Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral, Apresentação Pública de «Um plano para comprar comboios, aumentar a oferta de transportes e reconstruir o aparelho produtivo»

Comprar comboios, aumentar a oferta de transportes e reconstruir o aparelho produtivo

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O ponto de partida hoje é o sector ferroviário nacional, o seu carácter estratégico e a necessidade de realizar os investimentos necessários para a sua modernização e ampliação. Mas estamos aqui para falar de muito mais coisas, concretamente, para usar este exemplo como ilustração do muito que há que mudar em Portugal se queremos trilhar o caminho do desenvolvimento e do progresso.

Enfrentar uma crise económica e social como aquela que está em desenvolvimento exige medidas de emergência, mas é também o momento para corrigir erros estratégicos e romper com um rumo que tem desprezado as actividades produtivas e aprofundado a dependência externa.

Este é o tempo de olhar com seriedade para aqueles que são os principais défices e estrangulamentos nacionais, mas também para observar os recursos e potencialidades existentes e reorientar a economia nacional para uma política de substituição de importações por produção nacional. Estamos perante a constatação do óbvio: um país que não produz não tem futuro. O PCP quer que se faça o óbvio: pôr Portugal a produzir.

Destacamos, entre as várias necessidades existentes, quatro áreas fundamentais para o desenvolvimento da produção nacional que se ligam simultaneamente à ruptura com quatro grandes cadeias de dependência externa que urge inverter, designadamente a produção de alimentos, a produção de medicamentos e equipamentos médicos, a produção de energia e a produção de meios e equipamentos de transporte.

Hoje começa a ser consensual a necessidade de apostar na ferrovia. Ainda bem. Mas antes de avançarmos mais, reflitamos sobre uma questão: e porque se desinvestiu nos últimos 30 anos? Porque se encerraram mais de mil quilómetros de via? Porque se deixou degradar o material circulante nacional?

Porque se deixou encerrar a produção nacional de comboios? Porque se pulverizou a CP? Porque se perdeu tanto saber fazer? Tantas perguntas que se podiam colocar, sempre com a mesma resposta: porque PS, PSD e CDS adoptaram ao longo de todo esse tempo políticas de direita, anti-patrióticas, seguindo as directivas da União Europeia e os postulados da ideologia neoliberal – liberalização, concorrência, privatizações.

Agora, muita gente já descobriu que Portugal pode e deve voltar a produzir comboios – o Governo já falou disso, o presidente da CP já falou disso e até já há um cluster ferroviário nacional. Mas há 20 anos, às portas da Sorefame, a lutar para que ela não encerrasse, estavam os trabalhadores, a população da Amadora e o PCP. E quando nessa mesma altura apresentámos propostas concretas que teriam impedido a destruição da Sorefame, elas foram completamente ignoradas, quer pelos governos que se seguiram do PSD/CDS de Durão Barroso e Santana Lopes, quer pelo Governo PS de José Sócrates.

Mesmo hoje fala-se muito mas continua a fazer-se muito pouco. Estão dois concursos a decorrer para a aquisição de comboios. Nenhum deles foi pensado para alavancar a produção nacional. É evidente que valorizamos o facto de, após 20 anos sem adquirir qualquer comboio, estejam a decorrer concursos para adquirir 14 unidades para o Metro de Lisboa e 22 unidades para a CP. Mas temos de denunciar que assim não vamos reconstruir o aparelho produtivo nacional. Desde logo porque estes concursos não exigem a incorporação nacional. Depois porque são de reduzida dimensão, quando o que seria necessário seria o lançar de concursos para séries longas com entregas faseadas no tempo que permitissem assegurar trabalho de forma continuada ao longo dos anos.

Claro que para que isto seja possível é necessário planificar de forma integrada o desenvolvimento nacional. É preciso que o investimento na infraestrutura ferroviária seja pensado ao mesmo tempo que o investimento no material circulante. É preciso que o investimento no material circulante seja planificado para o médio e o longo prazo, e estruturado por forma a servir o objectivo concreto de desenvolver o aparelho produtivo nacional. É preciso que a formação de técnicos ferroviários – que só se faz no terreno e na prática – seja uma prioridade numa política de valorização do trabalho e dos trabalhadores. É preciso que se dê prioridade à substituição de importações por produção nacional.

Já várias vezes colocámos que em Portugal se confunde fazer muitos planos com a necessária planificação da economia. De facto, planos nunca faltaram.
Mas são quase sempre meras acções de propaganda que nunca saíram do papel e foram substituídos por outros anúncios e outros planos.

Mas raramente se planifica, de facto, o desenvolvimento económico, raramente se apontam as fileiras produtivas que queremos desenvolver e se lhes alocam os necessários recursos. Em vez disso, os governos da política de direita usam os planos para fazer propaganda e depois soltam uns milhões de euros que em regra vão parar aos cofres dos diferentes grupos económicos, nacionais e cada vez mais estrangeiros.

Ou seja, é preciso fazer exactamente o oposto do que se tem feito! É preciso combater a liberalização e mercantilização deste sector, reconstruir a CP como a empresa pública, una e nacional para todo o sector ferroviário, acabando com essa aberração que é a junção da gestão da ferrovia com a rodovia no seio da chamada Infraestruturas de Portugal. Aliás, até já temos aqui um bom exemplo: a EMEF foi reintegrada na CP há 2 anos e os resultados são reconhecidamente positivos.

