Intervenção de Bruno Dias na Assembleia de República

"O objetivo do Governo é sempre o mesmo: transformar serviços públicos em negócios privados"

Do Decreto-Lei n.º 174/2014, de 5 de dezembro, que estabelece o quadro jurídico geral da concessão de serviço público de transporte público coletivo de superfície de passageiros na cidade de Lisboa, sem prejuízo da manutenção da concessão atribuída à Companhia Carris de Ferro de Lisboa, SA (Carris, SA)
(apreciação parlamentar n.º 125/XII/4.ª)
Do Decreto-Lei n.º 175/2014, de 5 de dezembro, que estabelece o quadro jurídico geral da concessão de serviço público de transporte por metropolitano de passageiros na cidade de Lisboa e nos concelhos limítrofes da Grande Lisboa, abrangidos pela respetiva área correspondente ao nível III da Nomenclatura para Fins Territoriais e Estatísticos (NUTS), sem prejuízo da manutenção da concessão atribuída à Metropolitano de Lisboa, EPE (ML, EPE) (apreciação parlamentar n.º 126/XII/4.ª)

Sr.ª Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados,
Srs. Membros do Governo:
O principal ou único objetivo do Governo em matéria de política de transportes é sempre o mesmo — transformar serviços públicos em negócios privados. Sacrificando o interesse público ou dos grupos económicos, o único mandamento passa a ser o de acumular os lucros para os distribuir pelos acionistas.
Toda a experiência de privatizações nos transportes públicos traduziu-se num imenso prejuízo para os utentes e o Orçamento do Estado. Em muitos países europeus foi da pior maneira que se aprendeu a lição. Agora, o Governo quer impor ao nosso País, mais uma vez, a aplicação da mesma receita de desastre.
O Governo, agora, quer retomar essas políticas das parcerias público-privadas (PPP) e aplicá-las aos transportes públicos de Lisboa e do Porto, neste caso à Metropolitano e à Carris.
Os sucessivos Governos do PSD, do CDS e do PS, durante décadas, decidiam as obras e mandavam as empresas ir à banca endividarem-se para as fazer. O mesmo aconteceu na exploração comercial das empresas públicas de transportes, com o subfinanciamento crónico, sempre acoberto por dívida. Criaram uma dívida tão grande nas empresas que hoje, com o investimento praticamente a zero, a dívida cresce já só com o pagamento dos juros, a usura, a especulação financeira.
O Governo, com os decretos em apreciação, quer agora impor o agravamento de todo este cenário. Com este novo velho modelo das PPP, as empresas públicas ficariam reduzidas a uma única receita — a proveniente da bilheteira — e, ao mesmo tempo, ficariam obrigadas a pagar ao subconcessionário privado uma verba anual maior do que a receita da bilheteira arrecadada.
Com estas PPP, as empresas públicas ficariam sem qualquer outra hipótese que não a de se endividarem, mais uma vez, em nome do Estado, para suportarem os seus custos próprios relativos ao serviço da dívida, aos complementos da reforma — se o Governo deixar que tenham — e a todas as restantes obrigações que mantêm no contrato de concessão.
Com esta PPP, apenas os subconcessionários privados haviam de ganhar. Ganhavam milhões e ainda ficavam com o direito de explorar diretamente a publicidade, os espaços comerciais e outros serviços de rentabilização do património que lhes era dado para a mão. Veja-se o que aconteceu com a Fertagus.
Para as empresas públicas sobra a asfixia financeira: na Carris, na Metropolitano de Lisboa, em todas as empresas públicas de transportes os utentes ainda hoje sofrem as brutais reduções de oferta que o Governo impôs desde que tomou posse, já a pensar na privatização.
Um outro objetivo do Governo é o de anular os direitos do poder local, designadamente a Câmara Municipal de Lisboa, face à sua intenção anunciada de tudo fazer para impedir a subconcessão da Carris e do Metropolitano a privados.
Da mesma forma, estes diplomas entram em contradição com posições públicas da AML (Assembleia Municipal de Lisboa) e do conjunto dos municípios que a compõem. Aliás, a Carris e o Metro assumem uma importância particular para a cidade de Lisboa, mas desde logo, também, para toda a região metropolitana.
O modelo que o Governo quer implementar e impor assenta na subcontratação e na precarização da mão-de-obra, com tudo o que isso implica para a segurança do transporte.
Os contratos dão ao subconcessionário o direito de rever toda a regulamentação existente na empresa, como já aconteceu no Porto, grande parte dela diretamente relacionada com os trabalhadores. Este é um setor estratégico e estamos a falar da segurança de pessoas e bens com vidas humanas em jogo.
O que queremos aqui reafirmar é que não estamos condenados a esta política, o que é preciso é que o Governo proceda ao saneamento financeiro das empresas, não para beneficiar os interesses privados dos grupos económicos, mas, sim, para defender o interesse público.
O que é preciso é que o Governo estabeleça condições justas de apoio à operação e ao investimento para prestar um serviço público melhor às populações e libertar as empresas deste garrote da banca que as asfixia e da qual o Governo serve os interesses.
(…)
Sr.ª Presidente,
O tempo é tão pouco que só tenho esta pergunta a fazer: os senhores, que gostam tanto de falar dos contribuintes, por que é que não falam da dívida destas empresas, que passou de 17 000 para 21 000 milhões de euros, que os contribuintes vão pagar e que sobram destes negócios que os senhores querem fazer?
Por que é que os senhores não falam dos 7 milhões de euros no Orçamento do Estado para 2015 para indemnizações por despedimentos na Metro?
Por que é que não reconhecem que a Metro e a Carris têm falta de pessoal, tiveram um corte brutal na oferta e um aumento brutal no preço?
Por que é que os senhores não admitem que aquilo que estão a decidir tem consequências demonstradas pela Europa fora ao nível da própria segurança, que já custou vidas humanas em vários países e que os senhores estão a aplicar aqui a mesma receita?
O que é que falta para os senhores tirarem lições e ensinamentos daquilo que está a ser a realidade da receita que estão aqui a aplicar e que já provou no que resulta por toda a Europa?
Já chega, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo! Já chega! Está na hora de esta política ir embora, com os senhores também, de uma vez por todas.

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