Projecto de Resolução N.º 164/XIV/1.ª

Recomenda ao Governo a adoção de medidas de proteção do Estuário do Sado

A importância do Estuário do Sado e do seu património natural e cultural justifica o estatuto de proteção que lhe é concedido, designadamente, através da criação da Reserva Natural do Estuário do Sado, criada pelo Decreto-Lei nº 430/80, de 1 de outubro, que visou fundamentalmente assegurar a manutenção da vocação natural do estuário, o desenvolvimento de atividades compatíveis com o equilíbrio do ecossistema estuarino, a correta exploração dos recursos, a defesa de valores de ordem cultural ou científica, bem como a promoção do recreio ao ar livre.

Esta Reserva tem um reconhecível valor científico que ultrapassa as fronteiras do nosso país tendo sido classificada internacionalmente como Zona de Proteção Especial para as Aves (PTZPE0011 - Estuário do Sado) ao abrigo da Diretiva 79/409/CEE (revogada pela Diretiva 2009/147/CE - Diretiva Aves), PTCON0011 - Sítio Estuário do Sado ao abrigo da Diretiva 92/43/CEE (Diretiva Habitats), Sítio Ramsar ao abrigo da Convenção de Ramsar, como Área Importante para as Aves Europeias (designação da Comissão Europeia) e Biótopo CORINE (C14100013), ao abrigo do programa CORINE 85/338/CEE.

Da caracterização feita do Estuário pela Reserva Natural no seu sítio na internet destaca-se o seguinte:

«Trata-se de uma formação estuarina de grandes dimensões, separada do mar no seu troço final por um cordão dunar (Península de Tróia). A comunicação com o oceano faz-se através de uma estreita garganta ocupada por terrenos arenosos. Inclui troços de rio, bancos de vasa e de areia, praias e dunas costeiras, lagoas de água doce, caniçais, matos esclerófilos, montados e áreas agrícolas com pastagens, culturas arvenses de regadio (arroz) e plantações florestais (sobreiro, pinheiro e eucalipto).

É uma zona húmida com uma notável diversidade paisagística, em boa medida suportada por atividades agro-silvo-pastoris de baixa intensidade. Em termos florísticos, esta unidade destaca-se pela ocorrência de extensos sapais complexos e outros ecossistemas tolerantes à salinidade e pela ocorrência de extensos complexos paleo-dunares nos quais se salientam a ocorrência de espécies vegetais próprias de terrenos arenosos enxutos importantes para a conservação da biodiversidade.

O interesse faunístico desta área reside essencialmente na riqueza, diversidade e consistência da comunidade de aves (em particular aquáticas) que alberga. No entanto a presença de habitats diversificados potencia a ocorrência de outros grupos de fauna onde se destacam algumas espécies interessantes, designadamente o Flamingo, o Perna-longa e o Tartaranhão-ruivo-dos-pauis.

É ainda uma importante área de passagem e invernada para um grande número de espécies de aves aquáticas, sendo considerada a terceira zona húmida portuguesa para aves limícolas. A ocorrência regular de mais de 20 000 aves aquáticas confere um estatuto de importância internacional a esta zona húmida. A sua importância é ainda justificada por suportar mais de 1% da população invernante (na Europa ocidental) de alfaiate, tarambola-cinzenta, pato-trombeteiro e corvo-marinho-de-faces-brancas.

No que respeita aos mamíferos, a área destaca-se por ser o único local conhecido na costa portuguesa onde existe uma população residente de roaz-corvineiro. É também um dos poucos locais conhecidos no país para o morcego-negro, destacando-se ainda o rato de Cabrera (na ribeira da Marateca), a lontra e o toirão como espécies de estatuto de conservação desfavorável.

O estuário apresenta uma ictiofauna bastante rica e diversificada, incluindo diversas espécies com valor comercial e biológico, que em Portugal só encontra paralelo no Estuário do Tejo, nas Rias de Aveiro e Formosa. Destacam-se o sável e a savelha, dois peixes migradores que utilizam os estuários para a criação. Também são referidos como quantitativos importantes o choupa, o linguado-ferrugento, o garrento, a raia-riscada e o linguado.

O estuário do Sado é muito importante a nível nacional no que diz respeito aos recursos haliêuticos. A fauna de invertebrados ocorrente no estuário é rica e diversificada, apresentando algumas espécies de elevado valor económico alimentar (como o berbigão, búzios, ameijoa, lambujinha, lingueirão, choco, camarão, caranguejo) ou com outros usos (como o minhocão e o casulo, usados para isco na pesca). É o mais importante no tocante à abundância de cefalópodes, fundamentalmente devido à presença de choco-vulgar, que aqui aparece de forma regular e com quantitativos elevados».

À riqueza do seu património natural associa-se um importante património histórico e cultural, intensamente ligado à atividade que as comunidades humanas desenvolveram no estuário ao longo dos tempos que a mesma caracterização sublinha:

«Na área da Reserva Natural são conhecidos vários sítios de interesse arqueológico, nomeadamente o concheiro neolítico da Barrosinha, a feitoria fenícia de Abul e os fornos romanos do Pinheiro, todos correspondendo a diferentes fases da História.

No que respeita à arquitetura de raiz, assinalam-se por um lado a presença de alguns montes e também a existência de construções com caráter precário, constituídas por cabanas com telhado de colmo, as quais quando devidamente mantidas, possuem um inegável interesse etnográfico.

