Projecto de Lei N.º N.º 1152/XIII-4ª

Reforça os mecanismos legais de protecção das vítimas de violência

Exposição de motivos

Em março de 1989, o PCP apresentou uma iniciativa legislativa sobre proteção de mulheres vítimas de violência (Projeto n.º 362/V) que foi aprovada na generalidade, por unanimidade, a 8 de março de 1991 dando corpo à Lei n.º 61/91. Apenas a partir de então, os Governos começaram a adotar medidas em relação à proteção das mulheres, somente no que diz respeito à violência doméstica.

Passados 28 anos, e não obstante os passos dados por sucessivos governos e a suposta centralidade do debate, as desigualdades económicas e socias persistem, um número muito significativo de pessoas vive abaixo do limiar da pobreza, as mulheres continuam a ser vítimas de violência sem garantias de uma efetiva prevenção, proteção e ressocialização.

Sendo certo que muito mudou, desde logo a convicção de que estamos perante práticas inaceitáveis e que devem merecer condenação social e penal (patente também no aumento das queixas por violência doméstica), não é menos verdade que existem manifestas insuficiências na resposta a todas as etapas a percorrer para libertar as vítimas da violência; na necessidade de maior atenção à proteção das crianças; no necessário acompanhamento a cada agressor, aliando medidas de carácter penal com maior eficácia na não reprodução de práticas violentas.

Durante este período, Portugal ratificou diversos instrumentos internacionais de combate à violência: a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e o respetivo Protocolo Opcional, a Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional e o seu Protocolo Adicional relativo à Prevenção, Repressão e à Punição do Tráfico de Pessoas, em especial de Mulheres e Crianças, assinou o Acordo-quadro Europeu sobre o Assédio e Violência no Trabalho, estando ainda vinculado à Decisão Quadro 629/JHA, de 19 de Julho de 2002 contra o Tráfico de Seres Humanos, e ratificou a Convenção de Istambul.

No entanto, persistem fenómenos estruturais de violência sobre as mulheres que exigem medidas específicas, articuladas e integradas de prevenção, proteção e erradicação, como o reforço dos meios materiais e humanos dos serviços públicos que intervém neste domínio, desde o SNS, passando pela Segurança Social, forças e serviços de segurança, até às autoridades judiciárias.

Desde o início do ano de 2019, em menos de dois meses, foram assassinadas 10 mulheres e uma menina, quase metade das mortes de mulheres de todo o ano passado, e 2018 tinha já registado um acréscimo de femicídios face a 2017.

Afirmava em 1991 o Grupo Parlamentar do PCP que «as razões profundas que conduziram a que no limiar do século XXI, surja com insistência a preocupação mundial com a violência que se abate sobre o sexo feminino, encontramo-las numa estrutura de organização familiar precedendo a formação do Estado baseada numa estrutura hierárquica em que ao chefe – o homem – todos os abusos eram permitidos. Uma organização familiar ditada por interesses puramente económicos que instituiu a desigualdade na família e que transpôs para o próprio Estado, então nascido, o modelo dessa organização, baseada no direito ao abuso do poder e no dever de obediência, por parte dos oprimidos, entre os quais se situam também, como é óbvio, muitos homens. Essas causas profundas da desigualdade, levam-nos a concluir que o tema hoje em debate não se reduz a uma questão privada de relações entre os sexos. É, pelo contrário, uma importante questão política, como questão política é o problema geral de promoção da igualdade, sem a qual a democracia ficará inacabada. A vitimização das mulheres não pode desligar-se do quadro mais geral do estatuto social da mulher».

A violência na família assume diversas formas, afeta diversas classes sociais, é uma incontestável violação dos direitos humanos que põe em causa a relação de liberdade, de respeito mútuo e a igualdade de direitos entre homem/mulher na família, tal como é expresso na Constituição.