O PCP apresenta hoje aqui uma proposta ao povo português para que se mobilizem os recursos e meios necessários para que em Portugal se voltem a produzir comboios que respondam não apenas às necessidades de renovação de frota que se irão colocar nos próximos anos, mas também para a sua modernização e expansão. Uma proposta que permite que se construa em Portugal aquilo que nos estão a obrigar comprar lá fora.

A nossa proposta assenta pois em três eixos fundamentais, que outros camaradas aqui desenvolverão:

1. reconstruir um comando único ao sector ferroviário nacional (voltar a ligar a roda ao carril, como dizem os ferroviários);

2. apostar de facto no sector ferroviário como um sector estratégico para a mobilidade de pessoas e mercadorias e para a melhoria do ambiente e da qualidade de vida;

3. aproveitar o volume de investimento necessário para reconstruir a produção nacional de material circulante.

Nós apontamos que nos próximos quinze anos o volume de investimento necessário em material circulante ronde os 3,75 mil milhões de euros, cerca de 250 milhões por ano. Parece e é muito. Podíamos dizer com verdade que é menos do que o País entregou ao grande capital nos processos do Novo Banco ou do BPN. Podíamos dizer, igualmente com verdade, que as parcerias público-privadas vão custar cinco vezes mais no mesmo período. Mas preferimos sublinhar que com esse investimento, se o Estado não se limitar a ir às compras ao mercado e antes apostar na reconstrução da capacidade produtiva nacional, contribuirá para que uma parte importante dele se reproduza economicamente, gerando milhares de postos de trabalho e riqueza em Portugal, para além de permitir no longo prazo diminuir os custos desse investimento no nosso País.

É uma investimento a 15 anos que permitirá dar resposta a três linhas essenciais:

1. substituir toda a actual frota nacional para o transporte ferroviário pesado de passageiros, que está envelhecida fruto do desinvestimento dos últimos trinta anos;

2. permitir aumentar a oferta de transporte ferroviário de passageiros onde tal se coloque como necessário;

3. rentabilizar o conjunto de investimentos na infraestrutura que estão em curso, que estão planificados ou possam ser planificados.

Para o PCP o investimento que está a ser feito na ferrovia nacional, sendo insuficiente, não pode nem deve ser para ver passar os comboios alemães, franceses ou espanhóis.

Este investimento que propomos, permitirá resolver múltiplos objectivos: aumentar a oferta nos comboios urbanos em todas as actuais linhas, substituir a frota de Cascais e criar novos serviços urbanos a Leixões e à linha do Oeste; dar resposta a uma oferta requalificada e alargada nos Regionais da CP, potenciando a electrificação das Linhas do Algarve, do Minho, do Oeste e do Alentejo, voltando a servir a Linha do Sul com Regionais, modernizando a oferta na Linha do Douro, do Norte, da Beira Baixa, de Alfarelos, de Tomar, do Leste; melhorar a oferta do Intercidades assumindo o objectivo de disponibilizar ligações rápidas, directas e de capacidade flexível, com elevado conforto e serviços complementares como cafetaria ou transporte de bagagem volumosa e bicicletas; substituir e alargar a frota dos Alfas, dando pleno uso à nova ligação Lisboa-Porto; reconstruir e alargar as ligações internacionais, incluindo na vertente de alta velocidade.

É um investimento significativo mas para o qual existem os recursos suficientes, seja no quadro do chamado Plano de Recuperação e Resiliência e dos quadros comunitários de apoio, seja no quadro do Orçamento de Estado, seja por via de outras possibilidades de financiamento para investimentos produtivos. É tudo uma questão de opção sobre onde se colocam os investimentos públicos e para onde é que são canalizados os recursos nacionais. O grande capital e seus representantes gritam que o que é preciso é dar-lhes a eles o dinheiro que assim ficamos todos mais ricos. Nós reafirmamos que o investimento público deve servir para satisfazer as necessidades nacionais e colectivas, e não para engordar a conta bancária de alguns.

Com uma importante vantagem que queremos aqui destacar: o Governo e a União Europeia dão muito destaque à necessidade de descarbonizar e de realizar a transição energética. Sobre isso haveria muito para dizer, mas será noutra iniciativa. Mas uma coisa é certa: apostar na ferrovia e no transporte público é a medida que mais contribui para a descarbonização e para a transição energética, com a vantagem de que, se correctamente planificada, contribui ainda para o desenvolvimento do aparelho produtivo nacional e para a melhoria da mobilidade e da qualidade de vida das populações.

As intervenções que se irão seguir irão detalhar os aspectos centrais da proposta que hoje aqui apresentamos. Mas permitam-me que volte ainda a sublinhar ainda este aspecto. Há muito tempo, há demasiados anos que se passou a olhar para realidade industrial do nosso País como uma questão do passado. No PCP, nós olhamos para a indústria, para a indústria transformadora em concreto, como uma questão do futuro. E se o futuro da mobilidade passa pelo transporte ferroviário, então tomemos nas nossas mãos os destinos do nosso País. Produzindo em Portugal os comboios de que vamos precisar nos próximos anos, criando emprego e emprego qualificado, desenvolvendo a nossa capacidade científica e industrial, apostando na substituição do transporte individual pelo transporte colectivo, melhorando o ambiente e a qualidade de vida dos trabalhadores e do povo português. É este o nosso compromisso.

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