Intervenção de Sabine Losing, Representante do Die Link, Seminário "A crise na União Europeia e a ofensiva contra os direitos, a liberdade e a democracia"

O Pacto Orçamental e o mecanismo europeu de estabilidade constituem um ataque à democracia na Europa

O Pacto Orçamental e o Mecanismo Europeu de Estabilidade constituem um ataque à democracia na Europa.

Está a ser instalado um sistema que eterniza o resgate dos bancos à custa dos trabalhadores na Europa. Estes tratados têm por consequência uma gigantesca redistribuição de recursos de baixo para cima.

Os riscos e as dívidas dos bancos são garantidos e pagos por desempregados, por pessoas com baixos salários etc. o que não só é completamente absurdo como também altamente repreensível.
Com a perda do controlo orçamental, a democracia é esvaziada de conteúdo, enquanto se prepara a transferência de competências adicionais para as Eurocracias.

Enveredou-se por um caminho que conduz a uma catástrofe à escala europeia. As primeiras vítimas são visíveis, antes de mais, nos países da Europa do Sul e de Leste. Mas em vez de, como é frequentemente afirmado, permitir superar a crise, a política de austeridade leva à degradação progressiva da situação económica desses países. O aclamado “modelo alemão” é um modelo que assenta na austeridade e na espoliação de direitos e que, ao longo de muitos anos, tem sido utilizado contra a população alemã em geral, sendo uma das principais causas da vantagem competitiva da Alemanha e, desta forma, uma das causas da crise.
Frequentemente me perguntam se penso que os poderosos estão a avaliar mal as consequências dos seus actos ou se simplesmente se estão a enganar.
Se fosse apenas a estupidez dos poderosos a ser paga desta forma cruel por muitos, embora já por si suficientemente grave, isso ao menos nos deixaria a esperança de que talvez pudessem aprender com os erros ou de que ainda se pudessem deixar convencer com argumentos.
Não, e afirmo-o aqui, a situação é bem mais grave, porque não se trata de forma alguma de um engano.
Para avaliar uma acção, devemos olhar para os resultados e esses resultados são os seguintes: Se somássemos todas as dívidas na Europa e se somássemos todas as fortunas, poderíamos ver que, ao longo das últimas décadas, as dívidas têm crescido na mesma medida que têm crescido as fortunas. Mais, podemos constatar que a soma das dívidas na Europa corresponde exactamente à soma das fortunas.
É o que já podemos ler numa antiga peça de Bertolt Brecht, em que o criado diz ao seu patrão “se eu não fosse pobre, tu não serias rico”
E neste balanço entre dívidas e fortunas já se vislumbra uma solução para a crise, já se vislumbra uma solução para os problemas sociais de milhares de pessoas, pois há dinheiro suficiente para todos.
Hoje estamos a falar da crise enquanto ataque aos direitos, à democracia e à liberdade das pessoas na Europa.
Democracia não é apenas a democracia parlamentar. A democracia é liberdade. A liberdade de ter os filhos numa boa escola, a liberdade de escolher um bom emprego, a participação na decisão e na concepção de instituições locais e muito mais.
A democracia é segurança, é a segurança de saber hoje que amanhã vou ter comida suficiente, uma casa acolhedora, a segurança de, quando estou doente, ser atendido de acordo com as possibilidades que a Medicina oferece.

E, caros camaradas, posso dar ainda muitos outros exemplos, mas penso que ficou claro até que ponto é vergonhosa a hipocrisia dos poderosos quando falam nos valores da UE que devem ser exportados para o mundo, da liberdade e dos direitos humanos, ao mesmo tempo que retiram às pessoas todas essas liberdades e direitos.

Porque aquilo de que ELES falam é sempre a liberdade DELES, a liberdade dos poderosos para imporem a sua vontade aos outros e a liberdade dos poucos para usarem em seu proveito as posses de muitos.

De seguida, gostaria de falar de segurança e refiro-me à segurança DELES que significa proteger-se daqueles que são explorados, da própria população dentro das fronteiras nacionais, das pessoas exploradas dentro da UE e das vítimas da exploração imperialista fora da UE.

Por um lado, a crise é usada para tornar mais eficazes as condições nas quais a exploração se realiza através da implementação acelerada do neoliberalismo a todos os níveis.

Mas a crise é usada também para aperfeiçoar o sistema securitário militar em intervenções imperialistas.
Enquanto por toda a Europa a agenda é marcada por programas de cortes e por uma brutal política de austeridade, a crise também é aproveitada para expandir as capacidades militares.

Pelo menos desde 1999, a política externa e de segurança da UE começou a desenvolver-se em passo acelerado. A estratégia de segurança europeia e as forças de combate da UE consagradas nos Tratados, juntamente com inúmeras operações militares e policiais no âmbito da Política Europeia de Segurança e Defesa não deixam margem para dúvidas.

