Intervenção de

Organização do Ensino Superior<br />Intervenção da Deputada Luísa Mesquita

Senhor Presidente, Senhor Ministro da Educação, Senhoras Deputadas e Senhores Deputados: A Assembleia da República da República tem hoje, mais uma vez, a oportunidade de reflectir sobre o quadro geral do ensino superior, particularmente no que se refere ao âmbito e objectivos deste subsistema. Lamentavelmente, e tal como aconteceu na anterior Legislatura, com a Lei de Bases do Sistema Educativo e a Lei Quadro do Ensino Superior, estamos perante uma proposta de lei governamental que deveria ter merecido desta Casa um conjunto de audições que permitissem recolher contributos e sugestões, mas o célere agendamento de que foi alvo, por parte do PS, não viabilizou esta necessária auscultação, apesar da mesma ter sido dada como segura às entidades e instituições que a tutela contactou imediatamente antes da aprovação em Conselho de Ministros. E justifica-se referir o que então foi afirmado pelo Governo: "Antes da sujeição do anteprojecto de lei à apreciação do Conselho de Ministros, tendo em vista a sua aprovação e envio à Assembleia da República, pretende o Ministério da Educação recolher contributos (...) Estes contributos são independentes dos que vierem a ser desenvolvidos em resposta (...) à audição promovida pela própria Assembleia da República, como é inerente ao processo de elaboração de uma lei". De facto, o partido do diálogo continua apaixonado pelos solilóquios. O texto -proposta- que o Governo apresenta tem vindo a ser anunciada como a "fada madrinha" capaz de resolver todos os erros e todas as omissões do ensino superior público, privado e cooperativo, ou, na perspectiva do Senhor Ministro, capaz de "arrumar a casa". Mas até as fadas já não são o que eram. E a proposta aí está - decepcionante e tecnicamente inconsistente. Logo na nota justificativa e no preâmbulo se evidencia alguma ausência de objectivos e simultaneamente muita confusão. Afirma-se que a organização do ensino superior se encontra regulada pela Constituição e pela Lei de Bases do Sistema Educativo, e ao mesmo tempo diz-se que esta proposta visa estabelecer as bases da organização e ordenamento do ensino superior, afirmando-se que pretende ser a lei de bases de "segundo nível" e é de facto, quer literalmente, quer metaforicamente e que esse dado determina a necessidade de alteração de diplomas fundamentais que regulam o ensino superior. E são muitos os exemplos: · A Lei da Autonomia das Universidades · A Lei do Estatuto e Autonomia dos Estabelecimentos de Ensino Superior Politécnico · O Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo · A Lei de Bases do Financiamento do Ensino Superior, esta da responsabilidade recente deste Governo · A Lei de Avaliação do Ensino Superior · E ainda o Estatuto das Instituições de Ensino Superior Senhor Presidente, Senhor Ministro da Educação, Senhoras Deputadas e Senhores Deputados: Estamos perante alterações de importância muito diversa e até contraditória, sem que sejam previsíveis os objectivos pretendidos e só com uma certeza; tudo resultará de inúmeros decretos-lei que o Governo aprovará mais tarde. Portanto, a concretização de orientações consideradas essenciais é remetida para instrumentos legislativos posteriores. É clara também a tentativa de criar com esta proposta um dispositivo de violação e de incumprimento da Lei da Autonomia das Universidades e da Lei do Estatuto e Autonomia dos Estabelecimentos de Ensino Superior Politécnico através do absurdo estabelecimento de uma "arquitectura normativa" e de uma "hierarquia (legislativa) descendente" que imporia que "a leitura e a interpretação (dessas leis) teria de ser feita de acordo com a presente" (proposta). Uma outra matéria abordada nesta proposta prende-se com o desenvolvimento do Sistema do Ensino Superior, relativamente ao futuro do designado "sistema binário". Se em algumas vertentes a proposta optou pela ambiguidade ou pela omissão, não foi o caso da insistência na compartimentação rígida do ensino superior em dois subsistemas - o universitário e o politéncnico. Esta decisão política que parece justificar o tão propalado objectivo de "arrumar a casa" contraria quer tendências ultimamente verificadas em textos legislativos, por exemplo, na Lei de Bases do Sistema Educativo, quer soluções organizativas adoptadas por várias instituições. Em nome da diversificação da oferta de formação, que não implica objectivamente a existência de um sistema binário, o que se pretende é promover uma imagem desnivelada, traduzindo-a numa clara diferenciação social, em que o politécnico surge como um ensino superior de segunda escolha, onde quase não se pratica a investigação. Se na ante-proposta ainda se propunha a mobilidade e a permeabilidade no que diz respeito ao sistema binário, na proposta essa hipótese desaparece. Convém esclarecer que a opção por um sistema organizativo único se enquadra perfeitamente na actual Lei de Bases do Sistema Educativo que, apesar das últimas alterações, ainda não conseguiu encontrar substantivas diferenças entre o ensino superior universitário e politécnico. Basta ler atentamente os números 2 e 4 do artigo 11º do diploma que enquadra todo o sistema educativo. Uma outra questão, muito preocupante nesta proposta, enquadra-se na opção, cada vez mais clara do PS, pelo economicismo e pela desresponsabilização perante o sistema educativo e que se reflecte à evidência neste texto; atente-se em alguns exemplos: · consagra-se a possibilidade do ensino privado ser substitutivo do ensino público; · consagra-se a possibilidade do Estado financiar as instituições privadas; · consagra-se a desresponsabilização do Estado relativamente à evolução do ensino superior, transferindo-se essa responsabilidade para um "organismo de regulação independente". O último aspecto que gostaria