Intervenção de

Orçamento do Estado para 2002 - Intervenção de Agostinho Lopes

Senhor Presidente
Senhor Primeiro-Ministro e Senhores membros do Governo
Senhoras e Senhores deputados

Seria incoerência do PCP pensar que estas Grandes Opções do Plano (GOP) e este Orçamento do Estado (OE), na continuidade das políticas e dos orçamentos anteriores, iriam responder a três problemas centrais da sociedade portuguesa hoje: desigualdades sociais, assimetrias regionais, défices de produção e produtividade.

Mas admitimos que seria possível umas GOP e um OE que procurassem responde à conjuntura económica que o País atravessa, sem agravar esses problemas.
Ora, a conjuntura só serviu para cobrir e justificar uma nova guinada à direita (e não só) em matéria económica e social. O que está bem presente nos documentos em debate.

(Aqui e agora apenas a abordagem do problema das assimetrias regionais).
Tem sido uma tónica de propaganda do Governo sobre o presente OE, o seu pretenso direccionamento, a sua pretensa viragem para o interior e o mundo rural. Foi a abordagem «espacializada» feita nas GOP. São as referências, ontem, do sr. primeiro-ministro à evolução do PIDDAC regionalizado per capita no interior e no litoral. Nós compreendemos esses esforço de propaganda, mas a mistificação não pode ser maior.

E não é apenas a ressurreição nas GOP do velho e requentado conceito de «interioridade» que nada explica e tudo justifica. É a tese, velha de anos, do crescimento no interior de «cidades médias», âncoras do desenvolvimento dessas regiões. Os dados do Censo de 2001, se mostram alguma coisa, é a continuação do esvaziamento humano dessas regiões.

Não só esses concelhos/cidades médias continuam com saldos naturais negativos (com excepção de uma), como os seus ganhos não compensam, nem de longe nem de perto, as perdas dos distritos onde se encontram inseridas. Bragança, Mirandela, Chaves e Vila Real ganham 8 480 residentes. Trás-os-Montes e Alto Douro perderam 30 417 cidadãos, 8% da sua população. Certamente dos mais jovens. Certamente dos melhor qualificados profissionalmente.

Embora longe de dar o quadro global e dinâmico dos fluxos económicos e financeiros, de perdas reais dessas regiões, até porque as áreas planos usadas ocultam completamente as diferenças litoral/interior, as Contas Regionais 1995/99 publicadas pelo INE em Julho evidenciam a realidade de assimetrias que se agravam no território. Norte, Centro e Alentejo perdem peso no PIB nacional, agravam-se os índices de disparidade regional medidos pelo VAB/capita, degradou-se a sua participação no montante nacional de Formação Bruta de Capital Fixo, com excepção do Alentejo!

O sr. primeiro-ministro veio ontem aduzir como prova do seu empenho na correcção das assimetrias regionais, a evolução favorável ao interior do PIDDAC regionalizado no presente OE face ao de 1995. É uma evidência que esse índice permite tudo. Como é calculado a partir de um numerador - o investimento - e do denominador - a população - nem é preciso mexer na verba do investimento. Basta que a população decresça (que é o que acontece), para haver melhorias do índice. Mas acrescente-se ainda a ilegitimidade da comparação do índice de 2002 com o de 1995. É que se comparam alhos com bugalhos. Em 1995 as verbas do PIDDAC em cada distrito, correspondentes a «vários concelhos» (portanto, não distribuídas por concelho), tinham um peso percentual muito reduzido nas verbas globais em comparação com o que sucede no presente (e recentes) OE. Não ultrapassavam os 25%, hoje são em geral muito superiores a 50%, o que resulta da distribuição hoje (aliás, pouco transparente) de inúmeros projectos nacionais apoiados pelo III Quadro Comunitário de Apoio (QCA) por distrito. O que anula qualquer possibilidade de comparação do PIDDAC regionalizado hoje com o de 1995!

Mas pior. O PIDDAC regionalizado que nos foi distribuído mostra, sem sombra de dúvidas, que relativamente ao PIDDAC de 2001, sobe mais o PIDDAC nos sete distritos da faixa litoral (Braga/Setúbal) 9% que nos restantes onze, onde o crescimento é de 7%. Mas se retirarmos deste conjunto Faro, então o crescimento dos distritos do interior e onde o mundo rural é dominante, é apenas de 1%. Anote-se ainda que um desses distritos do interior, Vila Real, é recordista nacional no decréscimo do PIDDAC distrital, menos 27%.

Mas, mais fundamentalmente, a mistificação do combate às assimetrias regionais e do apoio ao mundo rural, hipoteticamente presente nas GOP e no OE, resulta de que o Governo sabe de ciência certa que as suas políticas são motores de desigualdades e assimetrias sobre o território nacional. Sabe que as suas políticas neoliberais de menos Estado e toda a força ao mercado e ao capital financeiro, de liberalização, desregulamentação e privatização, produzem assimetrias, e que não há orçamentos nem fundos comunitários que lhes valham.