Desde que começou uma das maiores crises do capitalismo e a crise bancária na UE, que se iniciou com o chamado pacote de ajuda à Grécia em Maio de 2010, tem-se vindo a reforçar a tendência, por parte de certos actores, de tornar a UE não apenas num protagonista militar a nível mundial. Torna-se, sim, cada vez mais clara a tendência de, para além disso, criar instituições e concepções da UE capazes de desenvolver uma política militar e imperialista que assenta, no essencial, num equilíbrio e numa agregação de interesses dos três grandes da UE, a Alemanha, a França e o Reino Unido.

A pressão que a crise exerce sobre os orçamentos de defesa dos Estados-membros deve ser compensada, por um lado, por uma cooperação mais eficaz com os EUA e a NATO.
Através de conceitos como “smart defence” (NATO) ou “pooling & sharing” (UE) são promovidos os processo de concentração na indústria da defesa. A consequência será que o complexo militar-industrial se torna cada vez mais importante, ganhando em poder e em influência.

Também o reforço da cooperação civil-militar serve para tornar mais eficaz o jogo de poderes. A cooperação cívil-militar, também designada por “abordagem abrangente” (comprehensive approach”) visa a concentração de todas as capacidades, desde as militares, passando pela diplomacia, a política comercial, até à política de desenvolvimento, para fazer valer os interesses das elites da UE em todo o mundo.
Institucionalmente, tal é feito através do Serviço Europeu de Acção Externa, em que toda a política externa da UE é reunida sob o mesmo tecto, o que significa que já não poderá ser separada.
É o que acontece, por exemplo, com a articulação da política de desenvolvimento com interesses militares, uma junção que por si já é incompatível com os princípios democráticos.
Por toda a Europa, a indústria da defesa queixa-se de que, devido à crise, os Estados gastam muito menos em armamento.
Mas se olharmos mais de perto, vemos que não é isso o que se passa. Quanto mais, existem pequenos cortes que, em parte, são simulados através de uma série de truques, como a reafectação de meios do orçamento militar a outras rubricas orçamentais.
Durante este ano, a chefe da política externa da UE, a Sra. Ashton, deixou muito claro que advoga um reforço maciço da indústria de defesa europeia. A Agência Europeia de Defesa irá propor este ano uma estratégia de como fazê-lo.

Procura-se sempre atingir dois fins ao mesmo tempo, i.e. por um lado a ampliação das capacidades militares da UE e, por outro, a garantia dos lucros e dos lucros extra da indústria de armamento através do Mercado Único e de ajudas financeiras adicionais supostamente necessárias devido à crise.
Na Política Externa e de Segurança da UE, mas sobretudo na política da defesa, os princípios democráticos como a "separação de poderes" têm uma expressão muito fraca e em nenhuma outra área política, os poderes do Parlamento são tão reduzidos.
Os chefes de Estado e de Governo reunidos no conselho europeu decidem praticamente sozinhos enquanto os poderes dos parlamentos nacionais são cada vez menos, sobretudo no que diz respeito ao seu aval obrigatório para missões militares no estrangeiro, obrigatoriedade essa que hoje já é praticamente inexistente.

Em muitos países europeus, as pessoas resistem às imposições da política da austeridade e já muitos perceberam que a crise é profunda e, como tal, pode ser solucionada apenas através de mudanças profundas.

Assim, juntamente com as demais evoluções, não deixa de ser preocupante que, com o Tratado sobre o funcionamento da União Europeia de 2009, entrou em vigor uma “cláusula de solidariedade”, prevista no Art. 222 e que infelizmente até agora tem merecido muito pouca atenção. Essa cláusula abre a possibilidade de realizar operações militares também no solo da UE.

Na Alemanha, num recente acórdão, o Tribunal Constitucional decidiu que as catástrofes, mesmo as provocadas pela mão humana, podem legitimar a realização de operações militares também dentro das fronteiras. No âmbito da cláusula de solidariedade, os Estados-membros serão obrigados a ajudar-se mutuamente em caso de tais catástrofes.

A formulação vaga das possibilidades de recurso à força militar deixa muita margem de manobra, embora alguns institutos de renome já tenham chegado à conclusão de que mesmo os “distúrbios sociais” podem ser classificados de catástrofes.

A crise e a militarização da UE encontram-se interligadas a diversos níveis, tal como existem múltiplas relações entre o capitalismo, a exploração e a concorrência.

Seja como for, para manter o seu poder, o capitalismo tem de atacar os Estados, as nações e os trabalhadores do Sul, explorando a sua força de trabalho e pilhando os seus recursos, ao mesmo tempo que ataca os trabalhadores do Norte, que são colocados em concorrência com os do Sul.

É uma máxima imperialista que se aplica tanto à escala europeia como a todo o planeta.