Intervenção de Agostinho Lopes, Membro do Comité Central do PCP, Conferência do PCP «Engels e a luta na actualidade pelo socialismo»

Engels e as forças produtivas

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“Numa certa etapa do seu desenvolvimento, as força produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou, o que é apenas uma expressão jurídica delas, com as relações de propriedade no seio das quais se tinham até aí movido. De formas de desenvolvimento das forças produtivas, estas relações transformam-se em grilhões das mesmas. Ocorre então uma época de revolução social.”
“A burguesia não pode existir sem revolucionar continuamente os instrumentos de produção, por conseguinte as relações de produção, por conseguinte a totalidade das relações sociais”. (…)

O constante revolucionar da produção, o abalar ininterrupto de todas as condições sociais, a incerteza e a mobilidade eternas, distinguem a época da burguesia de todas as outras.” (Marx e Engels)

Camaradas e amigos

A análise das Forças Produtivas e da sua interacção com as Relações de Produção Capitalistas, estão na base da Economia Política e do Materialismo Histórico de Marx e Engels. Quando estamos a viver uma nova e poderosa Revolução Científica e Técnica é inteiramente justificado regressar a Engels (e Marx).

As suas teses centrais são conhecidas.

A dialéctica das interacções Forças Produtivas/Relações de Produção (Capitalistas). As relações de produção de «formas de desenvolvimento das Forças Produtivas» a «grilhões». A contradição central entre Forças Produtivas feitas sociais pelo capitalismo (pela divisão do trabalho) e a apropriação privada (capitalista) da sua produção. A imperativa e permanente pressão «coerciva» para a revolução das Forças Produtivas pelos capitalistas. A evolução das formas (organização, estruturas, propriedade, gestão) do capital, no quadro e defesa das Relações de Produção Capitalista, para corresponder à expansão, dimensão e potência, e natureza social das Forças Produtivas em desenvolvimento - sociedades por acções, trusts, monopólios, propriedade do Estado. As potencialidades (do desenvolvimento) das Forças Produtivas na resposta aos problemas criados pelo capitalismo e a exploração capitalista, que as Relações de Produção Capitalistas impedem de concretizar.

E é na dinâmica contraditória das Forças Produtivas e Relações de Produção Capitalistas que Engels explica as crises do capitalismo e o amadurecimento das condições objectivas para a superação dessas mesmas Relações e o modo de produção capitalistas. Cito «Nas crises a contradição entre produção social e apropriação capitalista rebenta violentamente. A colisão económica atingiu um ponto culminante: o modo de produção rebela-se contra o modo de troca.» Depois a «Revolução Proletária, resolução das contradições: o proletariado conquista o poder público e transforma, por força deste poder, os meios de produção sociais que se escapam das mãos da burguesia em propriedade pública. Por este acto liberta os meios de produção da qualidade de capital até aqui possuída e dá ao seu carácter social plena liberdade para se afirmar.»

Mas anotam os fundadores do marxismo: para que tal aconteça é necessário que estejam presentes «os elementos materiais de um revolucionamento total – ou seja, por um lado as forças produtivas existentes, por outro, a formação de uma massa revolucionária que faz a revolução (...)». Sem nunca assumirem uma posição economicista, determinista, simplista. Na sua carta a Joseph Bloch já hoje aqui citada, Engels contesta os que fazem essa leitura dos seus escritos e de Marx. E distingue a «acção decisiva das condições económicas da acção não decisiva, mas podendo ser determinante», das condições políticas.

Na época de Revolução Social, aconteceu em 1917 a Revolução Bolchevique de Outubro, depois dos desenvolvimento teóricos e práticos de Lenine, na construção de um Partido de «Novo Tipo».

Camaradas e amigos

2. Qualquer que seja o baptismo da Revolução Científica e Técnica em curso estamos perante um salto qualitativo no revolucionamento das forças produtivas materiais. A marca é a objectivação de funções cerebrais abstractas na máquina, por contraponto às revoluções anteriores de objectivação da mão na ferramenta e máquina ferramenta.

