Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral, Alternativa política, soberania e independência nacional - O legado de Álvaro Cunhal

Portugal não está condenado à submissão e à dependência!

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Antes de mais, queria agradecer a vossa presença nesta Sessão Pública evocativa do centésimo sexto aniversário do nascimento de Álvaro Cunhal e que, este ano, realizamos sob o lema “Alternativa Política, Soberania e Independência Nacional”.

Uma evocação que é uma homenagem a essa figura ímpar e referência maior da nossa história contemporânea e de reconhecimento do seu valioso e multifacetado legado de dirigente político experimentado, estadista, ideólogo, ensaísta, homem da cultura que jamais esqueceremos e fonte de saber para os combates de hoje.

Uma iniciativa para evocar e honrar o seu percurso de incansável militante do PCP de uma vida inteira, seu dirigente e Secretário-geral, homem de acção e intervenção revolucionária, portador de uma diversificada e profunda produção teórica, alicerçada no domínio das teorias e método de análise do marxismo-leninismo que assimilou de forma criativa para responder aos problemas da sociedade portuguesa, à luta pela emancipação dos trabalhadores e dos povos e à causa do socialismo.

Álvaro Cunhal de quem aqui assinalamos o aniversário do nascimento foi um protagonista destacado na luta do nosso povo no último século e princípios do que agora vivemos, pela conquista da liberdade, da democracia, por um projecto de desenvolvimento ao serviço do País e do povo, por uma sociedade nova e pela independência nacional deste País quase milenar.

Na sua vastíssima obra, mas também no quadro da sua intervenção e acção política concreta o problema da defesa e afirmação da independência e soberania nacionais assume, em estreita articulação e coerência com décadas de luta do PCP em defesa de tais valores, tantas vezes traídos e ameaçados pelas classes dominantes neste percurso de quase cem anos da sua existência, como uma questão e preocupação centrais.

Uma preocupação que se evidência em Álvaro Cunhal, desde muito cedo, desde logo no seu estudo histórico de 1950 sobre um período tão significativo para a própria independência do País e tão exaltante pelo papel que desempenhou o povo na Revolução de 1383/1385 e que trabalhou em “ As Lutas de Classes em Portugal nos Fins da Idade Média”, mas que está sistematicamente presente na abundante análise e estudos do evoluir da realidade nacional de todo século XX e no limiar do XXI.

No decorrer de décadas de intervenção e luta do PCP em defesa dos interesses nacionais, da independência e soberania nacionais, não só lá encontraremos o seu contributo para a definição da orientação do Partido nos diferentes períodos da vida nacional, como a valorização dessa luta de sempre que é de sempre e não desta ou daquela conjuntura.

Assim foi, como Álvaro Cunhal muitas vezes nos lembrou, ao longo da ditadura fascista, opondo-se à política fascista de submissão ao imperialismo, de entrega ao estrangeiro dos recursos naturais e sectores básicos e estratégicos da economia tornando Portugal num País colonizador em África e colonizado na Europa.

Assim foi lutando contra o enfeudamento da política portuguesa ao fascismo alemão e italiano, e contra o apoio de Portugal à sublevação fascista de Franco e à Alemanha hitleriana e à Itália fascista enquanto Salazar pensou que podiam ganhar a guerra.

Assim foi lutando contra a concessão de bases militares no território nacional.

Assim foi inscrevendo no Programa do Partido, como um dos objectivos da Revolução antifascista a libertação de Portugal do domínio imperialista.

Assim foi no 25 de Abril, contribuindo para que a Revolução antifascista, a Revolução democrática, fosse uma afirmação independente e soberana da vontade nacional.

Revolução que aparece «como um acto da vontade dos portugueses, decidido por portugueses, sem quaisquer colaboração, apoio ou ajuda externa», como o afirmou Álvaro Cunhal em «A Revolução Portuguesa – o passado e o futuro» e que permitiu a partir de importantes e profundas transformações revolucionárias – nacionalizações, Reforma Agrária, concretização de direitos políticos e sociais - esboçar um projecto de futuro de desenvolvimento autónomo e de afirmação da independência e da soberania nacional que a Constituição da República Portuguesa haveria de consagrar e que as forças da contra-revolução não tardariam a pôr em causa.

Desde logo, iniciando um processo de liquidação e inversão das transformações operadas, através da acção de sucessivos governos de direita de PS, PSD e CDS com a entrega das alavancas necessárias e imprescindíveis ao desenvolvimento do País aos grupos económicos nacionais e estrangeiros e de seguida e em simultâneo, amarrando o País de forma crescente ao colete-de-forças de um projecto de submissão e integração capitalista usurpador de crescentes fatias de soberania dos Estados, hoje União Europeia, comandado pelos países mais ricos e poderosos ao serviço do grande capital, ao mesmo tempo que se punha em marcha uma política de enfeudamento à estratégia da globalização imperialista e à sua cruzada de recolonização planetária.

