldades, se forjam e fortalecem as forças necessárias à solução dos problemas colocados pelo desenvolvimento social.

De referir, particularmente na Europa, o significativo conjunto de partidos e forças de esquerda que, não se definindo como comunistas, também se não reconhecem na social-democracia. Trata-se de partidos e forças diversificadas na sua origem, no seu programa e na sua implantação social, com contornos fluídos e em processo de definição da própria identidade, oscilando entre o reformismo e a aliança com a social-democracia e relações de cooperação com os partidos comunistas. São conhecidas as tentativas para criar uma «nova esquerda», uma espécie de terceira força «nem comunista nem social-democrata» mas de facto marcada por preconceitos em relação aos comunistas. A prática está porém a mostrar que é necessário e possível, com base no respeito mútuo, na identificação de objectivos comuns e pondo de lado pretensões hegemónicas, o desenvolvimento da cooperação dos comunistas e outras forças de esquerda na luta contra as desastrosas consequências do neoliberalismo, em defesa da democracia, contra o militarismo e, em particular, contra o Tratado de Maastricht e por uma outra Europa de paz, progresso e cooperação. É o que se verifica com a cooperação no quadro do Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Verde Nórdica no Parlamento Europeu. O comício «Contra o desemprego, por uma Europa dos povos, do emprego e do progresso social», realizado em 11 de Maio em Paris, representa um novo passo positivo.

O PCP continuará a esforçar-se por concretizar reais possibilidades de cooperação bilateral e multilateral, não apenas no plano europeu mas mundial. É esse o sentido da sua empenhada participação no processo do Fórum de S. Paulo que envolve um largo leque de partidos e organizações progressistas da América Latina.

A evolução da social-democracia, com a adopção das teses centrais do neoliberalismo, a identificação com a direita em numerosos países e a realização, quando no poder, das políticas do grande capital conduziu ao descrédito e à crise de muitos partidos socialistas e sociais-democratas, particularmente na Europa. No quadro de uma «bipolarização» e do «sistema de alternância» direita/social-democracia, partidos sociais-democratas incorporam-se directamente no sistema de domínio político do grande capital. As consequências de uma tal evolução são contraditórias. Por um lado abre possibilidades ao alargamento da influência dos comunistas junto da base social eleitoral operária e popular daqueles partidos, crescentemente desiludida com a capitulação política e ideológica dos dirigentes sociais-democratas. Por outro lado pode conduzir - e de momento está a conduzir - ao reforço das forças da direita e mesmo da extrema-direita populista e fascizante.

Globalmente, a social-democracia, a Internacional Socialista, o «partido socialista europeu», apesar de persistirem no seu seio sectores e correntes de esquerda, aparecem hoje como um instrumento da ofensiva do grande capital e do imperialismo. Isso não significa porém que, em condições concretas existentes em tal ou tal país, não seja de adoptar uma orientação no sentido da acção comum de comunistas, socialistas e sociais-democratas para fazer frente e derrotar as forças da direita, particularmente as mais reaccionárias e agressivas. Deve naturalmente prosseguir a cooperação com as forças progressistas filiadas na Internacional Socialista.

Atingido por uma das mais graves crises da sua história, o movimento comunista e revolucionário continua a atravessar grandes dificuldades. Mas a anunciada «morte do comunismo» e o «declínio irreversível» dos partidos comunistas não se confirmam. Em todos os continentes há comunistas que, com esse ou com outro nome, continuam a lutar pelos ideais do socialismo e do comunismo.

Há países onde os comunistas continuam no poder. Em muitos outros, mesmo quando enfraquecidos, os partidos comunistas são grandes forças nacionais que desempenham um papel fundamental na luta dos trabalhadores e das massas populares e contam com significativa presença nas instituições, incluindo a nível de governo. Noutros países, partidos comunistas com influência limitada não desistem da luta para a ampliar. Noutros ainda, enfrentando corajosamente a repressão e mesmo a clandestinidade, prosseguem a luta com determinação. Verificam-se casos particularmente significativos de reconstrução de partidos comunistas lá onde haviam sido destruídos (como na Rússia) ou se verificara a sua degenerescência social-democratizante (como na Itália).