Os enunciados de Marx e Engels mantêm-se válidos nas suas considerações essenciais, nas leis tendenciais apontadas, nas consequências previstas
Impulsionando esta Revolução, o capitalismo limita a sua extensão e aprofundamento, por restrições de investimento, desviado para a especulação financeira, aplicado segundo a lógica de máxima arrecadação de lucros, desviado para objectivos militares em vez de respostas à alimentação e saúde da humanidade. Contraditoriamente agravou-se a pressão coerciva sobre cada capitalista no sentido do aumento da composição orgânica do capital.

Aprofundou-se e aprofunda-se a natureza social das forças produtivas. Simultaneamente a apropriação privada da riqueza produzida nunca foi tão monstruosa. Nunca como hoje a polarização social foi tão nítida, as desigualdades sociais e espaciais foram tão acentuadas. Desenvolveram-se novas e sofisticadas fórmulas de organização do capital. Agudizaram-se as contradições e antagonismos, na relação capital/trabalho, com a multiplicação de milhões de desempregados, continuando a evidenciar que sob as relações de produção capitalista, a força de trabalho é supérflua. A anarquia e a irracionalidade na produção, na distribuição e no consumo atingem patamares inimagináveis.

Nada de novo face ao que Engels escreveu há 140 anos: «A grande indústria, por fim, e o estabelecimento do mercado mundial tornaram a luta universal, e ao mesmo tempo deram-lhe uma violência inaudita. Entre capitalistas individuais, bem como entre indústrias inteiras e países inteiros, o que decide da sua existência é o favor das condições de produção naturais ou criadas. Os vencidos são inexoravelmente eliminados.»
A crise e os «ciclos viciosos» e colisões económicas no movimento ascensional e de consolidação da «grande indústria» de que nos falava Engels, continuam a sacudir as sociedades e o mundo, com sobressaltos e picos agudos como o de 2007/2008 e aquele em que nos encontramos.

Camaradas e amigos

Algumas anotações e sublinhados.

O contínuo revolucionamento das Forças Produtivas

«É a força motora da anarquia social da produção que transforma a capacidade infinita de aperfeiçoamento das máquinas da grande indústria num preceito coercivo, para cada capitalista individual, de aperfeiçoar cada vez mais a sua maquinaria, sob pena de ruína. Mas o aperfeiçoamento da maquinaria significa tornar supérfluo o trabalho humano

Três grandes factores a impulsionar a actual Revolução Científica e Técnica: a referida e central coercitividade para o aumento da composição orgânica do capital. A procura da supremacia militar, no contexto do domínio do planeta pelos pólos/potências da Tríade EUA/UE/Japão e a produção de armas para um mercado sempre solvável. E também a própria inércia das “estruturas científico-técnicas”.

Funções ideológicas da Revolução Tecnológica

A Revolução Científica e Técnica não é uma produção ideológica, no sentido de ser coisa falsa. Mas tem evidentes funções ideológicas. Sofre um aproveitamento instrumental pelas classes dominantes. Há muito que surge como elemento central do neoliberalismo. Tem particular papel na argumentação da liberalização e desregulamentação do mercado da força de trabalho. Ela é uma peça chave na “substituição” da superação do capitalismo/revolução socialista pela revolução tecnológica.

A revolução tecnológica substitui o capitalismo como causa das desigualdades sociais e regionais. Segundo o Estudo do FMI, significativamente denominado “Compreender as causas da diminuição da taxa dos rendimentos do Trabalho no Rendimento Nacional”, “(…) nas economias avançadas, aproximadamente metade da diminuição da participação dos rendimentos do Trabalho no Rendimento Nacional pode-se atribuir ao impacto da tecnologia”. “(…) juntas, a tecnologia e a integração mundial explicam cerca de 75% da diminuição da participação do Trabalho no Rendimento Nacional da Alemanha e França, e cerca de 50% nos Estados Unidos.

