Intervenção de Miguel Tiago na Assembleia de República

Parque Escolar, EPE

Apreciação parlamentar do Decreto-Lei n.º 29/2010, de 1 de Abril, que prorroga até 31 de Dezembro de 2010 a aplicação das medidas excepcionais de contratação pública, permitindo a
adopção do procedimento de ajuste directo para a celebração de contratos de empreitada de obras públicas, de locação ou aquisição de bens móveis e de aquisição de serviços, no âmbito da prossecução do objecto da Parque Escolar, EPE, alterando o Decreto-Lei n.º 34/2009, de 6 de
Fevereiro (apreciações parlamentares n.os 26/XI-1.ª)

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:
O PCP chama este Decreto-Lei à apreciação parlamentar por motivos evidentes. Aliás, ele não é mais do que a prorrogação de um decreto-lei que já tinha merecido da parte desta bancada a rejeição política do seu conteúdo.
O que o Governo, de certa forma, nos quer fazer crer é que não é possível conciliar a celeridade dos processos com a transparência na contratação pública e quer dizer aos portugueses que, se quiserem ver as coisas feitas, se quiserem as obras nas escolas, têm de abdicar da transparência nos procedimentos de contratação.
Ora, o PCP entende que essa relação não é justa e nem sequer pode ser feita. Entendemos que deve prevalecer a transparência e a celeridade, porque é possível, no quadro legal actual, cumprir a celeridade que é exigida pelo investimento nas escolas, que deve continuar a ser feito — embora, como é sabido, o PCP não subscreva a forma empresarial como ele tem vindo a ser feito, no entanto, não é isso que hoje discutimos —, sem nunca abdicar dos princípios da transparência na contratação pública.
Não podemos continuar a aceitar passiva e pacificamente que uma empresa criada pelo Governo, que duplica estruturas que já existiam no Ministério da Educação, mas com custos maiores porque os membros do Conselho de Administração ganham bem mais do que um quadro superior ou do que um quadro intermédio do Ministério da Educação, usando poderes que lhe são delegados pelo Estado, contrate quem lhe apetece, como lhe apetece e que não preste contas sobre a forma como contrata.
Não podemos continuar a aceitar passivamente que uma empresa criada pelo Estado possa utilizar a maior fatia de investimento público que está actualmente à disposição do Estado, neste caso, 2500 milhões de euros no total das fases de investimento, e que a possa utilizar sem prestar contas no que toca, nomeadamente, à contratação das equipas projectistas para as escolas.
Como é que o Governo pode continuar a legitimar um Conselho de Administração que negoceia com as instituições de onde vêm os seus membros?!
Como é que o Governo pode continuar a afirmar que é transparente e que todos os actos gozam da maior lisura, mesmo aqueles que envolvem um membro do Conselho de Administração que acaba de sair de uma empresa privada e que contrata 35 milhões de euros com essa empresa privada para fazer escolas para o Estado português, escolas essas que passam para o património da empresa que esse mesmo membro do Conselho de Administração também tutela?
Como é que o Governo pode continuar a dizer-nos que é transparente e claro, se um outro membro do Conselho de Administração contrata com a sua própria entidade patronal e com os seus colegas de instituição e de organização para fazer os projectos de arquitectura para a Parque Escolar?
Portanto, nada disto é transparente, nada disto é claro e tudo isto é garantido pelo diploma que hoje aqui discutimos e para o qual o PCP, por todos os motivos já referidos, propõe a cessação da sua vigência, que é, de facto, a posição que se exige desta Assembleia, a bem da transparência, sem sacrificar a celeridade dos processos e do investimento na Parque Escolar.
(…)
Sr. Presidente,
Aproveito os últimos segundos para introduzir aqui algumas notas, particularmente, tendo em conta que falo depois da intervenção da Sr.ª Deputada Sofia Cabral e, também, da do Sr. Secretário de Estado.
Relativamente à fiscalização do Tribunal de Contas, sabem ambos, certamente, que as fiscalizações do Tribunal de Contas não incidiram sobre a parte em que houve ajuste directo, que é precisamente a dos contratos de projecto, em que a Parque Escolar, empresa pública, fraccionou os honorários, de maneira a passar pelo «crivo» das fiscalizações do Tribunal de Contas e a não ser fiscalizada.
Também sabem, certamente, julgo eu, que é da iniciativa do Tribunal de Contas a fiscalização que está a ser feita, o que significa que, antes disso, de facto, não havia qualquer fiscalização dos projectos e dos contratos de projecto que a Parque Escolar levava a cabo.
O Sr. Secretário de Estado e a Sr.ª Deputada Sofia Cabral sabem tão bem quanto o PCP que aquilo que está aqui a ser discutido não é parar, não é, sequer, intervir sobre a celeridade dos processos. O que está aqui a ser discutido é a forma de impedir a Parque Escolar de utilizar um expediente que não é transparente, que não é claro, na utilização dos dinheiros públicos. Aliás, estamos a falar da entidade empresarial que tem, nas suas mãos, a gestão da maior fatia de investimento público que está a ser feita em Portugal. E o que os senhores argumentam é que a União Europeia vos disse que, para isto, se podem fazer ajustes directos.
Bem, Sr. Secretário de Estado e Srs. Deputados, não há qualquer legislação europeia que faça com que o PCP abdique da transparência nos processos e na gestão dos dinheiros públicos.
Não há e, além disso, a Sr.ª Deputada também sabe bem que fazem uma leitura enviesada e que a própria Parque Escolar utiliza expedientes enviesados e pouco transparentes para a utilização do dinheiro.
A Sr.ª Deputada referiu, inúmeras vezes, que todo o processo era escrutinável. Peço-lhe apenas uma coisa, Sr.ª Deputada: indique aos Srs. Deputados desta Assembleia os critérios que levaram à escolha das equipas de projectistas. É uma pergunta simples! Certamente, não saberá indicar nem um!
Por último, Sr. Presidente, aproveito apenas para valorizar o agendamento que o PCP fez desta iniciativa. Verifica-se que é um agendamento oportuno e que a cessação de vigência do diploma irá produzir efeitos por força do consenso reunido, em torno das diversas bancadas parlamentares, o qual valorizamos e saudamos, com excepção da do Partido Socialista, que continuará a defender a opacidade na utilização dos dinheiros públicos.
Não deixamos, pois, de valorizar este consenso, em defesa da transparência e da clareza, no que toca à gestão, neste caso, do património público financeiro e também do património do parque escolar.

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