Intervenção de

Orçamento do Estado para 2001 - Intervenção de Lino de Carvalho

Senhor Presidente, Senhor Primeiro-ministro e Senhores membros do Governo Senhores Deputados,

O debate deste Orçamento de Estado corre o risco de ficar marcado pela polémica em torno dos contornos de um negócio que, independentemente de justas reivindicações locais, não prestigia as instituições democráticas e que, além do mais, pode um dia virar-se contra os seus próprios promotores. Sobre isto já foi dito tudo o que tinha de ser dito. Não voltaremos, pois, ao tema.

Mas é uma evidência que, com a polémica que se instalou, foi criado um cenário que, obviamente, interessa ao Partido Socialista e ao Governo. E não estamos a falar somente da garantia de viabilização do Orçamento de Estado para 2001 mas do facto de, por este caminho, ficar menos em evidência e ter sido secundarizado o debate das questões substanciais, que definem o conteúdo e a orientação do Orçamento e que, no nosso caso, sustentam as opções do PCP e o nosso voto de rejeição.

Dirão alguns que, com a actual composição da Assembleia da República, o Governo não tem outra hipótese senão ir negociando casuisticamente os vários apoios que lhe permitem viabilizar as suas propostas. Respondemos nós dizendo que tal não é verdade. Isto só é assim porque o Governo e o PS optaram por não ter um rumo, sustentado na coerência estratégica e, já agora, um rumo que dê corpo aos seus próprios compromissos eleitorais de mais justiça social e mais coesão nacional.

O Governo e o PS sabem que, se quisessem, poderiam criar, na Assembleia da República, e à esquerda, as condições para evitar a manta de retalhos em que vão construindo as várias medidas de política.

É que, ao contrário da tecla que o Primeiro-ministro insistentemente "bate", e que o PS, diligentemente amplifica pelo País fora, da oposição privilegiar uma posição de bota-abaixismo o Primeiro-ministro e o PS sabem que essa não é a postura do PCP. Agora o que o Primeiro-ministro não pode é fazer apelos à sua esquerda para aprovar o Orçamento e, depois, apresentar uma proposta que, em questões estruturantes para a economia do País, propõe soluções que sabe de antemão serem intoleráveis para o PCP e prejudiciais ao País. O que o Primeiro-ministro não pode é fazer apelos à sua esquerda e ignorar as propostas públicas que o Secretário-geral do PCP avançou, bastante atempadamente, em 3 de Setembro. E isto não tem que ser necessariamente um diálogo de surdos.

Recuperemos, pois, nesta oportunidade, três questões centrais:

· Política de privatizações - O Governo e o PS insistem numa orientação, sem qualquer racionalidade económica, de leiloar e entregar à lógica dos grandes interesses privados aquilo que são as últimas grandes empresas e sectores estratégicos necessários para assegurar a defesa do interesse público. Ao contrário, aliás, do que o Governo afirma no relatório do Orçamento de Estado, esta política, que só é explicável por razões de encaixe financeiro e para satisfazer as reivindicações de grupos de interesses, não "promove o reforço da competitividade da economia nacional" nem fortalece e consolida "centros de decisão privados de base nacional". Quanto ao primeiro é o próprio Governo e deputados da maioria - lembremo-nos aqui da intervenção do deputado João Cravinho - a reconhecer a perda de competitividade da economia portuguesa. Quanto ao segundo basta olharmos para os casos mais recentes da GALP, entregue aos italianos da ENI, e da TAP, em vias de ser entregue aos suíços da Swissair (isto para não voltarmos a falar de casos anteriores como do Banco Totta & Açores, por exemplo) para atestarmos a razão que assiste ao PCP. O Governo vai ao ponto de insistir, para 2001, numa estratégia de privatização e desmantelamento do sector florestal que é um dos poucos sectores que em Portugal pode viabilizar uma política de fileira. Podemos ter, e temos, opções políticas e ideológicas diferentes quanto ao papel das políticas públicas no reforço e dinamização da economia. Mas convenhamos que, sem prejuízo disso, estamos perante opções completamente irracionais que, obviamente, o PCP não pode subscrever e que não decorrem, sequer e obrigatoriamente dos alegados processos de globalização. Acresce que toda esta política se traduz, por um lado, na fragilização dos direitos dos trabalhadores das respectivas empresas e sectores e, por outro, num maior custo para os cidadãos dos serviços públicos prestados que pagam mais para alimentar lucros cada vez mais elevados dos novos accionistas das empresas privatizadas. O que se passa com a BRISA constitui um exemplo paradigmático: só no primeiro semestre deste ano para 36 milhões de contos de receitas em prestações de serviços a BRISA arrecadou 18 milhões de contos de lucros líquidos. Isto é, por cada 100$00 de portagem que os portugueses pagam, 50$00 vai para o bolso dos accionistas. E, obviamente, o Primeiro-ministro sabe que o PCP não pode aceitar este modelo em que assentam as opções económicas do Governo.