Uma evolução que se concretizava no quadro de uma realidade cada vez mais complexa, que era a de um mundo marcado por acelerados processos de internacionalização dos processos produtivos hegemonizados pelos países mais desenvolvidos, de uma universal divisão internacional do trabalho, de vertiginosos progressos científicos e tecnológicos, e do crescente avanço dos sistemas de integração capitalista que transportavam adicionais perigos para a independência e soberania nacionais.

Toda uma realidade que impunha uma rigorosa reflexão a que Álvaro Cunhal e o nosso Partido deram uma particular atenção e que levou a que se colocasse, em primeiro plano, como um dos pontos centrais da política portuguesa, a necessidade de defender e assegurar a independência e a soberania nacional e que hoje se mantém como uma questão central da política alternativa que o PCP propõe ao País.

Ponto importante e significativo dessa reflexão foi o Encontro de 1990 do PCP sobre a Independência Nacional que Álvaro Cunhal encerrou, identificando não apenas os reais perigos para a independência e soberania nacionais que resultavam de tais processos e tal evolução, como nessa reflexão estava inscrita uma orientação para os esconjurar.

Recusando, tal como o PCP, soluções autárcicas concebia, como elemento imperativo do desenvolvimento e como factor de independência e soberania, o alargamento da cooperação internacional do País em todos os domínios. Uma cooperação em que as decisões internacionais fossem obtidas em pé de igualdade, com reciprocidade de vantagens, com respeito pela independência e soberania dos Estados e povos, e não com as soluções que se desenhavam e se estavam a concretizar de supranacionalidade e de integração entre países que sob a capa de uma falsa interdependência se traduziam em novos instrumentos de domínio de uns Estados sobre outros Estados e fonte de novas e mais profundas desigualdades.

Uma orientação que não estava separada, tão pouco isolada, sem conexão com os outros objectivos do Partido: a liberdade, a democracia, os interesses dos trabalhadores e do povo em geral, o desenvolvimento económico, a melhoria das condições de vida.

Bastaria olhar com alguma atenção para os seus últimos escritos para verificar como permanecem actuais as grandes linhas do seu pensamento e como continuam a ser um instrumento importante e base de partida para análise dos novos fenómenos e novos acontecimentos da vida nacional e internacional dos últimos anos.

E até constatar também como eram premonitórias as suas análises acerca do surgimento de novas expressões de nacionalismo a que vamos assistindo, sopradas pela política impositiva da submissão e das desigualdades dos poderosos, acoplando algumas projectos populistas de cariz fascizante, mas também quanto certas eram as suas palavras acerca das propagadas teorias que davam como certo «o fim da pátria» e do Estado Nação a favor de uma “imaginária nação europeia”.

Mas de relevo, pela sua importância e consequências imediatas para o desenvolvimento do País e a sua soberania, são as suas análises e previsões sobre as consequências da adesão de Portugal à CEE e do consequente processo de integração. Um processo comandado pelos grandes grupos económicos nacionais e estrangeiros e em larga medida determinado pelo objectivo da restauração do capitalismo monopolista.

Análises e previsões que se confirmaram inteiramente nestas três décadas de integração capitalista na CEE e na União Europeia, nomeadamente no que significaram de destruição do aparelho produtivo nacional, de sacrifício dos interesses nacionais e de submissão aos interesses dos países mais ricos e poderosos.

Nesta matéria, registemos a justeza das advertências de Álvaro Cunhal e do nosso Partido em relação às consequências da adesão de Portugal à CEE, hoje União Europeia, e as suas análises prospectivas dos impactos negativos na capacidade produtiva do País e na destruição de sectores estratégicos e essenciais para afirmação da soberania do País. A vida deu-lhe razão. Impactos que se tornaram ainda mais perniciosos e trágicos com a adesão ao Euro nas condições altamente desvantajosas em que foi realizada e com os posteriores desenvolvimentos da integração capitalista da União Europeia de expropriação crescente de áreas de soberania.

Na realidade, a par com décadas de políticas de direita, uma das razões de fundo das dificuldades, dos atrasos e dos problemas que permanecem no País está na natureza e evolução do processo de integração capitalista na Europa – a União Europeia –, e no efeito das suas políticas, apoiadas por PS, PSD e CDS. Políticas que apenas ampliaram os problemas e fragilidades da economia nacional, acentuando a sua dependência e défices estruturais do País, responsáveis pelo seu brutal endividamento, pela enorme dívida externa, do Estado, das empresas e das famílias, como aqui já foi evidenciado.