Para algumas mulheres, o maior número de vítimas, são razões de ordem cultural que as impede de romper com o ciclo de violência a que estão sujeitas no seio da família. Para outras – a grande maioria – acrescem barreiras económicas e sociais e a falta de alternativas para (re)começar uma nova vida, porque à violência doméstica acresce tantas vezes a violência exercida pelo Estado que permite o elevado desemprego feminino, a precariedade laboral, os baixos salários e discriminações salariais.

As mulheres das classes mais desfavorecidas sofrem, por isso, de uma forma particular esta realidade uma vez que não dispõem dos recursos económicos para aceder ao apoio judiciário, não dispõem de rendimentos, o que as impossibilita de suportar novos encargos com a habitação e com o acompanhamento dos filhos face à ausência de autonomia económica.

Acresce que às situações de violência doméstica, existem situações associadas ao alcoolismo, à toxicodependência e a outros fatores psicossociais, que impõem uma articulação com diversos serviços públicos - segurança social, saúde, educação.

E este fenómeno hoje estende-se cada vez mais aos idosos e às crianças, que, pela situação de vulnerabilidade, de dependência e de ausência de recursos, nomeadamente no que diz respeito às pessoas idosas – pensões baixas, inexistência de uma rede pública de qualidade e a preços acessíveis de cuidados para idosos.

Se há unanimidade em considerar que a violência doméstica é inaceitável nos dias de hoje, os mecanismos para a combater e erradicar não são coincidentes. Os sucessivos governos PS, PSD e CDS demitiram-se há muito das medidas de prevenção das causas da violência doméstica, que conjuga fatores culturais e de ordem económica e social.

Sendo incontestável a necessidade de intervir ao nível dos valores éticos e culturais que continuam a marcar comportamentos e atitudes, não é menos verdade que esse combate não terá sucesso se não for acompanhado por uma ação governativa que combata as causas e fatores que persistem em colocar as mulheres numa situação de vulnerabilidade económica e social a este fenómeno: a pobreza, o desemprego, a precariedade, a exclusão do acesso a direitos básicos, os fatores psicossociais – porque aprofundam as desigualdades e atacam as pessoas nos seus mais elementares direitos.

A proteção e a construção de um novo projeto de vida das vítimas e o acompanhamento dos agressores estão longe do necessário. As vítimas continuam a não aceder ao apoio judiciário e a descoordenação entre as entidades envolvidas é evidente, não obstante as promessas feitas de combate à violência doméstica através da publicação sucessiva de Planos que se saldam por um reduzido alcance social e da publicação da Lei n.º 112/2009 de 16 de Setembro, que, afinal, correspondeu a uma compilação do ordenamento jurídico existente e disperso num só diploma, com pouca matéria que represente, na prática, um avanço na prevenção do fenómeno, na proteção das vítimas e na ressocialização dos agressores.

A prevenção e combate à violência impõe continuar a intervir para quebrar tabus, para que as vítimas tenham consciência dos seus direitos. Aos governos cabe ir mais longe: prevenir e combater a violência, nas suas múltiplas expressões, as suas causas mais profundas e ao mesmo tempo adoptar medidas específicas em cada uma das suas vertentes. Mas sempre tendo como pano de fundo o cumprimento da Constituição da República Portuguesa designadamente quanto à igualdade de direitos e deveres de homens e mulheres no casamento; direito à integridade física e moral; direito à protecção jurídica e o acesso aos tribunais para a defesa dos direitos; direito ao trabalho com direitos; direito ao salário igual para trabalho igual.

Por isso, para o PCP, urge a adopção de políticas transversais que garantam um acesso público e universal à saúde, ao planeamento familiar, ao emprego, à educação, o aumento dos salários, o direito ao trabalho com direitos, o reforço da protecção social, elementos necessários ao verdadeiro combate às causas da violência sobre as mulheres. A adopção de políticas específicas de sensibilização e educação nestas matérias junto das escolas, das polícias, da sociedade e suas organizações.