de referia deveria ser, na perspectiva do Governo, a razão primeira deste texto; refiro-me ao conceito de "rede pública" que em vez de constituir uma malha de articulação, coordenação e cooperação entre os estabelecimentos de ensino superior público existentes numa determinada região, nos é apresentada como modalidade burocrática, centralista e governamentalizada da definição dos estabelecimentos, áreas e níveis de formação a quem é reconhecido o direito à existência. Senhor Presidente, Senhor Ministro da Educação, Senhoras Deputadas e Senhores Deputados: São graves os problemas com que se debate o sistema educativo e particularmente o ensino superior. Os últimos anos têm provado a ineficácia e a inoportunidade de medidas casuísticas, têm demonstrado a urgente necessidade de uma reflexão ampla e amplamente participada sobre todo o ensino superior e do seu papel na sociedade portuguesa. E é partindo desta leitura, que penso ser consensual, quer dentro da Assembleia, quer fóra dela, que o Partido Comunista Português apresenta hoje um conjunto de propostas que consideramos constituirem não só matéria de reflexão mas também de resposta aos diversos factores de crise que se têm vindo a acumular. Apesar do texto que propomos à vossa apreciação resultar de uma ampla auscultação realizada a diversos níveis, é todavia um enunciado aberto a propostas de alteração que o possam melhorar, fazendo dele um instrumento fundamental de orientação do ensino superior de uma forma abrangente e não avulsa. Permito-me destacar do nosso projecto um conjunto de ideias estruturantes: 1. O sistema público de ensino superior deve continuar a desempenhar um papel central neste sector do ensino, porque só deste modo se concretizará a democratização do acesso e da fruição de níveis superiores de instrução e cultura, porque só assim se garantirá a liberdade de ensino e de aprendizagem. 2. De acordo com a Lei de Bases do Sistema Educativo, o subsistema de ensino superior compreende uma componente universitária e outra politécnica. Esta diferenciação, sobretudo formal, tem sido causa de conflito de atribuições e de discriminação de recursos sem que exista uma substancial diferenciação de missões. Ao ensino superior exige-se, cada vez mais, a capacidade de dar resposta a uma multiplicidade de necessidades, para além das suas competências tradicionais de ensino e atribuição de graus académicos e de realização de investigação científica. O que consideramos importante é o investimento na coerência da oferta de formações e a cobertura territorial deste subsistema e por isso urge proceder a formas diversificadas de articulação dos estabelecimentos de ensino superior existentes. Neste sentido, parece-nos que a opção pela integração dos actuais subsistemas deveria proporcionar soluções organizativas diferenciadas, conteúdos científicos e modelos pedagógicos muito diversos e modalidades distintas de formação, garantindo que seja o respeito por regras gerais que assegurem a qualificação profissional e a comparabilidade académica a nível nacional e internacional. 3. Também a gratuitidade da formação inicial a nível superior, consagrada constitucionalmente e que é posta em causa pelo Governo do PS com o diploma das propinas, aprovado em 1997, está assegurada no projecto do PCP. 4. Relativamente à responsabilidade financeira do Estado, questionada pelo PS, quer na lei em vigor, quer agora na proposta apresentada, propomos que o Orçamento do Estado assegure integralmente o funcionamento dos estabelecimentos públicos de ensino superior, ao nível objectivamente calculado por uma fórmula que terá em consideração um conjunto de parâmetros que evitem discriminações, por ignorância do objecto, dos objectivos e da função educativa das instituições. 5. O regime de acesso e ingresso no ensino superior público, particular e cooperativo e a acção social escolar constituem também matéria fundamental no nosso projecto. Propomos que os regimes de acesso e ingresso sejam de aplicação universal, assegurando o Estado a eliminação do numerus clausus, criando condições para que as formações oferecidas assegurem as aspirações e as necessidades dos jovens e do País. Propomos que a acção social escolar abranja toda a população escolar em formação inicial e também os estudantes em níveis de formação pró-graduada, garantindo a possibilidade de frequência deste subsistema, independentemente da respectiva área de residência e do nível de rendimento pessoal ou familiar. 6. Finalmente, uma referência aos recursos humanos sem os quais não se pode falar do funcionamento eficaz das instituições de ensino superior público. Propomos que cada estabelecimento de ensino disponha de quadros próprios de docentes, investigadores e outros funcionários, objectivamente dimensionados. Senhor Presidente, Senhor Ministro da Educação, Senhoras Deputadas e Senhores Deputados: A proposta de lei do Governo anunciada durante meses como o antídoto para as maleitas do ensino superior é decepcionante. As propostas do PCP dirigem-se às reais preocupações do ensino superior e não ignoram a grave situação vivida neste sector.Segundo dados da OCDE, tornados públicos recentemente: · o montante gasto com cada estudante português sofreu em 6 anos um corte de mais de 40%; · dados da década de 90 apontam para uma taxa de abandono de 51% só nos dois primeiros anos de formação nas universidades, colocando o nosso país no topo da lista negra em matéria de abandono; · os países da OCDE gastam em média 20% das despesas no ensino superior em subsídos e apoios aos alunos e famílias. Em Portugal, o Governo fica-se pelos 4%.E diante destes sinais, exigem-se medidas e não promessas de decretos-lei. Foi esse contributo que quisemos dar. É para esse contributo que solicitamos a apreciação desta Assembleia.

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