Sem dúvida que subsistem grandes problemas e dificuldades. É muito forte e sofisticada a pressão tendente ao isolamento e à divisão dos comunistas. Em numerosos casos, prossegue uma intensa luta política e ideológica em torno da história do movimento comunista, da natureza de classe do partido, do seu programa, do seu objectivo de construção de uma sociedade socialista, da sua política de relações internacionais. Mas são já visíveis sinais de recuperação e mesmo o reforço de vários partidos comunistas e cresce a consciência da necessidade da sua cooperação internacionalista.

A política de relações internacionais do PCP está permanentemente orientada para o fortalecimento dos laços de solidariedade internacionalista dos comunistas, das forças democráticas e progressistas, dos trabalhadores e dos povos.

No quadro de um amplo leque de relações bilaterais e multilaterais com outras forças democráticas e de esquerda, o PCP coloca no primeiro plano o seu relacionamento com os outros partidos comunistas e revolucionários, no plano europeu e mundial. Para o PCP a cooperação dos partidos comunistas e revolucionários não só não se contrapõe como constitui factor indispensável da mais larga cooperação das forças democráticas, progressistas, nacional libertadoras, que se opõem à ofensiva do grande capital e à «nova ordem» imperialista.

É certo que a evolução mundial determina na actualidade uma amplitude maior do internacionalismo. Alarga-se a todas as forças em luta contra a exploração e a opressão. Alarga-se não apenas à classe operária e aos trabalhadores mas às forças sociais e políticas em luta pela liberdade, a democracia, o progresso social, a independência nacional e o socialismo. Os comunistas não podem fechar-se nem pretender estabelecer fronteiras rígidas no seu relacionamento. Mas o internacionalismo mantém como mais profunda e sólida raiz a sua natureza de classe e a sua decorrente característica anticapitalista.

Desde a sua fundação por Marx e Engels, o movimento comunista e operário passou por diferentes fases. Teve períodos de avanço impetuoso, de estagnação e de retrocesso, obteve grandes vitórias da sua unidade e conheceu dramáticos conflitos, divisões e derrotas, dotou-se de estruturas e formas de relacionamento muito diversificadas, consoante as situações objectivas e subjectivas.

Na actualidade, a par da dispersão, fragmentação e da persistência de tendências para a diluição das relações entre partidos comunistas no quadro de alianças democráticas mais amplas, desenvolvem-se em vários partidos complexos processos de definição da própria identidade que tornam ainda mais difícil que no passado precisar as componentes, delimitar as fronteiras e pôr em prática formas estáveis de relacionamento multilateral e internacional, necessariamente flexíveis, do movimento comunista e revolucionário.

O PCP continuará a agir no sentido da recuperação, renovação e reforço do movimento comunista e revolucionário internacional, com a convicção de que o fortalecimento dos laços de amizade, cooperação e solidariedade dos comunistas e todos os revolucionários é uma necessidade determinada pela identidade fundamental de interesses e objectivos emancipadores da classe operária e de todos os trabalhadores.

No respeito pela independência e autonomia respectivas, a troca de informações e experiências, o exame colectivo dos problemas, a acção comum ou convergente, a solidariedade recíproca, são da maior importância para a luta de cada um e de todos.

Os processos de internacionalização, a mundialização do capital, o reforço dos mecanismos de poder supranacionais, a estreita cooperação das forças da burguesia monopolista, tornam particularmente necessária e urgente a cooperação dos comunistas e outros revolucionários.



3. A alternativa


Sob o pretenso triunfo definitivo do capitalismo emergem realidades e contradições que evidenciam os seus limites históricos e a sua incapacidade de dar resposta às aspirações do ser humano e aos grandes problemas do mundo contemporâneo. As próprias exigências do desenvolvimento social e da salvaguarda das conquistas civilizacionais adquiridas como fruto do trabalho e da luta de gerações, colocam na ordem do dia a exigência de profundas transformações de natureza antimonopolista, anticapitalista e anti-imperialista.