Por todos estes motivos, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta um Projecto de Lei que prevê o reforço da protecção das mulheres vítimas de violência. Entre outras medidas, propõe-se:

  • O alargamento do conceito de violência abrangendo as várias dimensões desta problemática, no sentido de garantir um quadro legal de protecção às vítimas dos mais diferentes tipos de violência.
  • A responsabilização do Estado na criação de uma rede institucional de apoio às vítimas de violência.
  • A instituição de uma Comissão Nacional de Prevenção e de Protecção das vítimas de violência, à semelhança do que acontece com a Comissão Nacional de Protecção às Crianças e Jovens em Risco, com funções nomeadamente de coordenação da prevenção e da protecção das vítimas de violência.
  • A instituição em cada distrito e em cada região autónoma de uma Comissão de Protecção e Apoio às vítimas de violência, sempre que necessário com um centro de atendimento, podendo, sempre que tal se justifique, serem criados núcleos de extensão da mesma com funções na área da informação e apoio das vítimas e seu agregado familiar, mas também na área da reinserção social dos agressores.
  • O reforço urgente dos meios técnicos e humanos da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego e da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género.

Nestes termos, ao abrigo das disposições legais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projecto de Lei:

CAPÍTULO I

Princípios gerais

Artigo 1.º

Objecto e âmbito

  1. A presente lei reforça os mecanismos legais de protecção às vítimas de violência.
  2. Para efeitos da presente lei, consideram-se violência os actos de violência física, psicológica, emocional ou sexual e as práticas e actos de natureza discriminatória, que violem direitos fundamentais ou que limitem a liberdade e autodeterminação das pessoas, nomeadamente:
    1. a violência doméstica;
    2. a exploração na prostituição;
    3. o tráfico para fins de exploração sexual, laboral ou outros;
    4. o assédio moral ou sexual no local de trabalho.

Artigo 2.º

Alargamento do âmbito

Com excepção das disposições atinentes aos processos judiciais, beneficiam do sistema de protecção e apoio previsto nos diplomas que garantem protecção às vítimas de violência, ainda que nenhuma participação criminal tenha sido apresentada, as vítimas de qualquer ato, omissão ou conduta que lhes tenha infligido sofrimentos físicos, sexuais ou psíquicos, directa ou indirectamente, ofendendo a sua dignidade, a sua liberdade ou autonomia sexual, a sua integridade física e psíquica ou a sua segurança pessoal.

Artigo 3.º

Responsabilidade do Estado

Cabe ao Estado garantir o cumprimento dos direitos das vítimas de violência, criando as condições necessárias à sua efectiva protecção, nomeadamente no que se refere:

  1. à adoção de medidas de prevenção;
  2. à informação e esclarecimento das vítimas sobre os seus direitos;
  3. à existência e funcionamento de uma rede institucional pública de apoio;
  4. à garantia de condições sociais e económicas que assegurem a autonomia e independência das vítimas de violência;
  5. à prestação de cuidados de saúde especializados em estabelecimentos públicos de saúde;
  6. à sensibilização da sociedade para a problemática da violência sobre as mulheres e o papel social da mulher;
  7. à adoção de medidas que garantam a articulação entre a vida profissional e a vida familiar, social e política das mulheres;
  8. à adoção de medidas que concretizem a fiscalização e sancionamento do incumprimento da protecção na maternidade, paternidade e adopção.

Capítulo II

Prevenção e apoio

Secção I

Rede institucional

Artigo 4.º

Rede pública de apoio

  1. Cabe ao Estado assegurar a existência e funcionamento de uma rede pública de apoio a vítimas de violência que integre:
    1. A Comissão Nacional de Prevenção e Protecção das Vítimas de Violência;
    2. Comissões de Proteção e Apoio às Vítimas de Violência;
    3. Uma rede pública de casas de apoio;
    4. Linhas telefónicas de atendimento gratuitas.
  2. É reconhecido às organizações não governamentais um papel complementar na organização e funcionamento da rede referida no número anterior.