Uma evolução marcada pelo acelerado aprofundamento do seu rumo neoliberal, federalista e militarista, e que tem no Euro um projecto estratégico do capital e das principais potências, um instrumento de domínio político e económico sobre países como Portugal: que esmagou e esmaga os salários e o investimento e condiciona o nosso crescimento, conduziu a uma crescente perda de competitividade da nossa economia e que estimulou o endividamento externo, a saída de capitais e a especulação financeira, que impôs a deterioração nos serviços públicos e a deterioração da situação social com a liquidação e a degradação dos direitos laborais e sociais.

Uma evolução cujas consequências estão à vista em Portugal. Desde a adesão ao Euro, Portugal é um dos países que menos cresce e mais recuou na produção de riqueza e dos que mais perderam no plano económico, mas também no plano social nestas últimas quase duas décadas, sob a batuta constrangedora e limitadora das políticas da União Europeia e dos seus novos instrumentos de domínio político e económico – como são a governação económica, o semestre europeu ou o chamado Tratado Orçamental – profundamente contrários aos interesses dos povos de países como o nosso, com consequências devastadoras para o seu desenvolvimento e a sua soberania.

No seu conjunto estes instrumentos visam criar um quadro de constrangimento absoluto a qualquer projecto de desenvolvimento próprio, autónomo e soberano de países como Portugal e servem o objectivo de generalizar e eternizar as políticas de exploração e empobrecimento dos países e das massas populares e de transferência para o grande capital de recursos públicos. Constrangimentos agravados e ampliados por uma dívida pública asfixiante que se resiste a renegociar e que se tornou num mecanismo de extorsão de recursos públicos e nacionais e um adicional travão à afirmação de uma política autónoma de desenvolvimento.

Novos instrumentos de uma integração que conduziu e está a conduzir ao reforço da supra-nacionalidade, um processo que é inseparável da tentativa de criar um «super-Estado» imperialista, à custa da soberania dos Estados, do direito ao desenvolvimento dos povos e da própria democracia.

Novos instrumentos que têm em paralelo o aprofundamento do carácter intervencionista e militarista da União Europeia, onde se insere a criação do Fundo Europeu de Defesa e a dinâmica da criação da Cooperação Estruturada Permanente, como partes constitutivas do pilar europeu da NATO, visando afirmar-se como um bloco imperialista e confirmando-se a completa submissão dos governos portugueses à NATO e às suas principais potências, como aqui também já se mostrou numa das intervenções nesta Sessão Pública.

A prevalência às missões externas satisfazendo e preenchendo os interesses e necessidades de outros, desde logo da NATO e dos EUA, e a acção ideológica subsequente de enaltecimento das Forças Armadas por razão dessas missões e não pela importância fundamental e constitucional de garantir a integridade do nosso território, são alguns exemplos da política de desastre e submissão que tem vindo a ser seguida.

Uma orientação que conduz, como a realidade o mostra, a que quanto mais participação e inserção externa, mais se degradam as nossas capacidades internas e mais débeis são as respostas à solução dos nossos próprios problemas.

Como Álvaro Cunhal e o PCP alertaram, a União Europeia, a União Económica e Monetária e o Euro e este processo de integração concebido e concretizado como instrumento do grande capital de domínio do continente europeu, não foram, nem serão a salvação do País, antes se confirmam como um entrave ao desenvolvimento soberano de Portugal e das condições de vida dos portugueses.

Tal como não é solução para resolver os problemas nacionais a política de direita, de recuperação e consolidação monopolista que, em Portugal, sucessivos governos executaram e o governo do PS não abandonou, submetidos aos constrangimentos impostos do exterior e aos mesmos desígnios e interesses.

Foi justa e necessária a luta travada nestes últimos anos para conter a ofensiva anti-social e de submissão nacional que teve no acto de entrega dos destinos do País a uma troika estrangeira da União Europeia, FMI e BCE, por PS, PSD e CDS, uma aviltante expressão. Foi justa e necessária a luta que travámos e travaram os trabalhadores e o nosso povo, nestes últimos quatro anos, para defender, repor e conquistar direitos e rendimentos. Uma luta que se impõe prosseguir e reforçar para ampliar e melhorar as condições de vida no País.

Mas a questão central e decisiva para dar resposta aos grandes problemas nacionais que permanecem adiados, exige a concretização de uma outra política alternativa à política de direita com outras soluções capazes de afirmar a independência e a soberania nacionais.

Portugal não está condenado à submissão e à dependência! É possível assegurar com outra política a soberania e a independência do País. Com outra política como aquela que o PCP avança no seu Programa de uma “Democracia Avançada, os Valores de Abril no Futuro de Portugal” e que visa concretizar uma política patriótica e de esquerda. Uma política patriótica e de esquerda que parte da ideia central de que a soberania nacional não se negoceia, vende ou cede, reside no povo e é a ele que pertence a decisão do seu presente e futuro colectivos.

