Projecto de Lei N.º 438/XIV/1.ª

Plano de Emergência para o Serviço Nacional de Saúde

Exposição de motivos

Apesar das dificuldades e das insuficiências, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) demostrou ser a solução e o instrumento para assegurar os cuidados de saúde a todos os utentes e não deixar ninguém para trás.

A natureza universal e geral do SNS, bem como o seu carácter público, mais uma vez demonstraram que é a solução para assegurar o tratamento de todos os utentes em igualdade, com qualidade e sem discriminações em função das condições económicas e sociais.

O SNS provou ser a solução para garantir em pleno o direito à saúde, tendo tido um reconhecido e insubstituível papel na resposta ao surto epidémico, que deixa evidente que é o único instrumento capaz de garantir o direito à saúde, hoje e no futuro.

É igualmente reconhecida a determinação, o esforço e a dedicação dos profissionais de saúde, médicos, enfermeiros, técnicos, assistentes técnicos e assistentes operacionais. Mesmo num momento extremamente difícil, os profissionais de saúde disseram presentes.

Enfrentamos o surto, em condições de grande debilidade da estrutura de saúde pública, depauperada nos seus meios, nomeadamente humanos. Durante anos, a estrutura de saúde pública foi profundamente desvalorizada, contudo a realidade veio também comprovar a importância da estrutura de saúde pública, do investimento na sua capacidade e proximidade junto das populações.

Está em marcha uma grande operação dirigida a partir dos grupos económicos do negócio da doença, dos seus representantes políticos e propagandistas, incluindo de sectores reacionários com o objetivo de descredibilizar o SNS pôr em causa a capacidade do serviço público na recuperação dos atrasos provocados nas listas de espera.

Sem o SNS, o tratamento dos doentes afetados pela covid 19, certamente teria sido bem diferente. Não haveria, nesta situação, seguradoras nem prestadores privados que valessem aos portugueses.

Portanto, perante as exigências que se colocam ao Serviço Nacional de Saúde, em especial tratar os doentes com a covid 19, tratar os doentes com todas as outras patologias e recuperar os cuidados de saúde adiados, o caminho não é alimentar o negócio dos grupos privados da saúde, que nos primeiros meses do surto fecharam portas e reduziram a atividade, mas sim reforçar os meios do SNS, para dotá-lo da capacidade para responder às necessidades dos doentes/utentes.

É preciso um plano de emergência para o SNS que reforce os meios financeiros, humanos, técnicos e materiais. Um plano de emergência que garanta as condições para aumentar a capacidade do SNS, com a adoção de medidas extraordinárias para a contratação de profissionais de saúde, para garantir condições de trabalho e os direitos dos trabalhadores, para aumentar o número de camas e modernizar equipamentos, para reforçar a resposta na saúde pública e saúde mental e assegurar uma reserva estratégica nacional.

Na presente iniciativa legislativa o PCP propõe o estabelecimento do Plano de Emergência para o SNS.

Assim, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º

Objeto

  1. A presente lei estabelece o Plano de Emergência para o Serviço Nacional de Saúde (SNS), com o objetivo de reforçar a sua capacidade na resposta aos doentes com covid 19 e aos doentes com outras patologias e simultaneamente assegurar a restabelecimento da prestação de cuidados de saúde que foram suspensos.
  2. O Plano de Emergência para o SNS, doravante designado de Plano, abrange todas as unidades de saúde que integram o SNS, na prestação de cuidados de saúde primários, de cuidados hospitalares e cuidados continuados.

Artigo 2.º

Conteúdo do Plano

O Plano integra medidas extraordinárias nas seguintes áreas de intervenção:

  1. Reforço do número de profissionais de saúde e das suas condições de trabalho;
  2. Reforço da capacidade instalada de internamento e da realização de meios complementares de disgnóstico e terapêutica;
  3. Reforço da resposta na saúde pública e saúde mental;
  4. Garantia de reserva estratégica nacional.

Artigo 3.º

Recuperação da prestação dos cuidados de saúde suspensos

  1. O Governo determina o modelo e condições para, até ao final do ano de 2020, sejam recuperados todos os atos em saúde que ficaram em suspenso ou foram adiados em resultado da resposta ao surto epidémico da SARS-CoV-2, em particular os atos cirúrgicos, intervenções de diagnóstico e terapia oncológica, vacinação, meios complementares de diagnóstico e terapêutica e consultas de saúde materna e de saúde infantil e juvenil.
  2. Em observância ao disposto no número anterior, os referidos atos podem quando possível ser realizados fora dos horários habitualmente estabelecidos para o efeito, designadamente em período noturno e fins-de-semana, estando nestes casos assegurado o pagamento extraordinário aos profissionais.