Sub-secção I

Comissão Nacional de Prevenção e de Protecção das Vítimas de Violência

Artigo 5.º

Comissão Nacional de Prevenção e de Protecção das Vítimas de Violência

A Comissão Nacional de Prevenção e Protecção das Vítimas de Violência (CNPV), é constituída na dependência conjunta dos Ministérios que tutelam as áreas da Justiça, da Igualdade, do Trabalho e da Solidariedade Social.

Artigo 6.º

Competências

  1. São competências da CNPV, sem prejuízo de outras que lhe venham a ser legalmente atribuídas:
    1. Participar na planificação da intervenção do Estado em matérias relacionadas com prevenção e combate à violência;
    2. Contribuir para a prevenção da violência;
    3. Coordenar, acompanhar e avaliar a acção dos organismos públicos e das estruturas de protecção e apoio às vítimas de violência;
    4. Participar nas alterações legislativas relativas a matérias que integrem o âmbito da sua intervenção;
    5. Avaliar a situação social das vítimas de violência, diagnosticar carências e propor medidas e respostas necessárias;
    6. Promover a articulação entre entidades públicas e privadas no âmbito dos recursos, estruturas e programas de intervenção na área da violência;
    7. Acompanhar e apoiar as Comissões de Protecção e Apoio às Vítimas de Violência.
  2. A CNPV apresenta ao Governo e à Assembleia da República, até junho de cada ano, um relatório anual sobre a sua actividade.

Artigo 7.º

Composição

  1. A CNPV tem a seguinte composição:
    1. Uma individualidade a nomear pela Presidência do Conselho de Ministros, que preside à Comissão;
    2. Um representante de cada Grupo Parlamentar na Assembleia da República;
    3. Um representante do Ministério da Justiça;
    4. Um representante do Ministério da Administração Interna;
    5. Um representante do Ministério do Trabalho e Segurança Social;
    6. Um representante do Ministério da Ciência e da Educação;
    7. Um representante do Ministério da Saúde;
    8. Uma individualidade a indicar pelo Procurador-Geral da República;
    9. Um representante do Governo Regional dos Açores;
    10. Um representante do Governo Regional da Madeira;
    11. Um representante de cada confederação sindical nacional;
    12. Um representante de cada confederação patronal;
    13. Um representante de cada associação de mulheres com representatividade genérica;
    14. Três representantes de associações de protecção e apoio às mulheres vítimas de violência.

Subsecção II

Comissões de Protecção e Apoio às Vítimas de Violência

Artigo 8.º

Comissões de Protecção e Apoio às Vítimas de Violência

  1. Em cada distrito e região autónoma deve ser criada uma Comissão de Protecção e Apoio às Vítimas de Violência (CPAV).
  2. As Comissões são instaladas por Portaria dos Ministros que tutelam as áreas da Justiça, da Igualdade, do Trabalho e da Solidariedade Social.
  3. O diploma de instalação da Comissão pode determinar a criação, no seu âmbito territorial, de núcleos de extensão.

Artigo 9.º

Composição

Cada CPAV é composta por:

  1. Um representante da Segurança Social, que preside;
  2. Um representante de cada câmara municipal da área territorial abrangida;
  3. Um representante do Ministério Público das comarcas abrangidas;
  4. Um representante da Delegação da Ordem dos Advogados das comarcas abrangidas;
  5. Um representante dos serviços de saúde da área territorial abrangida;
  6. Um representante da Direção Geral da Reinserção e Serviços Prisionais;
  7. Um representante de cada força de segurança da área territorial abrangida;
  8. Dois representantes de organizações não governamentais com intervenção em matéria de violência na área territorial abrangida.