Os sistemas de moagem constituem outro exemplo de arquitetura tradicional que, no caso da Reserva, compreendem moinhos de vento (atualmente inativos) e moinhos de maré, destacando-se o moinho de maré da Mourisca (Faralhão), totalmente restaurado.

No plano cultural, importa ainda destacar as embarcações típicas do Sado que surgiram como meio de transporte de várias mercadorias, sobretudo o sal proveniente das salinas de Setúbal. Esta cidade foi dos mais importantes portos de pesca em Portugal e, consequentemente, o mais importante centro de produção de conservas de peixe.

Desde tempos recuados, as tradições sagradas e profanas misturaram-se no que diz respeito às feiras e romarias. Em Setúbal, destaca-se o Festival de Folclore das Praias do Sado, a Festa da Capela em Santo Ovídeo (maio), a festa de N. Senhora de Troia (agosto) e a Feira de Santiago (julho, agosto). Em Alcácer do Sal destaca-se a Feira Nova de outubro. Grândola apresenta as Festas do Concelho em Honra de Nossa Senhora da Penha e as Festas do dia do Concelho (agosto). Em Grândola pode-se ainda apreciar a Rota das Tabernas, com o objetivo de preservar e dar a conhecer as tradições da região (junho), bem como o Festival de Folclore (agosto). A região de Palmela é muito apreciada pelas suas festas e romarias, destacando-se a Festa do Dia do Concelho (junho), a Festa de Todos os Santos (novembro), o Festival do Queijo, Pão e Vinho e a Festa das vindimas (setembro).

No concelho de Setúbal, a gastronomia tem por base o peixe e o marisco, facto que deriva da variedade e qualidade das espécies disponíveis. Destaca-se assim a caldeirada de peixe, os salmonetes de Setúbal, o choco frito, a sopa do mar e os vários peixes assados na brasa.

Em Palmela, os pontos altos da gastronomia local são a sopa de tamboril com poejos, as favas à caramela e o coelho com feijão à moda de Palmela.

Em todos os concelhos que abrangem a Reserva destacam-se os vinhos, com uma importante região demarcada: Península de Setúbal».

Esta caracterização do Estuário, não sendo exaustiva, é demonstrativa da singular importância deste território, do seu património e da urgência e imperatividade da sua conservação. O Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) tem a tutela da gestão das diferentes tipologias de áreas protegidas que existem no território nacional, no entanto, este Instituto tem vindo a ser alvo de políticas de minimização da presença do Estado, tendo sido progressivamente esvaziado de meios financeiros, técnicos e humanos, encontrando-se cada vez mais ausente do território.

O desinvestimento verificado ao longo de décadas no ICNF conduziu a uma situação presente em que há uma desresponsabilização do Estado, e consequente ineficácia, e uma relação disruptiva com as populações de várias áreas protegidas. Esta situação é sentida de forma mais aguda em áreas protegidas com forte presença de população humana, como é o caso da Área Metropolitana de Lisboa.

O Estuário do Sado tem um equilíbrio frágil, representa abrigo e maternidade para inúmeras espécies, as suas pradarias marinhas têm um valor essencial para a preservação de todo o ecossistema, e a relação entre natureza e comunidades humanas tem obrigatoriamente de caminhar para níveis de harmonia cada vez mais exigentes, o que implica o aprofundamento do conhecimento científico do estuário, a sensibilização das populações para a importância dos recursos naturais e da sua conservação, a proteção das atividades tradicionais e ambientalmente sustentáveis, assim como, a existência de meios adequados para monitorizar e defender o estuário. É fundamental proteger os valores naturais em presença, assim como as atividades económicas e culturais tradicionais deste território, seja a agricultura, a aquacultura ou a pesca, por forma a assegurar o equilíbrio entre as atividades humanas e os ecossistemas, simultaneamente, assegurando a hierarquia de princípios de conservação da natureza, sustentabilidade ambiental e ordenamento do território, subjacentes à criação da Reserva Natural do Estuário do Sado.

Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte

Resolução

Nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, a Assembleia da República resolve recomendar ao Governo que:

  1. Dote a Reserva Natural do Estuário do Sado dos meios humanos e materiais efetivamente necessários para o cumprimento da missão para a qual foi criada;
  2. Crie, no âmbito da Reserva, programas de estímulo à gestão sustentável dos recursos naturais, protegendo as atividades tradicionais;
  3. Reforce a monitorização das massas de água da Bacia Hidrográfica do Sado, a fiscalização de afluências indevidas de origem agropecuária e industrial e a eliminação de focos de poluição ainda existentes;
  4. Desenvolva, em conjunto com a comunidade científica e as comunidades locais, programas de sensibilização e educação ambiental, com particular atenção para a importância das pradarias marinhas do estuário em quanto local de abrigo e maternidade de inúmeras espécies, bem como de captura de dióxido de carbono;
  5. Promova um programa específico dedicado ao estudo, monitorização e conservação da população de roazes-corvineiros do Estuário do Sado;
  6. No âmbito do projeto de melhoria das acessibilidades ao Porto de Setúbal garanta o escrupuloso cumprimento das medidas de mitigação e compensação que permitam proteger os valores naturais e ambientais do Estuário do Sado; seja encontrada uma solução para a deposição dos dragados alternativo à restinga, que não coloque em causa a atividade piscatória tradicional, como propõem as organizações representativas da pesca e seja promovida a participação das populações e das entidades locais em todo o processo.
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