Artigo 4.º

Contratação de trabalhadores para o Serviço Nacional de Saúde

  1. O Governo procede ao lançamento de procedimentos concursais no prazo máximo de 30 dias para a contratação de profissionais de saúde para o SNS, em especial de médicos, enfermeiros, técnicos superiores de saúde, técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica, assistentes técnicos, assistentes operacionais, entre outros, ao nível dos cuidados de saúde primários, cuidados hospitalares, saúde pública, cuidados continuados e cuidados paliativos.
  2. De forma a agilizar o procedimento, e nas situações em que tal seja possível, a colocação de profissionais de saúde é feita com recurso às listagens de ordenação de candidatos a procedimentos concursais já efetuados.

Artigo 5.º

Conversão de Contratos de Trabalho

  1. Os contratos de trabalho celebrados com trabalhadores no âmbito das medidas excecionais e temporárias de resposta à epidemia SARS-CoV-2, são convertidos em contratos de trabalho por tempo indeterminado ou sem termo, consoante os casos, com vínculo público.
  2. Quando a conversão do vínculo laboral prevista no número anterior depender da realização de concurso, os trabalhadores referidos no número anterior são automaticamente considerados opositores ao concurso e o procedimento concursal é realizado por cada serviço ou entidade com a abertura de vagas em número correspondente.
  3. O Governo procede também à conversão dos contratos de trabalho com vínculo precário dos trabalhadores que desempenham funções permanentes para contratos de trabalho com vínculo público por tempo indeterminado.

Artigo 6.º

Suplemento remuneratório

Os trabalhadores do SNS auferem um suplemento remuneratório no montante de 20% do vencimento base relativamente aos dias em que prestem efetivamente atividade, tendo em conta a exposição ao risco de contágio com covid 19 a que se submetem no exercício das suas funções.

Artigo 7.º

Doença Profissional

  1. Para os efeitos do n.º 2 do artigo 94.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, os trabalhadores do setor da saúde estão dispensados de fazer prova de que a doença covid 19 é uma consequência direta da atividade exercida e que não representa normal desgaste do organismo.
  2. Nas situações referidas no número anterior é automaticamente aplicável o disposto na Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, no que respeita à reparação e indemnização das doenças profissionais.
  3. 3 - Os trabalhadores com contratos individuais de trabalho nos termos do Código de Trabalho são equiparados para efeitos de dispensa de prova e de indemnização por doença profissional aos trabalhadores com contratos de trabalho em funções pública, sendo assegurado o pagamento de 100% retribuição relativamente às ausências por motivo de doença profissional.

Artigo 8.º

Horário de Trabalho

É consagrado o horário de trabalho de 35 horas por semana a todos os trabalhadores do SNS, independentemente do vínculo e da carreira.



Artigo 9.º

Remuneração Extraordinária

Sempre que se verificar prolongamento do horário, para além do horário normal de trabalho definido, há lugar ao pagamento mensal da remuneração extraordinária correspondente ao período de trabalho efetivamente prestado.

Artigo 10.º

Valorização dos trabalhadores do SNS

Com o objetivo de proceder à valorização profissional, social e remuneratória dos trabalhadores da saúde, o Governo inicia um processo negocial com as organizações sindicais com vista à valorização das carreiras, à adequada remuneração e demais componentes da retribuição que reconheça as especificidades do trabalho prestado, que garanta as condições de trabalho adequadas e à criação de um regime de dedicação exclusiva no SNS, de natureza opcional e respetivo plano de incentivos

Artigo 11.º

Formação Médica Especializada

  1. Até setembro de 2020, é iniciada a formação médica especializada para todos os médicos internos em condições de iniciarem a especialização integrando o quadro do internato de especialidade das carreiras médicas, com o objetivo de formar e preparar os médicos necessários ao funcionamento do SNS.
  2. No âmbito do número anterior, as especialidades com maior carência no país e necessárias no âmbito do surto da covid 19 são priorizadas na atribuição do número de vagas para a formação médica especializada.

Artigo 12.º

Saúde ocupacional

  1. É criado o serviço de medicina do trabalho em todos os estabelecimentos de saúde onde este ainda não exista.
  2. 2 - O Governo em articulação com as organizações representativas dos trabalhadores, adota uma estratégia nacional de segurança e saúde no trabalho que assegure, designadamente a criação e funcionamento dos serviços de segurança e saúde nos locais de trabalho, dando especial atenção à proteção da saúde mental dos trabalhadores.

Artigo 13.º

Saúde Pública

O Governo em articulação com a Escola Nacional de Saúde Pública cria um programa de informação/formação de médicos de saúde pública e médicos do trabalho sobre medidas de prevenção de risco epidémico e promoção da saúde no local de trabalho, a ser realizado nos meses de junho, julho e agosto de 2020.