· Política de rendimentos e preços - Nesta matéria o Governo sabe que tem insistido numa política que não reconhece o papel central que os trabalhadores desempenham na economia e no País e que desvaloriza a função social do trabalho. Como afirma o parecer do Conselho Económico e Social sobre as GOP's Portugal continua a "ser o País da União Europeia onde se registam maiores desigualdades na distribuição do rendimento. No entendimento do CES torna-se essencial que sejam dados passos mais significativos para melhorar a referida distribuição". E mais ainda, "a subida dos salários reais é compatível com uma estabilidade na variação dos custos unitários de trabalho". E nós acrescentamos que só um sensível incremento dos salários reais pode permitir o desenvolvimento sustentado do consumo e da economia. Como sabemos hoje o aumento do consumo privado das famílias, em Portugal, tem sido feito com base, no essencial, não num aumento sustentado dos seus rendimentos mas com recurso ao endividamento cujo nível passou de 38,2% em 1995 para 80% do rendimento disponível em 1999. Como é que o Governo responde a isto ? Criando um dito "Observatório Permanente do Endividamento" em vez de assegurar uma política que garanta um decidido aumento dos salários reais, desde logo na administração pública, e das pensões e reformas. E tudo isto é tanto mais justificável quando ainda esta semana fomos confrontados com o leonino aumento dos lucros dos principais grupos económicos em Portugal: Grupo SONAE, mais 281,2%; BCP, mais 64%; BPI, mais 41,4%; CIMPOR, mais 32,4%; BRISA, mais 22,4%; PORTUGAL TELECOM, mais 18,6%, ao todo mais 101,3 milhões de contos de lucros entre Setembro de 1999 e Setembro de 2000. E nesta matéria será, aliás, curioso sabermos quanto é que estas empresas pagam de IRC ao Estado. Não se pode, pois, pedir ao PCP, que aceite um Orçamento que dá corpo a uma política que quer permanentemente fazer pagar aos trabalhadores os custos de um alegado aumento da competitividade e da produtividade.

· Políticas sociais - Como demonstrou ontem o meu camarada Bernardino Soares as políticas sociais do Governo, designadamente em matéria de saúde e educação, estão longe de corresponder à insistente propaganda do Governo e do PS. E aqui não vale a pena apelar aos números. Porque basta aos portugueses serem confrontados, como são todos os dias, com o deficiente funcionamento dos serviços de saúde, com as listas de espera para as consultas e as intervenções cirúrgicas, com o elevado gasto em medicamentos, designadamente para os pensionistas e reformados, com a degradação do Serviço Nacional de Saúde e a diminuição do investimento em equipamentos de saúde ou com o estrangulamento financeiro que se abate sobre as escolas e o sistema público de ensino. A derrapagem nas contas da Saúde aí está e é espantoso que ontem tivéssemos aqui ouvido um deputado do PS, fazendo tábua rasa da responsabilidade do PS no Governo desde 1995 e criticando implicitamente a gestão da anterior titular da pasta, dizer que não considerava grave a derrapagem porque este era o primeiro ano de efectivo controle da despesa! Se isto é assim para o primeiro ano o que será para os anos seguintes !? Mas isto tem uma lógica. E ela é o de permitir e alimentar uma deliberada degradação do Serviço Nacional de Saúde e do Sistema Público de Ensino para justificar também a sua privatização. E como é evidente, ninguém pode pedir ao PCP que viabilize tais políticas.

Sr. Presidente, Senhores Membros do Governo, Senhores Deputados,

Deixo-vos três exemplos centrais de opções orçamentais de âmbito nacional que afastam o PCP da possibilidade de um qualquer consenso com vista à viabilização deste Orçamento de Estado. Por isso lhe lançamos um repto, senhor Primeiro-ministro: querem o Engº Guterres e o PS reflectirem sobre estas questões e inverter o sentido das orientações que sustentam tais políticas ? Se quiserem, então têm aqui, no PCP, um partido disponível para debater e viabilizar uma política de esquerda para o País. Senão, então, obviamente, terão de continuar a procurar apoios noutras áreas, de forma casuística, em prejuízo do País. Mas para isso sabem que não podem contar com o PCP. Não partilhamos uma política do "contra" e do "bota-abaixismo". Mas também não aceitamos com o nosso voto branquear e viabilizar políticas que, em consciência, estamos convictos que prejudicam os trabalhadores, a economia e o País.

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