Artigo 10.º

Competências

  1. São competências das CPAV:
    1. Coordenar, acompanhar e avaliar, a nível distrital, a acção dos organismos públicos e das estruturas de protecção e apoio às vítimas de violência;
    2. Contribuir para a prevenção da violência;
    3. Informar e apoiar as vítimas de violência e o agregado familiar;
    4. Apoiar a reinserção social dos agressores, a solicitação ou com o consentimento destes.
  2. Cada CPAV apresenta à CNPV e às câmaras municipais, até março de cada ano, um relatório anual sobre a sua actividade e de avaliação da situação relativamente à violência sobre as mulheres.

Artigo 11.º

Prevenção da violência

1- Tendo em vista a prevenção da violência, compete às CPAV desenvolver ações de sensibilização para a problemática da violência em colaboração com outras entidades que desenvolvam actividades na área da promoção dos direitos das mulheres, das crianças, dos idosos ou dos direitos humanos.

2 – Compete ainda às CPAV elaborar pareceres sobre projectos locais dirigidos à prevenção e combate à violência sobre as mulheres.

Artigo 12.º

Apoio às mulheres e ao agregado familiar

  1. As CPAV garantem o atendimento, a informação e o esclarecimento às mulheres vítimas de violência sobre os seus direitos, bem como o seu encaminhamento para as entidades competentes em função da situação de violência de que são vítimas.
  2. Sempre que existam indícios de que as crianças ou jovens que integram o agregado familiar da vítima foram, ou podem ser, física ou psicologicamente afetados pela violência, as CPAV comunicam esse facto à Comissão de Protecção de Crianças e Jovens.

Artigo 13.º

Atendimento

  1. As CPAV são dotadas de núcleos de atendimento, salvo se a área territorial dispuser de centros de atendimento já constituídos.
  2. Os centros de atendimento já existentes são integrados nas CPAV.

Artigo 14.º

Reinserção social dos agressores

A solicitação ou com o consentimento do agressor, as CPAV promovem o apoio psicológico e psiquiátrico ao mesmo, bem como o seu encaminhamento para programas específicos de reabilitação eventualmente existentes.

Artigo 15.º

Órgãos de polícia criminal

  1. Sempre que, no decurso de inquérito relativo a situações de violência, surjam indícios de que as crianças ou jovens que integram o agregado familiar da vítima foram, ou podem ser, psicologicamente afetados, os órgãos de polícia criminal remetem essa informação à Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em risco competente.
  2. Caso os órgãos de polícia criminal não estejam dotados com os serviços necessários ao apoio e acompanhamento das vítimas dos crimes denunciados, devem encaminhar as mesmas para a CPAV e remeter-lhe toda a informação necessária.

Artigo 16.º

Atendimento nos serviços de saúde

Em caso de atendimento em estabelecimento hospitalar ou em centro de saúde, de pessoa que apresente sinais ou admita ter sido vítima de violência, os serviços de saúde comunicam esse facto à CPAV competente, sem prejuízo de participação criminal a que haja lugar.

Subsecção III

Rede pública de casas de apoio às vítimas de violência

Artigo 17.º

Rede pública de casas de apoio às vítimas de violência

  1. Cabe ao Estado assegurar a criação e funcionamento de uma rede pública de casas de apoio a vítimas de violência que integra casas-abrigo e centros de atendimento.
  2. 2 – A rede pública de casas de apoio às vítimas de violência é estabelecida por forma a assegurar a cobertura equilibrada do território nacional, garantindo a existência de, pelo menos, uma casa-abrigo em cada distrito.
  3. 3 – Nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, a rede referida no presente artigo deve contemplar a existência de, pelo menos, duas casas-abrigo.

Artigo 18.º

Casas-abrigo

  1. As casas-abrigo são unidades residenciais destinadas a acolhimento temporário de vítimas de violência, acompanhadas ou não de crianças ou jovens que integrem o seu agregado familiar, e assumem as seguintes tipologias:
    1. Casas-abrigo para vítimas de violência doméstica; ou
    2. Casas-abrigo para vítimas de tráfico e prostituição.
  2. As casas-abrigo, quando tal for admitido no seu regulamento interno, podem acolher outras mulheres vítimas de violência, nos termos da presente lei.

