Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral, Tribuna Pública «Combater a Covid-19, recuperar atrasos, garantir o acesso aos cuidados de saúde»

É fundamental a defesa e reforço do SNS para garantir o direito à saúde, com a aplicação do plano de emergência para o seu fortalecimento

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A realização desta Tribuna Pública, inserida no âmbito da acção nacional promovida pelo PCP: «Combater a COVID-19, recuperar atrasos, garantir o acesso aos cuidados de saúde», tem como objectivo, nesta fase de desenvolvimento do surto epidémico, chamar a atenção para a situação em que se encontram os cuidados de saúde primários, unidades fundamentais no combate à COVID-19, na recuperação dos atrasos verificados e na garantia do acesso de todos os portugueses aos cuidados de saúde.

Parte dos problemas com que os Cuidados de Saúde Primários se confrontam hoje, não têm origem na epidemia.

A falta de médicos e enfermeiros de família, dificuldades na marcação de consultas, extensas filas à porta dos Centros de Saúde à espera de uma vaga que quase dificilmente é conseguida, apenas se agravaram com a epidemia.

Quando em Março o Serviço Nacional de Saúde foi confrontado com os primeiros casos de COVID-19, situação que obrigou a uma reorganização dos serviços para responder à epidemia, o PCP chamou a atenção para a necessidade de se reforçar o SNS, caso contrário, mesmo que viesse a ser dada uma resposta positiva à epidemia, como veio a acontecer, muitos portugueses com outras patologias podiam ficar para trás com todas as consequências que daí podiam resultar.

No seguimento destes alertas, o PCP apresentou no mês de Maio, um Plano Nacional de Emergência para reforço do SNS.

Partindo de uma análise rigorosa do trabalho realizado nos meses de Março e Abril, das experiências recolhidas, das necessidades identificadas e dos meios necessários para combater o surto epidémico e regularizar a actividade normal na prestação de cuidados, o Plano apresentado pelo PCP, caso tivesse sido aprovado e concretizado, muitos dos problemas que hoje afectam o normal funcionamento do SNS teriam sido ultrapassados.

A vida acabou por confirmar que tínhamos razão.

A não existência de uma intervenção decidida no sentido de reforçar a estrutura de saúde pública, a não contratação de mais profissionais em número suficiente para responder às necessidades dos serviços, a não abertura de mais camas para internamento dos doentes com a COVID-19, particularmente camas de cuidados intensivos, fez com que a pressão sobre os serviços e os profissionais atingisse limites insustentáveis e provocou atrasos, cujas consequências são imprevisíveis.

Um Plano Nacional que aponta para, entre outras medidas: acabar com o subfinanciamento que sucessivos governos do PS, PSD e CDS têm sujeitado o SNS e que tem funcionado como um garrote no funcionamento do serviço público; elevar a mobilização e modernização da capacidade de diagnóstico e terapêutica instalada no SNS; o reforço do número de profissionais; o início da formação da especialização para todos os médicos em condições de a começarem; o aumentar da capacidade instalada em 800 camas de agudos e reforçar o número de camas de Cuidados Intensivos; aumentar os recursos humanos na área da saúde pública.

Não foi esta a opção do Governo do PS e os resultados estão à vista – mais de 1 milhão de consultas por fazer, mais de 150.000 cirurgias não realizadas e que agora estão a ser transferidas para os hospitais privados.

Procurando passar entre os “pingos da chuva”, PSD e CDS, como se não tivessem nenhuma responsabilidade na situação, desenvolvem no plano político e ideológico, uma brutal ofensiva contra o SNS, protagonizada no terreno pelos seus quadros instalados em instituições e organizações ligadas à saúde, com apoio mediático na comunicação social, com que procuram destruir o SNS, passando uma parte significativa da actividade deste para os grupos económicos da área da saúde.

Dizem que o SNS não tem condições, por si, de combater a COVID-19 e garantir a actividade normal e sendo assim ao Governo só resta entregar a estes grupos uma parte da actividade do SNS, pelo que exigem o reforço do orçamento do SNS porque, dizem, esta transferência tem custos elevados.

Ou seja, estão a olhar para a situação, não como uma situação excepcional que pode exigir medidas excepcionais, mas apenas como uma oportunidade de negócio.

