Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral, Funeral de António Gervásio

«O melhor tributo que podemos prestar a António Gervásio é o de estarmos à altura da sua dedicação à causa revolucionária do seu Partido»

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Camaradas, amigos:

Com profunda mágoa e tristeza, estamos aqui para nos despedirmos do camarada António Gervásio, um homem de grande coragem e uma vida de incansável lutador, inteiramente consagrada aos interesses dos trabalhadores, do povo e do País, à luta contra a ditadura fascista e pela liberdade, à nossa Revolução libertadora de Abril e à defesa das suas conquistas, ao ideal e ao projecto comunista.

Neste triste e comovido último adeus ao camarada António Gervásio, aqui queremos mais uma vez dirigir à sua família, à sua mulher Maria Lourença Cabecinha, sua companheira de sempre, filha desta terra, funcionária do Partido na clandestinidade, prisioneira antifascista, mulher de coragem a quem o nosso Partido muito deve pela sua longa trajectória de militância comunista, ao seu filho, à sua neta e a todos os que por ele sentiam laços de afecto mais próximos e fortes, a mais sentida solidariedade do nosso Partido e do seu colectivo partidário para com a sua dor e sofrimento.

Nascido em S. Mateus, Nossa Senhora da Vila, no concelho de Montemor-o-Novo, nesta terra de grandes tradições revolucionárias, António Gervásio era um operário agrícola que cedo conheceu a exploração e dureza da luta pelo pão e a liberdade. Aderiu ao PCP em 1945, aos 18 anos, para entregar toda uma vida de dedicação à causa da emancipação dos trabalhadores e do povo e da luta por uma sociedade nova liberta da exploração.

Aqui, nesta terra e concelho, começou por participar e dirigir várias lutas, por melhores jornas e contra o desemprego.

Aos 27 anos, António Gervásio, mergulhou na clandestinidade como funcionário do Partido, para realizar tarefas de Norte a Sul do País. Assim foi antes e depois do 25 de Abril, tendo sido um dirigente destacado do PCP durante muitos anos.

Foi membro do seu Comité Central de 1963 a 2004 e da sua Comissão Executiva entre 1966 e 67. Membro da Comissão Política do Comité Central de 1976 a 1990 e da Comissão Central do Controlo entre 1996 e o ano 2 000.

São enormes e dignas de ser sempre recordadas como exemplo, as provas de coragem e firmeza revolucionária de que António Gervásio deu mostras em muitos momentos da sua vida de intrépido combatente em defesa dos interesses e aspirações dos trabalhadores e perante os torcionários da PIDE.

Preso três vezes durante o período da ditadura fascista de Salazar e Caetano, em 1947, 1960 e 1971, passou, no conjunto, cinco anos e meio nas prisões do Aljube, de Caxias e Peniche.

Não cumprindo a totalidade das penas a que foi condenado. Do Forte de Caxias evadiu-se, em 1961, na célebre e audaciosa fuga no carro blindado de Salazar com outros dirigentes comunistas, para retomar de imediato o seu posto de combate e a luta do seu Partido e do nosso povo contra a ditadura fascista.

Na prisão de 1971 havia sido condenado a 14 anos de cadeia e a “medidas de segurança”. Estava na prisão do Forte de Peniche quando irrompe a Revolução de Abril. Será um dos presos libertados na madrugada de 27 com a intervenção do Comandante Machado Santos, também falecido nesta última sexta-feira e perante quem nos inclinamos também, honrando a sua memória neste dia de tristeza e dor para todos nós.

Nas prisões de 1960 e 1971, António Gervásio foi brutalmente torturado e espancado. Na prisão de 1971 foi impedido de dormir durante 18 dias e 18 noites. A tudo resiste e a nada renunciou, como homem de carácter e firmes convicções comunistas.

No seu julgamento na Boa Hora, em Maio de 1961, é espancado em pleno tribunal, por denunciar as torturas da PIDE.

Percorrendo o País de lés a lés, o dirigente revolucionário António Gervásio, deu uma valiosa contribuição para erguer e afirmar o PCP como um grande partido nacional. Fê-lo com a sua reconhecida tenacidade e modéstia desinteressada na realização das múltiplas tarefas que o Partido lhe confiou.

Aqui, nos campos do Sul, foi um participante directo e incansável em todo o processo da Reforma Agrária, esse grande sonho de gerações e gerações de proletários agrícolas, que se tornou momentaneamente realidade com a Revolução de Abril, sob a consigna “a terra a quem a trabalha”, com a constituição de Unidades Colectivas de Produção, visando a liquidação do latifúndio que tanta miséria semeou nestes campos de Montemor-o-Novo e no Alentejo.

Aqui, nestas terras do Alentejo, tinha já muito antes desempenhado um relevante papel na organização e condução de pequenas e grandes lutas, nomeadamente nas históricas greves de Maio de 1962 que levaram à conquista das 8 horas pelos trabalhadores dos campos do Alentejo e Ribatejo.

António Gervásio desempenhou não apenas importantes funções partidárias, mas também importantes funções institucionais.

Após o 25 de Abril foi deputado à Assembleia Constituinte que elaborou a Constituição da República Portuguesa, cujo conteúdo progressista e valores que ainda consagra constituem referência para a construção de uma política que assegure um Portugal mais justo e desenvolvido. Foi igualmente eleito, em 1979, deputado à Assembleia da República e integrou durante vários mandatos a Assembleia Municipal de Montemor-o-Novo.

Neste momento de despedida, valorizamos os valiosos testemunhos que nos deixa da sua rica experiência de vida e de luta, nomeadamente o seu mais recente livro, «Histórias da Clandestinidade», contribuindo para a preservação da memória do que foi o fascismo e de como o PCP enfrentou a repressão e se constituiu como o partido da classe operária e de todos os trabalhadores, e a força dirigente da oposição antifascista.

O camarada António Gervásio deixou de estar entre nós, mas o seu percurso de vida, o seu exemplo de militante e dirigente do PCP perdurará em todos e em cada um de nós para prosseguirmos a luta de emancipação social que o animou.

O melhor tributo que podemos prestar a António Gervásio é o de estarmos à altura da sua dedicação à causa revolucionária do seu Partido, da sua vontade de honrar os compromissos de vida e de luta e da sua inquebrantável determinação e vontade de fazer sempre mais e melhor para servir a causa justa do seu Partido, com tudo o que ele comporta de aspiração, sonho e projecto por um mundo melhor.

Até sempre, camarada!

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