A questão central do (tempo de) trabalho, na Revolução Tecnológica/ «economia digital»

O Fórum de Davos prevê a extinção de 5 milhões de postos de trabalho. Um Estudo da Harvard Business Review afirma que “(…) cerca de metade das actividades remuneradas na economia global têm o potencial de serem automatizadas por tecnologia já existente”. Na UE “entre 42% a 52%”. Em Portugal, o Ministério da Economia «estima» que “a Indústria 4.0 terá um impacto directo em 54% dos empregos existentes”.

O catastrofismo dos nºs de desempregados/postos de trabalho liquidados, tem um objectivo central: a chantagem sobre os trabalhadores e as suas organizações (sindicatos). Querem que o mundo laboral aceite sem luta ou repulsão a redução/reversão dos direitos garantidos por leis laborais anteriores.
No centro dessas batalhas tem estado a disputa pelo tempo de trabalho “comprado” pelo capital – o horário de trabalho. A consolidação das oito horas de trabalho, nas lutas desencadeadas nas duas 1ªs revoluções tecnológicas, é um marco. Não é por acaso, que “aproveitando” a actual crise o capital o ameaça. O que não deixa de apontar para o paradoxo de que se estando a substituir homens por máquinas, se esteja simultaneamente a procurar que os restam sob o jugo capitalista tenham mais horas de trabalho…Bem visível na oposição absoluta do capital a nova redução do horário de trabalho, para a semana de 35 horas.

E fácil é entender que não há problema nenhum ou que a resolução é fácil, no aparente conflito máquina/nº de trabalhadores. Basta reduzir o tempo (horário) de trabalho para mesmo maximizando a entrada em funções de nova tecnologias disponíveis, nem um só trabalhador seja necessário despedir.

Camaradas e amigos

3. Necessário será também quebrar a ilusão de que o capitalismo, perante o desastre e a catástrofe a que conduziu o planeta, será capaz de se reformar para se salvar! Como denuncia Engels «(...) esperar do modo de produção capitalista uma outra repartição dos produtos seria exigir que os eléctrodos de uma bateria deixassem a água por decompor enquanto estão ligados à bateria, e que não desenvolvessem Oxigénio no pólo positivo e Hidrogénio no pólo negativo.»

O desenvolvimento das Forças Produtivas não cabe mais no sistema capitalista. As Forças Produtivas profundamente sociais precisam de relações de produção também sociais.

Nunca, na história da humanidade as (potentes) forças produtivas dos nossos dias foram o resultado tão extenso e profundo do trabalho colectivo/social, passado (morto) e actual (vivo) do ser humano, e nunca como hoje essa apropriação se fez em benefício directo de tão poucos, os tais 1%. E as suas potencialidades são estranguladas na sua utilização pacífica e progressista, pelo monopolização privada da gestão.

Dizem cientistas do MIT: “A tecnologia cria possibilidades e potencial, mas, no final de contas o futuro que teremos vai depender da escolha que fizermos. Podemos colher uma riqueza e uma liberdade sem precedentes ou o maior desastre que a humanidade já viu”.

«A possibilidade de assegurar a todos os membros da sociedade, graças à produção social, uma existência que não é só perfeitamente suficiente do ponto de vista material, e que se torna mais rica de dia para dia, mas que lhes garante também a formação e o exercício integrais e livres das suas capacidades físicas e espirituais, tal possibilidade existe agora pela primeira vez, mas existe.» - escreveu Engels.

Até porque - como também escreveu Engels - «As potências estranhas, objectivas, que até aqui dominavam a história, passam para o controlo dos próprios homens. (...). É o salto da humanidade do reino da necessidade para o reino da liberdade.» Mas não foi e não será um caminho fácil...