Intervenção de Diana Ferreira na Assembleia de República

«O teletrabalho não pode servir para o capital criar ilusões e fragilizar os direitos dos trabalhadores»

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Sr. Presidente,
Srs. Deputados,

O teletrabalho é um instrumento que, tendo sido utilizado no actual contexto por forças das circunstâncias de saúde pública, há quem queira alargar, “endeusar” e promover como uma panaceia para todos os males.

Nada mais longe da realidade.

Não está, naturalmente, em causa o aproveitamento das novas tecnologias – que devem, sim, estar ao serviço do desenvolvimento e da melhoria das condições de trabalho e de vida.

O que está em causa é o aproveitamento por parte do capital para criar ilusões e fragilizar os direitos dos trabalhadores.

A quem serve o recurso alargado a este instrumento? Ao capital que agrava a exploração com intensificação do trabalho, com maior pressão para alargamento do período de trabalho, para a disponibilidade permanente, com a dificuldade acrescida de definir, controlar e fiscalizar os tempos de trabalho.

Quem sai efectivamente a ganhar (e a acumular) com tudo isto? As entidades patronais, especialmente as grandes empresas, que reduzem custos e transferem para os trabalhadores custos de instalações, água, electricidade, comunicações, bem como a pressão para o uso de instrumentos de trabalho do trabalhador ao serviço da empresa.

O que quer verdadeiramente o capital? Fazer caminho para acabar com componentes da remuneração dos trabalhadores (subsídio de refeição e outros prémios e subsídios), seja no imediato ou num mais longo prazo; retirar direitos aos trabalhadores, impondo horários ainda mais desregulados, jornadas continuadas de trabalho, disponibilidade total para o trabalho a qualquer hora.

Pretende sacudir responsabilidades que são suas, incluindo em questões de segurança e saúde no trabalho e da protecção de acidentes de trabalho, estabelecendo a confusão entre o que é esfera privada ou de trabalho em condições de teletrabalho no domicílio.

É a invasão da privacidade da vida dos trabalhadores. A confusão entre o espaço de trabalho, o espaço familiar, o espaço pessoal e privado. É o patrão dentro da casa do trabalhador.

Acresce o isolamento social dos trabalhadores – o objectivo da separação física e do maior isolamento dos trabalhadores uns dos outros, em seu prejuízo, negando a possibilidade de partilha de experiências e conhecimentos que favorecem o seu desenvolvimento profissional e pessoal, promovendo a fragilização, se não uma ruptura na construção de laços de sociabilização e de afirmação de espaços de solidariedade colectiva, com impactos negativos no esclarecimento, na unidade, na organização e na luta dos trabalhadores.

É a tudo isto que é preciso estar atento, como é preciso travar qualquer fragilização de direitos.

Desde logo opondo-nos à ideia de que o acordo entre trabalhador e empregador é suficiente para regular esta relação. Não é. Nunca foi. Todos sabemos que na relação entre trabalho e capital há uma parte mais fraca e uma outra mais forte.

Não ignoramos que há trabalhadores em situação de teletrabalho – não só no contexto do surto, como antes do mesmo. E cá estaremos para defender os direitos desses trabalhadores. Mas não embandeiramos em arco nem alimentamos ilusões de que o teletrabalho e a sua generalização são a solução milagrosa.

Nem é o teletrabalho que resolverá problemas de inclusão das pessoas com deficiência – que o que precisam sim é que todas as barreiras arquitectónicas sejam derrubadas e os postos de trabalho devidamente adaptados. Não precisam de ficar fechadas em casa, sozinhas, longe de vivências colectivas.

Não resolverá o problema dos cuidadores informais – que o que precisam é que as entidades patronais reconheçam e cumpram o seu direito a acompanhar e a cuidar de outro.

Não é o teletrabalho que resolverá um conjunto de problemas laborais sentidos todos os dias – exploração, precariedade, baixos salários, intensos ritmos de trabalho, pressões, desregulação de horários, longas jornadas de trabalho; pelo contrário, poderá sim contribuir para o seu aprofundamento.

Nem resolverá problemas que persistem com transportes públicos – o que importa é o reforço da oferta e da qualidade dos transportes; o desenvolvimento equilibrado do País, o planeamento e ordenamento do território, a fixação das actividades produtivas e da habitação como caminho necessário para reduzir deslocações, poupando tempo e recursos.

Há intensas lutas a travar na elevação das condições de vidas dos trabalhadores: defesa do emprego e emprego com direitos; valorização geral dos salários; redução do horário de trabalho e horário regulado; defesa da contratação colectiva; reforço dos direitos de maternidade e paternidade; reforço (e cumprimento) dos direitos de saúde, higiene e segurança no trabalho.

O PCP estará presente em todos esses combates; seja junto dos trabalhadores nas suas lutas, seja com a nossa intervenção institucional.

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