Pregoam aos sete ventos que é preciso juntar o público, o privado e o social e que apenas por razões ideológicas esta opção ainda não foi feita.

Falam como se desconhecessem que já hoje, os grupos económicos da saúde, não tivessem contratualizado com o serviço público, uma parte significativa da actividade deste e que recebem por essa prestação de serviços, uma fatia do orçamento do SNS superior a 5.000 milhões de euros/ano.

Ao longo dos anos, particularmente nas últimas duas décadas, o processo de aquisição de serviços aos privados por parte do SNS, não parou de crescer.

Existem mesmo alguns serviços fundamentais na prestação de cuidados, que hoje estão praticamente nas mãos de privados e que deviam ser internalizados no SNS, como é o caso dos exames de diagnóstico e terapêutica cujo custo para o SNS, é superior a 500 milhões de euros ano, ou a hemodiálise onde os privados detêm 98% dos cuidados prestados com custos para o SNS de cerca de 300 milhões de euros.

Uma vergonha camaradas e amigos, porque mesmo onde existem condições para realizar estes actos nas unidades hospitalares do SNS, a opção muitas vezes é mandar fazer fora.

Uma campanha que chegou ao ponto de ser o próprio Presidente da República a vir anunciar que estavam em curso negociações com as ARS para contratualizar a participação dos privados neste esforço conjunto, como é dito.

As últimas notícias confirmam que a campanha está a surtir o efeito desejado, com acordos já firmados e doentes a serem transferidos para os hospitais privados.

Não pondo em causa todas as soluções que a situação exija, reafirmamos que não é a mesma coisa tratar os doentes no público e no privado. Enquanto no público a lógica da prestação de cuidados é a saúde, no privado a lógica é a doença. Nestes importa sobretudo é o número de actos médicos, plasmados na factura final e a garantia do pagamento.

A opção que tem de ser feita hoje, como anteriormente, e ainda se vai a tempo, é reforçar o SNS e não ir por um caminho que mais cedo do que tarde, levará à destruição do SNS e à formação de um sistema de saúde calculado em função do interesse dos privados e não dos portugueses.

A situação que se vive no plano sanitário é preocupante. A epidemia tem vindo a crescer sem que a estrutura de saúde pública, onde faltam centenas de profissionais entre médicos, enfermeiros e outros técnicos, consiga travar o desenvolvimento da doença. Uma estrutura decisiva para a localização, acompanhamento das cadeias de contágio e para a sua interrupção.

Neste quadro de insuficiências que afectam o SNS e a prestação de cuidados, insuficiências, aliás, patentes na proposta do Orçamento do Estado, o PCP não deixará de intervir no quadro da discussão do Orçamento na especialidade com um conjunto de propostas que dão corpo, não apenas ao Plano Nacional de Emergência, mas a um conjunto de investimentos fundamentais para apetrechar as unidades do SNS com os instrumentos que contribuam para o cumprimento da sua missão.

Não basta tomar medidas que condicionam a vida dos portugueses.

Medidas que por vezes são difíceis de entender pelo facto de terem tanto de absurdas como falta de eficácia, como aconteceu relativamente às limitações à mobilidade de milhões de portugueses, ou com a Lei aprovada na Assembleia da República sobre a obrigatoriedade do uso da máscara, que para além da sua fiscalização ficar remetida para um espaço de discricionariedade que será certamente fonte de múltiplas situações de discrepâncias, conflitos indesejáveis e potenciais abusos de poder, acentua uma linha de responsabilização individual que não pode, de forma nenhuma, aceitar-se como substituição das medidas que se impõem face à evolução da COVID-19, antes de mais o reforço do SNS.

Dois caminhos estão em decisão nos próximos meses: a defesa e reforço do SNS para garantir o direito à saúde, com a aplicação do plano de emergência para o seu fortalecimento, ou o definhamento do SNS e das suas estruturas, canalizando os fundos públicos do seu financiamento para engrossar os lucros e o poder dos grupos monopolistas da saúde.

O apelo do PCP é que os trabalhadores, os democratas, todos aqueles que ao longo dos anos mantiveram de pé esta importante conquista de Abril, que é o Serviço Nacional de Saúde, considerem a sua defesa como um imperativo nacional.

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