Abrem-se novos espaços e possibilidades para a luta libertadora dos trabalhadores e dos povos e para a intervenção dos comunistas e das outras forças progressistas e revolucionárias, com a sua imprescindível acção, para desenvolver e fazer convergir vastas forças sociais e políticas por uma alternativa de progresso.

Os dramáticos problemas que percorrem o mundo contemporâneo - com o agravamento da exploração, o aprofundamento das injustiças e desigualdades económicas, sociais e regionais, genocídios, povos dizimados pela fome, intervenções militares e guerras, e o espectro de autênticas regressões civilizacionais e de catástrofes ecológicas planetárias - constituem uma acusação ao capitalismo e à sua natureza opressora e desumana.

Há muito já que o capitalismo se transformou num obstáculo ao progresso da Humanidade. Há muito já que a agudização das suas contradições e a luta libertadora da classe operária, dos trabalhadores e dos povos abriu a possibilidade da sua superação revolucionária.

É certo que à escala mundial o capitalismo manteve no século XX um poder hegemónico no terreno económico e ideológico, e mostrou imprevistas capacidades de desenvolvimento, adaptação e recuperação. E que na URSS e no Leste da Europa a construção de uma nova sociedade em bases socialistas, apesar dos grandes progressos alcançados, veio a sofrer dramática derrota, evidenciando a extraordinária dificuldade e complexidade do empreendimento e o fracasso de um «modelo» que, em numerosos aspectos, se afastou de características fundamentais sempre proclamadas de uma sociedade socialista.

Mas o capitalismo não modificou a sua essência exploradora, opressora e agressiva; não anulou as suas contradições internas que se agudizaram ainda mais; não eliminou nem impede que se renovem e reforcem as forças sociais que se opõem à natureza do capitalismo e o combatem; não neutralizou a ânsia fortemente enraizada de liberdade, democracia e justiça social; não paralisou a resistência e a luta popular.

Não se ignora que no quadro do capitalismo, com a inteligência e a criatividade humana e a luta dos povos, foram possíveis grandes conquistas democráticas e avanços de civilização, que abriram novas perspectivas à humanidade.

Acontecimentos da história do século XX - particularmente o nazi-fascismo, duas guerras mundiais destruidoras e, hoje, a ofensiva neoliberal - mostraram que tais conquistas e avanços estão permanentemente ameaçados pela manutenção do poder económico e político do grande capital. A sua defesa, consolidação e aprofundamento só é possível no caminho de profundas transformações democráticas antimonopolistas, numa perspectiva de rotura com o sistema de exploração capitalista. No quadro da insubstituível intervenção consciente e organizada das massas populares, a propriedade social dos principais meios de produção e a instauração de um efectivo poder popular continuam a ser elementos básicos do programa revolucionário dos comunistas.

As imensas possibilidades de promoção do bem-estar material e espiritual do ser humano abertas pelas extraordinárias conquistas da ciência e da técnica contrastam violentamente com o agravamento generalizado das suas condições de vida e de trabalho e o atirar de centenas de milhões de seres humanos para a mais negra miséria. Mais do que qualquer outra, esta contradição maior do mundo contemporâneo evidencia o carácter irracional, predador e desumano do capitalismo. O sistema capitalista tornou-se, não apenas obstáculo ao progresso social, mas numa ameaça para a Humanidade. Urge superá-lo e reorganizar a sociedade sobre bases novas que tenham as necessidades e aspirações do homem e o seu trabalho criador como elementos integrantes e finalidade. Socialismo ou capitalismo, tal é a grande alternativa da nossa época.

O processo de superação revolucionária do capitalismo no plano mundial começou com a revolução russa de Outubro de 1917, com outras revoluções vitoriosas e com o primeiro empreendimento de construção de uma nova sociedade. Foi ele que marcou com um passo histórico de progresso libertador o século XX e se irá prolongar pelo século XXI.