Sabe que as privatizações da banca e das seguradoras, da EDP, da PT, da GALP, da BRISA, etc., etc., de todas as grandes empresas públicas fornecedoras de bens e serviços essenciais e de estrutura em rede no território (a que o presente OE dá continuidade), e as reestruturações empresariais que se lhes seguiram (e ainda não terminaram), determinadas pelas naturais lógicas de empresas privadas, não só estão a reduzir e encerrar serviços, a prestá-los em piores condições e mais caros, como reduzem o emprego nessas regiões do interior. Em particular liquidam alguma da pouca massa crítica técnica e científica aí existente, transferindo-a e concentrando-a nas áreas metropolitanas do Porto e Lisboa. E em alguns casos nem o Porto é poupado.

O Governo sabe que a política agrícola em curso, centrada na maximização da competitividade, significa a continuação da liquidação de milhares de pequenas e médias explorações agrícolas e, por consequência, do mundo rural, que não sobrevive sem actividades económicas. E não há política de desenvolvimento rural que o salve. Entre muitos exemplos bastará referir o processo inexorável de liquidação da pequena e média produção leiteira nessas regiões , pela não regionalização e boa gestão das quotas, pela falta de apoio à recolha e concentração do leite, pela expulsão da produção de pequenos produtores pelo chamado resgate das quotas. A tendência é a concentração (para já) desta importante produção do mundo rural, de muitas zonas de montanha e do interior do Norte e Centro, numa estreita faixa litoral em duas bacias leiteiras, Braga/Porto e Aveiro/Coimbra.

O Governo sabe que a distribuição das ajudas comunitárias agrícolas - ao rendimento e ao investimento - cava desigualdades no mundo rural e no território nacional.

Sabe que, a exemplo do I e do II QCA, a distribuição das verbas do III QCA de ajuda ao investimento empresarial na indústria e serviços, vai reproduzir as assimetrias hoje existentes, por incapacidade de uma política decidida e voluntarista de inversão das orientações até hoje prevalecentes. Não serão as atrasadas e tímidas medidas de desagravamento fiscal que o permitirão.

O Governo sabe (até por aquilo que diz nas GOP) que o investimento estruturante do Alqueva, pela sua opção de classe de recusa da reestruturação fundiária (que a Constituição impõe), não vai traduzir-se na alavanca de rejuvenescimento populacional e reanimação económica e social de que o Alentejo necessita.

O Governo sabe que as enormes potencialidades das águas de mesa, termais e medicinais do Alto Tâmega (eixo Chaves/Vila Pouca) nunca serão o polo de desenvolvimento porque há muito esperam os transmontanos. Porque sabe que na ausência de uma iniciativa pública (governo/autarquias), rodando-se o capital privado titular ( Sousa Cintra/Jerónimo Martins/UNICER?) na sua exploração gananciosa, não são sequer cumpridos os compromissos de investimento turístico a que se comprometem aquando da obtenção das concessões.

O Governo, incapaz de responder à incontornável questão da regionalização do País, entrega-se a exercícios de desconcentração e aparente descentralização, sem nexo, incoerentes, sem qualquer rumo claro.

Ora são as Comissões Coordenadoras Regionais (CCR), ora são os Governos Civis, ora são as Assembleias Distritais, ora são os municípios, saltitando do concelho à região plano, com as NUT III pelo meio. Recusando-se a assumir assim uma planificação e programação de investimentos que, com uma forte e decisiva participação dos municípios, e na base da construção de claros e objectivos comandos administrativos e económicos, desse coerência, eficiência e transparência, e uma natureza integrada aos investimentos supramunicipais do III QCA.

Questões de definição de áreas de planificação e programação, que podem vir a afectar gravemente as regiões do interior em matéria de ajudas comunitárias do próximo QCA, por subidas estatísticas dos respectivos PIB/capita. Mas essa é uma questão que o Governo não quer abordar.

O Governo fala de auto-estradas no interior e esquece as lições destes últimos vinte anos. Não bastam eixos de penetração quando a circulação interna regional está dificultada, quando a principal actividade económica dessas regiões está estrangulada.

Pior. Quando o Governo se prepara para liquidar 800 quilómetros de via férrea, prosseguindo a política ferrocídia iniciada pelo PSD e outros governos do PS, com a completa liquidação do transporte ferroviário de circulação interna interior nessas regiões. E não convém mistificar o problema com as «soluções empresariais» como a que se anuncia parar o Tua. Porque a questão incontornável é sempre a mesma: quem vai pagar o défice dessa exploração!

Em conclusão: mesmo não respondendo à dimensão dos problemas das desigualdades regionais causadas pelas suas políticas, admitia-se que o Governo apresentasse umas GOP com correspondência no OE, explicitando uma orientação para o investimento público, decididamente virado para a correcção dessas assimetrias. Não é isso que vemos nesses documentos. E é por isso também que votamos contra.

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