Intervenção de Margarida Botelho, membro da Comissão Política do Comité Central, Alternativa política, soberania e independência nacional - O legado de Álvaro Cunhal

Patriotismo, nacionalismo, soberania

Patriotismo, nacionalismo, soberania

A soberania nacional é uma questão central no pensamento de Álvaro Cunhal e do projecto do PCP, que tem actualidade reforçada perante as ingerências de instituições internacionais, como no passado recente vivemos de forma particularmente brutal com o pacto de agressão e com a intervenção da troika, e face ao projecto federalista, neo-liberal e militarista da União Europeia.

O PCP é um Partido simultaneamento patriótico e internacionalista, e essas duas componentes da nossa identidade são complementares, nunca contraditórias. O maior contributo que podemos dar para a luta da Humanidade pelo fim da exploração é combatê-la aqui, empresa a empresa, problema a problema, resistindo, acumulando forças, alcançando vitórias.

Da mesma maneira que as lutas e as vitórias dos outros povos nos dão ânimo e confiança, as lutas e as vitórias dos trabalhadores portugueses são um contributo à luta nos outros países.

A luta contra o colonialismo português é um magnifíco exemplo dessa dialéctica: a luta em Portugal contra o fascismo, a denúncia da guerra colonial (como aconteceu em comícios aqui mesmo nesta sala, com sessões reprimidas pela PIDE), a clareza com que o PCP exigia a independência das colónias, foram um contributo à luta libertadora dos povos de Angola, Moçambique, Guiné, S. Tomé e Cabo Verde. Da mesma forma, a luta destes povos irmãos deu um contributo decisivo para a nossa vitória sobre o fascismo. Não é livre um povo que oprime outros povos.

Não confundimos a defesa do interesse nacional com proclamações balofas e bandeirinhas de merchandising. Ainda nos recordamos todos como o Governo de Passos Coelho e Paulo Portas, aplicando disciplinadamente os ditames da troika estrangeira e do capital, usavam um pin com uma bandeira de Portugal na lapela. Ou como Mário Centeno se apresentou no eurogrupo de cachecol da selecção de futebol ao pescoço.

A política patriótica e de esquerda que propomos ao povo português associa de forma inseparável o interesse nacional e o interesse de classe. As intervenções que se seguem nesta sessão vão aprofundar essa relação que um e o outro têm.

Tem sido assim ao longo da história. O estudo teórico e o pensamento de Álvaro Cunhal analisou em diversos momentos da história portuguesa as posições de traição nacional que sempre couberam às classes dominantes, e caracterizou a luta pela independência nacional como tendo, nos diversos períodos históricos, uma matriz de classe.

Foi assim na revolução burguesa de 1383-85, em que a burguesia e as classes populares se rebelaram contra a traição nacional da nobreza, cúmplice com a intervenção castelhana; foi assim durante o fascismo, que caracterizámos como um governo de traição nacional, por granjear apoios das potências imperialistas, mantendo Portugal como uma semicolónia durante todo o fascismo, dominada pelos monopólios internacionais.

Em 1997, Álvaro Cunhal, no prefácio da edição dos materiais do IV Congresso, em 1946, analisa o período da 2ª guerra mundial e reafirma a importância de nesse Congresso se ter combatido a ilusão em sectores do movimento anti-fascista de que existiria um apoio dos países capitalistas de democracia burguesa à luta do povo português pela liberdade, de que a integração na CEE seria um contraponto ao fascismo, uma forma de quebrar o isolamento a que o povo português estava votado.

Outros camaradas aprofundarão esse tema, mas a vida provou como se pagou cara essa ilusão e a adesão de Portugal à então CEE, e como logo nos anos 60 diplomatas fascistas participaram em negociações diversas com vista à adesão.

Como ficou referido no Partido com Paredes de Vidro, "os partidos da contra-revolução são os herdeiros daqueles que, ao longo da história, sacrificaram os interesses de Portugal aos interesses das classes exploradoras." Nos anos que passaram desde que este livro foi escrito, vemos bem como é acertada essa caracterização.

Um dos desafios que hoje se nos colocam é também explicar como defender a soberania nacional é lutar contra imposições externas do capitalismo e do imperialismo e desmontar a deturpação inaceitável de quem mistura patriotismo e nacionalismo fascista.

A resolução aprovada pelo Parlamento Europeu, que equipara fascismo e comunismo, algozes e vítimas, deve ofender-nos a todos, merecer o mais vivo repúdio. Não é infelizmente uma ideia nova, e até assistimos ao desenvolvimento das suas várias declinações anti-comunistas: uma, é a dicotomia entre europeísta e não europeísta, como se ser contra a União Europeia fosse ser contra o continente europeu e as suas relações históricas e culturais; outra, é entre europeísta e nacionalista, como se quem critica a União Europeia defendesse um nacionalismo xenófobo e chauvinista; outra ainda, entre patriotismo e cosmopolitismo, como se quem defende o interesse e as culturas nacionais e populares padecesse de um conservadorismo atávico - quando muitas vezes o que assistimos é a uma importação acrítica de modelos económicos, sociais e culturais, nomedamente dos Estados Unidos.

Não admitimos que se ponha em causa o profundo compromisso do PCP com a causa emancipadora dos povos, com as lutas pela liberdade e pela democracia.

Hoje como ontem, resgatar a soberania nacional é essencial para travar os projectos de dominação económica e política do capital transnacional. Cada uma das nossas lutas em defesa dos interesses do trabalhadores e do povo contribui para a resistência a esses planos. Um Governo patriótico e de esquerda que defenda, afirme e mobilize os portugueses para defenderem a sua pátria é o passo necessário nesse processo.