Intervenção de Jerónimo de Sousa na Assembleia de República

«As soluções não podem ser as de ontem, o País precisa de novas soluções, uma política alternativa, patriótica e de esquerda»

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Senhor Presidente,
Senhor Primeiro-ministro

Realizamos o presente debate sobre o estado da Nação num momento de acrescida preocupação em relação ao presente e ao futuro da nossa vida colectiva.

Sabemos que os muitos problemas que o País enfrenta não são de hoje. Há muito que estão identificadas as fragilidades estruturais do País que décadas de política de direita contrária aos interesses nacionais, sistematicamente agravaram.

O que precisamos de debater é, por isso, o estado de um País que mantém os seus crónicos défices estruturais – à cabeça dos quais está um grave défice produtivo que um continuo processo de desindustrialização e de abandono de outras actividades produtivas foi agravando. Défices que permanecem noutros domínios como o energético, o científico e tecnológico, o demográfico, de infraestruturas e serviços públicos. Um País que se tornou crescentemente dependente, com níveis de crescimento económico rastejantes. Um País que continua a apresentar cavadas desigualdades sociais e regionais e graves problemas sociais, onde pesa a precariedade no trabalho, o desemprego e uma persistente e injusta distribuição da riqueza.

Toda uma realidade que fragilizou e debilitou Portugal e que agora o surto epidémico expôs em toda a sua crueza.

Na segunda metade da década alguns problemas foram atenuados, nos planos do emprego, do crescimento económico, da melhoria das condições de vida com a política de recuperação e conquista de direitos, salários e remunerações para a qual o PCP deu um decisivo contributo com a sua insistente intervenção e proposta.

Atenuaram-se e deu-se solução a problemas mais imediatos, mas não se resolveram os grandes problemas nacionais, porque faltou e ainda hoje permanece adiada a política que se impunha para lhe dar resposta.

O que há muito estava mal, encontra-se hoje pior e a permissiva política do governo que impôs o Lay-off com um substancial corte dos salários e deixou espaço a milhares de despedimentos e a arbitrárias imposições nas condições de trabalho , agravada pelo facto de a generalidade das milhares de micro, pequenas e médias empresas terem ficado entregues à sua sorte.

As medidas avançadas, além de seguirem na direcção errada, ficaram aquém do necessário para enfrentar a grave situação económica em que o País se encontra, marcado que está hoje pela perspectiva de uma recessão económica profunda, pela ameaça de encerramento de milhares de micro, pequenas e médias empresas, pelo disparar do desemprego e pela redução significativa do poder de compra por parte dos trabalhadores e das populações.

Faltam medidas e opções, de curto e de longo alcance, que não estejam condicionadas pelos interesses dos grupos económicos e financeiros e pelas imposições da União Europeia. Soluções para redinamizar a economia, garantir os salários e empregos, dinamizar o investimento público, alargar os apoios sociais a quem ficou privado de tudo e, inclusive, para dotar o Serviço Nacional de Saúde da capacitação indispensável para responder às necessidades imediatas no plano sanitário e para reforçar o nível de resposta exigível à garantia dos cuidados de saúde em geral.

Portugal precisa de tirar lições da realidade que a epidemia revelou, mas nem o PS e seu governo, nem PSD e CDS estão interessados em colher tais ensinamentos.

Não querem reconhecer a importância do papel dos trabalhadores e a centralidade do trabalho na sociedade que urge valorizar e dignificar; o papel dos serviços públicos e, em particular, do Serviço Nacional de Saúde; a valorização do mercado interno, agora mais evidente quando o País fica condicionado por decisões que não controla; a importância da produção nacional e a necessidade do País não prescindir do objectivo de assegurar a sua soberania alimentar e ter os sectores estratégicos nas mãos do País.

As lições das opções erradas que constituem a subordinação da política orçamental às imposições da União Europeia; os problemas que resultam da ausência de soberania monetária e orçamental.

Lições que apontam para a necessidade de assegurar uma política alternativa, patriótica e de esquerda.

Lições que dão razão ao PCP, quando se tem batido pela libertação do País dos constrangimentos e condicionamentos do Euro, da dívida, das políticas orçamentais restritivas que retraem o investimento, que impedem de adquirir os equipamentos que o País carece, construir infraestruturas, assegurar serviços púbicos essenciais. Quando o PCP chamava à atenção para a necessidade de assegurar prioritariamente a defesa e o desenvolvimento dos sectores produtivos nacionais, incluindo a reindustrialização do País, modernizando e diversificando, tirando partido e aproveitando os seus próprios recursos, para produzirmos cá o que nos impuseram comprar lá fora,. Quando avançamos com as propostas visando recuperar para o País, sectores estratégicos que nunca deviam ter sido privatizados.

O que a actual situação obriga a reconhecer é que, se tivesse sido considerada a política alternativa que o PCP propõe, o País estaria hoje melhor preparado para enfrentar adversidades e para crescer e se desenvolver.

As opções de classe do Governo do PS, a acção revanchista do PSD e do CDS e dos seus sucedâneos, ao serviço dos interesses de classe do grande capital, não dão resposta aos problemas nacionais, como tenderão a agravar as consequências inerentes à actual situação.

Tal como no passado noutras circunstâncias, mais uma vez, uns e outros, esperam por uma solução milagrosa que há-de vir de fora.

O que agora foi aprovado no Conselho Europeu é insuficiente e há-de ser pago pelo País. Não nos deixamos deslumbrar pelos números. Mas não iludindo que ainda que conjunturalmente Portugal disporá de um montante apreciável o que se exige é que ele seja utilizado ao serviço de uma estratégia de desenvolvimento soberano, rejeitando imposições e condicionalismos externos.

Senhor Presidente,
Senhor Primeiro-ministro,

Este é o tempo de fazer opções.

Portugal precisa de pôr em marcha um verdadeiro programa de desenvolvimento do País, guiado pelo interesse nacional e não ditado pela agenda das grandes potências da União Europeia e os interesses das multinacionais.

Um verdadeiro programa de recuperação e desenvolvimento exige deter nas mãos do País os instrumentos apropriados.

Assumir uma agenda própria que olhe para os problemas do País sem condicionamentos, nem constrangimentos.

Temos que combater as consequências da epidemia e dar resposta aos problemas que estão a montante para garantir um Portugal com futuro.

Sim, as soluções não podem ser as de ontem, o País precisa de novas soluções na base de uma política alternativa, patriótica e de esquerda.

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