Artigo 14.º

Atribuição de médico e enfermeiro de família

Para dar concretização ao artigo 258.º da Lei n.º 2/2020, de 31 de março, que prevê a atribuição de médico e enfermeiro de família a todos os utentes, o Governo deve adotar as seguintes medidas:

  1. Excecionalmente e por um período transitório, enquanto não haja condições para assegurar a todos os utentes médico de família, pode proceder à contratação de médicos estrangeiros, em condições de qualidade, segurança e equidade relativamente aos médicos portugueses;
  2. Promover uma estratégia dirigida aos estudantes portugueses em cursos de medicina no estrangeiro visando o seu recrutamento para o Serviço Nacional de Saúde;
  3. Assegurar a formação na especialização de enfermagem em saúde familiar para os profissionais e enfermagem que integram a equipa de família;
  4. Proceder à contratação dos enfermeiros com vínculo à função pública, de forma a assegurar até ao final de 2020 o enfermeiro de família a todos os utentes.

Artigo 15.º

Saúde Mental

  1. São criadas as condições para reforçar a resposta pública no âmbito da saúde mental na comunidade, com a atribuição de pelo menos um psicólogo e respetivo apoio administrativo por unidade funcional dos cuidados de saúde primários.
  2. É assegurado o atendimento permanente das situações de urgência psiquiátrica, em serviços de urgência de hospitais gerais.

Artigo 16.º

Reforço do número de camas

O Governo inicia de imediato os procedimentos com vista ao alargamento faseado do número de camas de agudos nas unidades hospitalares, incluindo nos cuidados intensivos, cuidados continuados e paliativos e no âmbito da saúde mental, tendo como objetivo até final de setembro de 2020:

  1. Aumentar a capacidade instalada em 800 camas de agudos;
  2. Aumentar o número de camas de unidades de cuidados intensivos até atingir as 950 camas a nível nacional;
  3. Aumentar o número de camas de cuidados continuados e paliativos na rede pública, em 400 camas, incluindo respostas específicas dirigidas à saúde mental.

Artigo 17.º

Reforço da capacidade de diagnóstico e terapêutica

O Governo procede à modernização e reforço da capacidade de equipamentos de diagnóstico e terapêutica no SNS, com o objetivo de progressivamente, internalizar nas unidades hospitalares os meios complementares de diagnóstico e terapêutica, em articulação e contratualização com centros de investigação e desenvolvimento em particular associados a unidades públicas de ensino superior.

Artigo 18.º

Reserva estratégica de equipamentos

O Governo garante uma reserva estratégica nacional de equipamentos de proteção individual para os profissionais de saúde, de medicamentos e dispositivos no quadro de uma interação permanente com as unidades de saúde do SNS.

Artigo 19.º

Reserva estratégica de medicamentos

  1. O Governo garante uma reserva estratégica nacional de medicamentos e dispositivos no quadro de uma interação permanente com as unidades de saúde do SNS.
  2. A reserva estratégica é revista periodicamente, pelo menos uma vez por ano, atendendo à evolução tecnológica e epidemiológica, sem nunca perderem o prazo de validade.
  3. A reserva estratégica obedece a um modelo de armazenamento descentralizado, tendo uma parte armazenada nos hospitais, renovada à medida da sua utilização e uma reserva central armazenada no atual Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos.

Artigo 20.º

Reconversão da produção industrial

  1. O Governo diligencia junto das unidades industriais existentes no país com o objetivo de reconverter a produção industrial, para passarem a produzir material clínico, reagentes, medicamentos, equipamentos fundamentais para responder ao surto epidémico da covid 19.
  2. Caso seja necessário, para dar concretização ao número anterior, o Governo assume a gestão das unidades industriais.

Artigo 21.º

Exclusão da aplicação da Lei n.º 8/2012, de 21 de fevereiro, no âmbito de medidas excecionais e temporárias de resposta à epidemia SARS-CoV-2

Os estabelecimentos de saúde que integram o SNS são excecionados da aplicação da Lei n.º 8/2012, de 21 de fevereiro, nas seguintes situações relacionadas com medidas excecionais e temporárias de resposta à epidemia SARS-CoV-2:

  1. Aquisição de medicamentos;
  2. Aquisição de produtos químicos e farmacêuticos;
  3. Aquisição de material de consumo clínico e dispositivos médicos;
  4. Aquisição de bens e serviços.

Artigo 22.º

Regulamentação

O Governo aprova a regulamentação necessária à execução da presente lei.

Artigo 23.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte à sua publicação.