Intervenção de

Orçamento do Estado para 1999 - Intervenção de Alexandrino Saldanha

Senhor Presidente
Senhores Deputados

As Grandes Opções do Plano e o Orçamento de Estado para 1999, no que se refere ao mundo do trabalho e à Segurança Social, seguem e perspectivam o aprofundamento da política neoliberal que vem sendo praticada pelo Governo do PS, continuadora, aliás, da anteriormente levada a cabo pelos Governos do PSD.

Logo na caracterização da evolução recente da economia portuguesa e em relação à política salarial se afirma que, em 1997 e 1998, "a evolução salarial tem-se mantido moderada".

E nas perspectivas para 1999 admite-se "que a economia portuguesa continue a crescer ... a um ritmo elevado (entre 3,5% e 4%)"; contudo, e cito de novo: "Os aumentos de salários não deverão ultrapassar o ritmo de 1998...". Isto é, continua a defender-se a moderação salarial para manter uma cada vez maior acumulação de lucros e de riqueza à custa dos trabalhadores.

Para isso e para cumprir o todo-poderoso "Pacto de Estabilidade", aponta-se uma taxa de inflação de 2% - que a previsão da União Europeia (2,4%) descredibiliza - e considera-se aquela taxa como o factor determinante para os aumentos salariais.

Tudo isto, quando se sabe que o nosso país é, na União Europeia, aquele que atribui ao factor trabalho a menor percentagem do rendimento nacional e, apenas para manter essa percentagem, os salários terão de ser anualmente acrescidos com a soma da taxa de inflação e a da produtividade. Mas o Relatório Geral do Orçamento reconhece expressamente que, em 1998, "a taxa de variação estimada para as remunerações por trabalhador ... mantém-se ... inferior ao crescimento estimado para a produtividade" e que houve "uma desaceleração do crescimento dos custos unitários do trabalho, devido à moderação dos salários".

A propósito, será sacrilégio falar em moderação dos lucros ?

E por que é que não se toma como objectivo a inversão da injusta situação actual, em vez de a continuar e agravar ?

Para esse efeito podia desde já aproveitar-se o actual processo de negociação salarial com os Sindicatos da Função Pública.

Senhor Presidente
Senhores Deputados

Um outro aspecto importante dos dois diplomas em discussão é o da política de qualificação e emprego.

É de realçar, desde logo, a transferência subtil do conceito de "emprego" para o de "empregabilidade".

Invocando objectivos teóricos que geram um grande consenso na sociedade portuguesa, as medidas já tomadas e as perspectivadas, designadamente, as relativas à revisão da legislação do trabalho, contradizem esses objectivos e assentam:

na atribuição de ainda maiores benefícios e incentivos ao capital;

na redução dos benefícios sociais da responsabilidade do Estado;

no aumento da precaridade, insegurança e desregulamentação das relações laborais;

na desvalorização social do trabalho;

na descapitalização da Segurança Social.

As propostas de lei de alteração ao "lay-off" e do trabalho a tempo parcial, bem como outras que já se conhecem relativas ao conceito de retribuição, às férias, ao regime de trabalho nocturno, ou ao reconhecimento das associações patronais em participar na elaboração da legislação laboral, são exemplos claros do que afirmámos.

Trariam uma precarização geral e sacrifícios para os trabalhadores, com benefícios escandalosos para o capital, mais encargos e menos receitas para a Segurança Social.

A proposta de lei sobre o trabalho a tempo parcial vai mesmo ao ponto de propor a eliminação da contratação colectiva das "disposições que dificultam ou limitam o acesso" a este tipo de trabalho.

Mas não é só isto, que já não seria pouco.

O Governo do PS quer também impor uma alteração radical na política de emprego, ao pretender "dar um prémio" às entidades patronais que admitam trabalhadores a tempo parcial. Estas beneficiariam da isenção, até 50%, da taxa contributiva para a Segurança Social.

Esta e as outras propostas do Governo, se aprovadas e aplicadas, transformariam os trabalhadores portugueses num autêntico "exército de biscateiros".

O trabalho deixaria de ser um direito e passaria a ser um privilégio, contrariando a Constituição da República Portuguesa e a própria Declaração dos Universal dos Direitos do Homem.

Os trabalhadores da Função Pública não ficam à margem de todas estas medidas de precarização e desqualificação do trabalho.

O Governo pretende lançar na Administração Pública o trabalho a tempo parcial e a semana de 4 dias, com diminuição de ordenado e ainda os chamados estágios profissionais. Estes estágios, sem garantia do emprego para quem os frequenta, são expressamente assumidos "como também a constituição de uma reserva de recrutamento preferencial para a Administração Pública" (sic). E o Governo propõe-se ainda lançar um "programa de promoção de emprego na Administração Pública para jovens à procura do primeiro emprego e para desempregados de longa duração" cuja pretendida colaboração com o Ministério do Trabalho e da Solidariedade indicia que será este a suportar os custos, sendo os trabalhadores contribuintes da Segurança Social a pagar mais esta iniciativa, como acontece com os incentivos ao primeiro emprego, no sector privado.

Senhor Presidente
Senhores Deputados,

A Segurança Social é outra componente das Grandes Opções e do Orçamento com implicações na vida de milhões de trabalhadores, no activo e reformados.

O Orçamento apresente como prioritários 8 vectores, que se prendem com iniciativas legislativas, regulamentares e organizacionais. São particularmente controversas as medidas de «selecção de alternativas para o apuramento do valor das contribuições das entidades empregadoras em funções de bases de incidência distintas das remunerações" de "introdução de um limite de incidência contributiva" e a possibilidade de variação das taxas contributivas.

A possibilidade de variação da taxa social única, que já hoje é objecto de um número muito elevado de reduções, levanta o problema da diminuição de receitas para a Segurança Social e a descaracterização da própria taxa. O Governo nada refere sobre a perda de receitas que daqui resultaria nem sobre qualquer eventual compensação.

Quanto às verbas inscritas no Orçamento, a não desagregação das despesas previstas para cada rubrica não permite a confirmação de que a Lei de Bases da Segurança Social é cumprida - há, neste âmbito, uma falta de transparência e informação.

Por outro lado, não há qualquer compensação pela não transferência para a Segurança Social da totalidade das despesas que deveriam ter sido financiadas pelos Orçamentos de Estado, ao longo de vários anos e que atingem muitos milhões de contos.

O Orçamento da Segurança Social é ainda utilizado pelo Governo para dar incentivos às entidades patronais e descapitalizar o sistema, como atrás referi, com graves consequências futuras para a sua sustentabilidade. São disso exemplo claro as propostas de alteração à legislação laboral.

Mas a luta dos trabalhadores contra tais medidas está a desenvolver-se e acabará por fazer recuar o Governo. As últimas afirmações vindas a público de que a proposta de passar o limite dos contratos a termo de 3 para 4 anos irá ser retirada pelo Governo é já o resultado dessa luta e da consciência que cada vez mais se enraíza em personalidades de vários quadrantes, de que estas medidas representam um retrocesso de valores inadmissível na democracia portuguesa.

Perante o exposto, as Grandes Opções do Plano e o Orçamento do Estado para 1999 merecem do PCP um claro voto negativo.

Porque, para o PCP não há desenvolvimento sustentado da economia ou modernização, seja no sector privado, seja na Administração Pública, sem a dignificação e valorização do trabalho, sem estabilidade no emprego, sem salários justos.

Disse.

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