Declaração de Margarida Botelho, Membro da Comissão Política do Comité Central do PCP, Sessão Pública

No combate ao vírus, defender os direitos das crianças e dos pais

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As consequências do combate ao surto epidémico de covid-19 atingiram em cheio as crianças e os jovens. Sabemos que tudo o que acontece na vida dos pais enquanto trabalhadores, tem enorme impacto na vida das crianças: horários, vínculos, salários, são determinantes para a organização da vida das famílias. A partir do momento em que todos os estabelecimentos de ensino foram encerrados, a 13 de Março, essas consequências agigantaram-se.

Para muitas centenas de milhares de famílias, o encerramento de creches, pré-escolar, escolas de todos os níveis de ensino, ATL, centros de estudo e centros de actividades ocupacionais, determinou a impossibilidade de ir trabalhar ou uma complexa ginástica para garantir o emprego com crianças de todas as idades, níveis de desenvolvimento e necessidades, em casa.

A situação que atravessamos é inédita, e tem complexidades específicas para as famílias com crianças. O PCP tem reafirmado que o caminho para combater o vírus que se impôs como perigo real na nossa vida colectiva não é, não pode ser, perder direitos, aumentar a exploração, abandonar largas camadas da população à sua sorte.

As crianças têm de ser especialmente protegidas, sempre e nesta fase em particular. A interrupção abrupta das rotinas, da escola, do convívio com os amigos, com os professores, com os avós e o resto da família, a proibição de sair de casa excepto para os "passeios higiénicos", a falta de espaço e de companhia para brincar, o medo generalizado, são elementos que têm tudo para marcar negativamente o desenvolvimento das crianças. Acompanhá-las nestes meses exige amor, paciência e criatividade, que garantam que este período é passado num ambiente da maior tranquilidade e carinho possível.

Mas também exige condições materiais, que não são substituídas por nenhum tutorial na internet sobre como organizar actividades em casa com os miúdos. As primeiras medidas do Governo para "apoiar as famílias" assim que as escolas encerraram não foram, infelizmente, no sentido correcto: cortes de um terço do salário para quem ficar em casa com as crianças, ausência de apoio se um dos pais ficar em teletrabalho e durante as férias da Páscoa.

As consequências do aumento da exploração continuam a abater-se sobre os trabalhadores: por um lado, um milhão em lay-off, com a consequente perda de salário e instabilidade; mais de 350 mil no desemprego, perda de direitos, férias forçadas que põem em causa o descanso e planos futuros; por outro lado, pressão em muitas empresas e serviços essenciais para mais carga horária e para não accionar os mecanismos de apoio à família; além disso, centenas de milhares de trabalhadores por conta própria e micro e pequenos empresários ficaram de um momento para o outro sem qualquer rendimento.

É esta a realidade vivida por um grande número de famílias com crianças a cargo. Sabemos, até de estudos realizados durante o período das troikas, que as crianças, mesmo muito novas, percebem e se angustiam com a situação económica das famílias, com a instabilidade e a insegurança. Sabemos que a pobreza infantil - que atinge no nosso País quase um quinto das crianças - está ligada directamente ao desemprego, aos baixos salários e à precariedade dos pais. A possibilidade de dispararem novamente os números da pobreza infantil, que tinha recuado com a reposição de salários e rendimentos, é enorme e tem de ser travada imediatamente.

Para isso, garantir salários e postos de trabalho é a medida mais decisiva. Para além da imediata proibição dos despedimentos, com a reversão de todos os que foram executados neste período, e da garantia do pagamento dos salários a todos os trabalhadores, a valorização do trabalho e dos trabalhadores, dos seus salários e direitos, é decisiva para as condições de vida de cada trabalhador e das crianças que tem a seu cargo. Valorizar carreiras e profissões, aumentar os salários, e em particular o Salário Mínimo Nacional, combater a desregulação dos horários, reduzir o horário de trabalho semanal para as 35 horas, garantir que a um posto de trabalho permanente corresponde um vínculo permanente. Essas são as medidas mais decisivas. Lutar por elas, em cada local de trabalho e em cada empresa é indispensável.

Além do impacto dos ataques aos direitos dos trabalhadores, somam-se outros problemas que interferem decisivamente na vida das crianças e dos jovens, a começar naturalmente pela escola. Claro que a situação é diferente para um bebé que frequenta uma creche, para uma criança que está a adaptar-se aos primeiros anos da escolarização, para um jovem preocupado com o acesso ao ensino superior, ou para uma criança com qualquer tipo de deficiência ou de necessidade de apoio. Não aprofundaremos hoje aqui todos os impactos no plano pedagógico e as soluções que foram encontradas para o ensino à distância. Regista-se apenas que o convívio com outras crianças, que a conquista da autonomia, que a descoberta do mundo que a escola estimula, fazem falta ao desenvolvimento integral das crianças. Não são substituíveis por videoconferências e aulas na televisão, por mais que se respeite - e respeitamos - o esforço dos profissionais e das escolas, ainda para mais num contexto que agrava as diferenças sócio-económicas entre crianças. O que pensará uma criança, um jovem, ao saber que, ao contrário dos seus colegas, não pode acompanhar as aulas on-line porque não tem computador ou internet? O PCP não se opõe à reabertura das escolas, naturalmente garantindo todas as condições de segurança. Consideramos que as aulas presenciais e o convívio com outras crianças são indispensáveis.

No caso das crianças que frequentam IPSS, nas valências de creche, pré-escolar ou ATL, há outra realidade a ter em conta, que é a das mensalidades. Falamos por exemplo das creches: 70% do total das vagas existentes pertencem à rede solidária, que ainda assim apenas cobrem um terço dos bebés. O Governo não deu orientações às IPSS sobre o valor de desconto nas mensalidades, dando origem a situações tão díspares como instituições que isentaram as famílias do pagamento e outras que mantiveram o pagamento inalterado. Com a generalidade das famílias com menos rendimento, com as despesas domésticas a aumentar, este é um problema que não é pequeno nem pouco complexo. O PCP vai propôr na Assembleia da República um regime que garanta a revisão imediata das mensalidades em caso de perda de rendimentos e uma redução mínima de 20% enquanto as instituições estiverem fechadas por determinação das autoridades.

Durante esta audição ouviremos testemunhos e intervenções de camaradas e amigos que abordarão muitas outras esferas da vida das crianças e das suas famílias. Problemas como o acesso à saúde ou a terapias, particularmente graves nos casos de crianças com necessidades especiais; a quebra do cumprimento do Plano Nacional de Vacinação, que atinge valores muito perigosos; o acompanhamento a grávidas; a realidade dos agregados familiares que vivem em casas com falta de condições; a dificuldade de acesso aos transportes públicos; a saúde mental; o teletrabalho com crianças em casa, etc.

O PCP não tem a pretensão de fazer a análise definitiva sobre a realidade e as consequências para as crianças deste período que atravessamos, até porque ainda muita água há-de correr debaixo da ponte. A questão é, como em tudo na vida, como agarramos nesta realidade e a transformamos noutra: mais justa, que garanta a segurança face ao vírus, que seja respeitadora do direito das crianças a serem crianças, que dê condições aos pais e às mães trabalhadores de o serem, de forma plena e com direitos.

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