Intervenção de

Orçamento de Estado para 2003 (debate na generalidade) - Intervenção de Luísa Mesquita

Senhor Presidente Senhores Deputados Senhoras Deputadas Senhores Membros do Governo:

Há, pelo menos, dois milhões e meio de pobres em Portugal

Portugal regista a mais elevada taxa de pobreza de toda a Comunidade Europeia.

Mais de 60% da população já viveu ou vive situações de pobreza.

E é neste quadro que o governo apresenta para 2003 um Orçamento de Estado anti-social.

Um orçamento que penaliza, ainda mais, quem mais precisa. Um orçamento que afronta os trabalhadores e as suas famílias. Um orçamento que selecciona as áreas sociais como alvo a atingir. Um orçamento que põe em causa o desenvolvimento do país. Um orçamento que afasta Portugal, ainda mais, da média europeia.

Um orçamento cego e surdo às expectativas de vida dos trabalhadores, dos idosos, dos pensionistas, dos reformados e dos jovens.

Um orçamento que, contrariamente a outros países, adopta os constrangimentos de um pacto de estabilidade, já classificado como grosseiro e pouco inteligente, ao mesmo tempo que renega os legítimos herdeiros, os portugueses e as portuguesas.

E é assim na educação, na ciência, na cultura e na saúde.

Os sectores sociais passaram a ser, para este governo, numa política economicista, empresas que, depressa e em força, terão que apresentar lucros.

E por isso se abateram sobre áreas cruciais e estratégicas para o país, os maiores cortes dos últimos anos.

Apesar dos dados mais recentes afirmarem que 62,6% da população activa portuguesa não tem 6 anos de escolaridade básica. Apesar da OCDE, considerar que a população portuguesa não possuirá formação igual ou superior a 9 anos em 2015.

O governo do PSD e do CDS sustenta, neste orçamento de estado, para a educação básica e secundária, um corte de 32,5% em matéria de investimento.

A educação pré-escolar e o ensino básico e secundário remetidos, quase na sua totalidade, para os parcos recursos do poder local, têm quebras de investimento respectivamente de 64,5% e 29,3%. Facto que levou o presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses a afirmar que o desenvolvimento do Pré-escolar e do 1º Ciclo do Ensino Básico “irá ficar paralizado”.

Naturalmente que o governo já tem a solução.

Procede ao abate administrativo. Se analisarmos a educação de adultos a situação é igual.

Extinguiram-se os cursos e agora propõe-se um corte de 17,6% nesta área.

Entretanto, há jovens em listas de espera, aguardando uma vaga para se matricularem.

Mas, simultaneamente, repete-se o slogan da qualificação dos portugueses.

É grande a hipocrisia e o cinismo.

Mas o desinvestimento alarga-se à Ciência e ao Ensino Superior que sofre um decréscimo orçamental de 28,5%,. Enquanto na acção social escolar o corte é de 59,2%.

O decréscimo é factual, quer a nível da despesa consolidada do Ministério, quer a nível dos serviços e fundos autónomos.

Mas se a redução no investimento aposta na degradação da qualidade, o orçamento de funcionamento previsto dá uma única certeza às Universidades e Politécnicos.

Ou as verbas previstas se alteram, ou fecham-se as portas do Ensino Superior.

Se à dotação global, retirarmos as propinas, utilizadas para responder às despesas correntes e considerarmos, como boa, a taxa de inflação anunciada pelo governo, o futuro do Ensino Superior está em causa.

Depois de anos e anos de sub-financiamento, as instituições de ensino superior são obrigadas a afectar 95% do seu orçamento de funcionamento a despesas com pessoal.

A convergência para orçamentos mais equilibrados é hoje de acentuada divergência.

Também a Acção Social Escolar do Ensino Superior não foge à regra.

O corte é de 9,3%, o que significa menos 15,5 milhões de euros.

É a qualificação dos portugueses que está em causa. É a competitividade do país É a falta de quadros qualificados. Temos a mais baixa taxa de população diplomada. No entanto temos 3,5% de licenciados desempregados. Há muito emprego sub-qualificado entre a população detentora de graus académicos, o que demonstra também a incapacidade do tecido produtivo em integrar quadros de elevada formação e apostar assim em melhores índices de produtividade e competitividade.

E perante isto o orçamento de estado para 2003, na área da ciência e investigação opta pela estagnação. Enquanto a Comissão Europeia aponta a meta de 3% do PIB para as despesas com Investigação e Desenvolvimento, Portugal desinveste e aposta em 0,7% do PIB.

Este governo não entende qual o papel do conhecimento cientifico no progresso económico e social do país.

A dotação global prevista impedirá o funcionamento dos Laboratórios do Estado. Laboratórios a quem a tutela já retirou a autonomia financeira, contrariamente ao que acontece em toda a comunidade europeia.

Esta perda de autonomia inviabilizará a participação dos investigadores em projectos contratados, nacionais e europeus e determinará a diminuição das receitas e o agravamento das despesas.

As verbas previstas para responder a compromissos internacionais sofrem um corte de 83,9% o que lesará a credibilidade do país para além de consolidar o nosso atraso.

Mas foi este cenário que o Senhor Primeiro Ministro classificou ontem de progresso e de modernidade.

E é com este orçamento que o Senhor Primeiro Ministro pretende melhorar a competitividade do país.

Para este governo a demagogia não tem limites.

E este orçamento de regressão social e de retrocesso civilizacional, alicerça-se, simultaneamente, numa azáfama de produção legislativa, lesiva dos trabalhadores, dos pensionistas, dos reformados, dos jovens, dos mais carenciados e dos mais desprotegidos e atinge, sem excepção, todas as áreas sociais.

É por isso que a Lei de Bases da Gestão Hospitalar, recentemente aprovada pela maioria que sustenta o governo, anuncia o que o orçamento de estado para 2003 chancela.

O decréscimo no investimento é o mote.

Depois suspendem-se projectos.

Interrompem-se concursos. Fazem-se desaparecer verbas previstas no orçamento de 2002.

Pede-se a solidariedade do Poder Local, mas traem-se as expectativas das populações, a quem se nega o direito a um Serviço Nacional de Saúde.

Em troca, opta-se pela privatização de dez novos hospitais e de centros de saúde.

Os direitos constitucionais são sujeitos à lógica do lucro e as populações entregues aos vorazes apetites de grupos económicos.

Mesmo quando, experiências idênticas, em países da comunidade, já evidenciaram à exaustão a falência desta política.

Mas o ataque ao Serviço Nacional de Saúde não se fica por aqui.

Transformam-se os hospitais em sociedades anónimas, viabiliza-se a entrega a privados, de forma avulsa, dos serviços mais lucrativos e o estado atribui-lhes um capital social, até um total inscrito no orçamento para 2003 de 400 milhões de euros, com o objectivo de pagar dívidas, que deixarão de constar nas contas gerais do Serviço Nacional de Saúde.

Estamos perante medidas que garantem, cada vez menos, o acesso de todos os cidadãos aos cuidados de saúde.

Senhor Presidente Senhores Deputados Senhoras Deputadas Senhores membros do Governo

Este governo com este orçamento coloca o país em hasta pública.

Vende direitos. Impõe sacrifícios só a alguns.

É um orçamento do passado, avesso à Cultura, como factor de transformação da vida, como espaço de defesa das identidades e aspirações do povo português.

É um orçamento contrário ao Progresso e à Justiça Social.

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