Um tal processo revelou-se mais complexo, acidentado e demorado do que o previsto. É impossível antecipar as formas e os ritmos do seu desenvolvimento. Mas a experiência histórica demonstrou que é nas massas populares, na sua organização e na força da sua luta emancipadora que assenta a real possibilidade de um mundo finalmente liberto da exploração de classe, da opressão social e nacional, do flagelo da guerra e do desastre ecológico.

O caminho da revolução é o caminho das massas e da sua mobilização para a luta.

Desde logo no plano de cada país, pelos seus interesses vitais, pela defesa e aprofundamento da democracia, por políticas de desenvolvimento económico e de progresso social, pela construção de alianças que isolem as forças mais reaccionárias e agressivas, defendam a soberania nacional, combatam a « nova ordem» imperialista. Cada país vive a sua realidade própria, defronta contradições e problemas próprios, tem as suas próprias potencialidades de desenvolvimento progressista. Não há nem pode haver «modelos» universalmente aplicáveis ou «plataformas» universalmente válidas.

Entretanto, os processos de internacionalização, de cooperação e integração, de divisão internacional do trabalho, conduziram a uma mais estreita interdependência dos povos. A dialéctica dos factores nacionais e internacionais ganhou maior importância. Os condicionalismos externos pesam cada vez mais na ordem interna dos Estados. Na sua luta, os trabalhadores confrontam-se com o poder nacional e, simultaneamente, de modo crescente, com poderes económicos e políticos supranacionais.

Tal realidade não torna «caduca» a importância do espaço nacional como terreno incontornável da luta de classes, não fecha a possibilidade de alcançar conquistas democráticas e transformações revolucionárias a nível dos diferentes países. A defesa da soberania nacional, conjugada com a luta por relações de cooperação internacional livres das imposições das grandes potências, ganha mesmo maior importância. Simultaneamente, a cooperação e a solidariedade internacionalista, a acção comum ou convergente dos comunistas, dos progressistas, dos trabalhadores e dos povos, tornam-se imprescindíveis para a luta de todos e de cada um, para o avanço do processo libertador no plano mundial.

A generalizada ofensiva do grande capital e as tentativas de impor ao mundo uma «nova ordem» de cariz totalitário exigem dos comunistas e de todas as forças progressistas grandes esforços para fazer confluir numa ampla frente anti-imperialista a luta dos trabalhadores e dos povos.

Tendo em conta a diversidade da situação política, económica e social, e portanto a diversidade das tarefas que se colocam a cada povo na luta contra o imperialismo, no momento actual assumem particular importância:

- A luta contra os monopólios e o capital financeiro: contra a liberalização da circulação de capitais, contra a especulação, pela canalização de recursos para o investimento produtivo, contra as privatizações e contra as imposições por via dos países mais poderosos do domínio e exploração de países menos desenvolvidos;

- a luta contra a exploração, a miséria e o subdesenvolvimento, pelo emprego, pela valorização do trabalho e dos salários, pelos direitos laborais e sociais, pela redução do horário de trabalho sem perda de salário e de regalias, em defesa e promoção dos serviços públicos;

- a luta pela democracia política, social, económica e cultural, contra todas as manifestações de forças fascistas, racistas, xenófobas e obscurantistas, e a defesa da soberania e independência nacional contra os ataques das transnacionais e do imperialismo e suas instâncias económicas e políticas;

- a luta pela paz, contra o militarismo, contra as intervenções agressivas do imperialismo, pela dissolução dos blocos político-militares, pela interdição das armas nucleares e outras armas de destruição massiva e sua total eliminação, pela defesa da ONU como organização vocacionada para a promoção da cooperação pacífica entre os povos;

- a solidariedade internacionalista, particularmente com os povos que lutam pela liberdade e autodeterminação ou são vítimas da agressão externa;

- a luta pela salvaguarda da Natureza e por um desenvolvimento ecologicamente sustentável, contra a poluição ambiental e a desertificação, pela preservação dos recursos naturais e dos equilíbrios ecológicos, pelo desenvolvimento ordenado dos centros urbanos.