Uma política para libertar o País dos constrangimentos a que está sujeito: a dívida insustentável, a submissão ao Euro e aos grupos monopolistas.

Uma política que, no plano da União Europeia, rejeite a imposição de políticas comunitárias lesivas do interesse nacional.

Uma política que vise assegurar a independência económica do País, assente na utilização dos recursos nacionais e que recupere os instrumentos políticos e económicos que se revelem indispensáveis ao desenvolvimento de Portugal, no plano económico, orçamental e monetário, das relações comerciais e do desenvolvimento do sector produtivo.
Uma política capaz de ultrapassar e superar os seus défices estruturais – o produtivo, incluindo o alimentar, o energético, o científico e o demográfico, que sujeitam o País à dependência.

Uma política para superar os graves problemas sociais acumulados num País marcado por profundas injustiças e desigualdades e assente na valorização do trabalho e dos trabalhadores, dos direitos, salários e pensões e das condições de vida do povo em geral.

Uma política e medidas para resolver e assegurar o controlo público e o comando estratégico das empresas e sectores, como a banca e a energia.

Uma política que, afirmando um inabalável compromisso com a Constituição, assegure e afirme o pleno direito do povo português de decidir do seu próprio destino e de ver assegurada a prevalência dos interesses nacionais. Uma política que não aceite ver esse direito expropriado em nenhuma circunstância.

Uma política assente na diversificação das relações económicas, comerciais e financeiras com o maior número de países do Mundo, tirando partido do desenvolvimento das relações económicas sul-sul, e do relacionamento com os países africanos, latino-americanos e asiáticos.

Uma política que rejeite a liberalização do comércio mundial, defenda relações de cooperação e apoio económico mutuamente vantajosos, lute decididamente contra a livre circulação de capitais, pela efectiva regulação dos mercados financeiros, pela taxação de todas as transacções financeiras, pelo fim dos paraísos fiscais, pela penalização de deslocalizações de empresas e pelo direito de todos os povos ao seu desenvolvimento económico e social.

Uma política que salvaguarde e promova o desenvolvimento da cultura portuguesa e a preservação da identidade cultural do povo português e a afirmação da sua valorização internacional.

Uma política externa que rejeite o unilateralismo e o afunilamento “transantlântico”, que defenda o direito dos povos à soberania, auto-determinação e integridade territorial dos seus países, que rejeite a instrumentalização da ONU e defenda a sua democratização. Que assuma a defesa do ambiente e a salvaguarda dos recursos naturais como princípio e tarefa fundamental para a garantia de um futuro às gerações vindouras e não como uma nova área de negócio ou um novo instrumento de domínio económico neo-colonial.

Uma política externa e de defesa que, no respeito pelos direitos e dignidade dos militares portugueses, tenha como missão fundamental estar ao serviço de Portugal e da sua soberania, opondo-se a qualquer acto de ingerência e agressão externa e que decida do regresso de todos os militares em missões militares no estrangeiro, em missões NATO.

Uma política que, no respeito pela Carta das Nações Unidas, defenda a dissolução dos blocos político-militares e decida da desvinculação de Portugal da estrutura militar da NATO, que se oponha ao militarismo com um projecto de cooperação internacional para a paz e o desarmamento.

A batalha para assegurar o direito do nosso povo de decidir o seu futuro, garantindo a soberania e independência do País, sendo um dos objectivos centrais da luta do PCP tem no seu próprio cerne, como afirmava Álvaro Cunhal, “não o isolamento, o egoísmo, a agressão e o nacionalismo”, mas a compreensão do valor da segurança colectiva, da cooperação internacional, da paz, da amizade e solidariedade entre os povos.

O seu êxito exige que se trave uma batalha em várias frentes onde a política de capitulação nacional se manifesta, mas essencialmente exige a luta e a determinação do nosso povo em defesa dos interesses nacionais e da soberania da nossa Pátria. É nossa profunda convicção que, tal como noutros momentos do nosso passado secular, o nosso povo com a sua luta saberá assegurar para si um futuro de liberdade, democracia, progresso social e paz.

Neste dia de aniversário daquele que em vida foi um coerente patriota e internacionalista, defensor dos interesses do nosso povo e dos povos de todo o mundo, é justo lembrar e afirmar que do valioso e imenso legado que nos deixou Álvaro Cunhal, está também o sonho que sabia ser possível transformar a vida: o sonho da construção de uma sociedade nova liberta da exploração e de todas as formas de opressão!

Sonho que continua a alimentar a nossa luta!