Particular relevo assume a luta ideológica. Desde logo contra a ideologia do «pensamento único» que, apregoando o «fim das ideologias» e o «fim da história», é expressão dos interesses servidos pelas políticas neoliberais, endeusando o capital e o mercado; fomentando o individualismo e a competição exacerbada; apelando para o irracionalismo, o obscurantismo, o fanatismo religioso e étnico; induzindo sentimentos de fatalismo, de impotência e de descrença na luta pela transformação progressista e revolucionária da sociedade.

Depois no próprio campo democrático e progressista, em que concepções idealistas e reformistas ganharam novo alento com, nomeadamente: o escamoteamento e mesmo negação do lugar central que ocupam na evolução das sociedades as classes e a sua luta, a propriedade dos grandes meios de produção, o Estado, a revolução social; uma «democracia» concebida como independente da evolução histórica e da estrutura de classes da sociedade, com limitações e discriminações económicas, sociais e políticas que objectivamente permitem a manutenção no poder às forças do capital; um «humanismo» que isola e desenraiza o indivíduo da sua condição de classe e inserção social; uma «solidariedade» concebida em termos caritativos para atenuar o impacto do aprofundamento das injustiças e desigualdades; uma estratégia evolucionista e possibilista que tende a identificar conquistas democráticas e sociais possíveis sob o capitalismo com a própria noção de superação do capitalismo (o que implica rotura revolucionária). Tais concepções, que assumem formas e expressões muito diferenciadas, surgindo no quadro da procura de respostas para os problemas da transformação social, representam entretanto - na linha do chamado «reformismo forte» que precedeu a degenerescência do PCI - o reavivar de concepções reformistas que determinaram a rotura histórica no movimento operário entre comunistas e sociais-democratas.

De forma explícita ou implícita, constitui constante objectivo da ofensiva ideológica do capitalismo apresentar como uma concepção do mundo ultrapassada, morta em termos históricos, o marxismo-leninismo, que entretanto não só esclareceu e inspirou o caminho da luta e das conquistas dos trabalhadores e dos povos do mundo ao longo do século XX como, enriquecido pela experiência disponível e por respostas criativas às novas situações e fenómenos, continua constituindo um guia para a acção e um valor e elemento central na batalha ideológica.

O PCP, atento às novas realidades de um mundo em acelerado processo de mudança e levando em conta as lições da experiência, positivas e negativas, próprias e alheias, concebe a sua renovação como uma exigência permanente, intrínseca do papel de vanguarda que assume na luta libertadora da classe operária e dos trabalhadores de Portugal.

O que implica preservar e desenvolver crítica e criadoramente como matriz teórica da sua identidade comunista o materialismo dialéctico e histórico, fundamentos da economia política e da teoria do socialismo científico. Essa conquista maior do pensamento, em que avultam as históricas contribuições de Marx, Engels e Lénine, é de capital importância para a análise e compreensão do mundo contemporâneo e das vias da sua transformação. A actualidade de Marx - que mesmo sectores democráticos não marxistas reconhecem (procurando frequentemente dissimular a essência revolucionária do marxismo e opor Marx a Lénine), é, de facto, a actualidade e modernidade do marxismo-leninismo, por natureza antidogmático, criativo e revolucionário.

É com esta forte convicção e com confiança na força libertadora da luta da classe operária, de todos os trabalhadores e dos povos e da sua solidariedade internacionalista que os comunistas portugueses prosseguem em Portugal a luta pelos valores e ideais do socialismo e do comunismo.

Dos 75 anos da sua existência e da história do movimento operário e comunista deste século que agora termina, o PCP extrai a confirmação de que é justo e é realizável aquilo que tem constituído e constitui um objectivo essencial da sua luta: a construção em Portugal de uma sociedade mais livre, mais justa, mais fraterna e mais humana, uma sociedade socialista; a construção de um mundo finalmente livre de exploração, da alienação e da opressão imperialista, de paz, amizade e cooperação entre todos os povos.