Artigo 19.º

Centros de atendimento

  1. Os centros de atendimento são constituídos por uma ou mais equipas pluridisciplinares, compostas por técnicos indicados pelos serviços públicos de segurança social, educação e saúde da respectiva área geográfica, que garantem, de forma integrada, o atendimento, o apoio e o encaminhamento das vítimas para as entidades competentes em função da situação de violência de que são vítimas, tendo em vista a sua proteção.
  2. O Estado pode criar centros de atendimento especializado no âmbito dos organismos do Serviço Nacional de Saúde, do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras ou dos serviços de emprego, de formação profissional e de segurança social.

Artigo 20.º

Regulamentação

A instalação e o funcionamento da rede pública de casas de apoio a vítimas de violência é regulamentada por decreto-lei, garantindo a integração das estruturas já existentes.

Sub-secção IV

Linhas telefónicas de atendimento gratuitas

Artigo 21.º

Linha de atendimento telefónico gratuita

O Estado assegura o funcionamento de uma linha telefónica gratuita, em funcionamento diário, para prestação de informação relativa, designadamente:

  1. Ao quadro legal de protecção das vítimas de violência;
  2. Às entidades com competência para a proteção de vítimas de violência;
  3. À proteção na maternidade, paternidade e adopção;
  4. Ao quadro legal existente em matéria de direitos das mulheres, crianças, idosos, bem como de pessoas especialmente vulneráveis a fenómenos de violência, nos termos da presente lei.

Artigo 22.º

Linha verde de atendimento telefónico SOS

O Estado assegura o funcionamento de uma linha verde de atendimento telefónico SOS, em funcionamento diário, 24 horas por dia, para denúncias de casos de violência.

Artigo 24.º

Atendimento especializado

As CPAV dispõem de serviços de atendimento especializado que, em caso de urgência, possam adotar as medidas adequadas e necessárias à salvaguarda da integridade física das vítimas, garantindo que possam apresentar queixa às autoridades, sem que corram o risco de expulsão caso não tenham nacionalidade portuguesa.

Artigo 25.º

Serviço SOS de atendimento telefónico

O Estado assegura a existência de serviços SOS de atendimento telefónico que permitam o aconselhamento das vítimas de tráfico na sua língua materna.

Artigo 26.º

Tradução e interpretação

Às vítimas de tráfico é garantida, quando necessária, a tradução ou interpretação linguística junto das entidades responsáveis pela prevenção e combate à violência, nomeadamente órgãos de polícia criminal e instituições da rede pública de apoio.

Artigo 27.º

Apoio Residencial

Cabe ao Estado, em articulação com as autarquias locais, assegurar às vítimas de violência o acolhimento temporário em lugar seguro, nomeadamente através do apoio ao arrendamento, à atribuição de habitação social ou a modalidade específica equiparável, nos termos e condições a definir em diploma próprio.

Artigo 28.º

Apoio às associações

O apoio a conceder pelo Estado às associações que prossigam fins de protecção das vítimas de prostituição ou de tráfico para fins de exploração sexual é objeto de lei especial.

Artigo 29.º

Regulamentação

O Governo regulamenta, por decreto-lei, as medidas específicas de protecção das vítimas de prostituição e de tráfico para fins sexuais, ouvindo para o efeito o Observatório para o Tráfico de Seres Humanos.

Subsecção VI

Disposições comuns

Artigo 30.º

Gratuitidade

Os serviços prestados pela rede pública de apoio às vítimas de violência são gratuitos.

Artigo 31.º

Assistência médica e medicamentosa

Mediante declaração emitida pelas CPAV ou pela entidade que providenciou a admissão em casa-abrigo, os serviços de saúde integrados no Serviço Nacional de Saúde providenciam, gratuitamente, toda a assistência necessária à vítima de violência e, se for caso disso, às crianças e jovens do respectivo agregado familiar.

Artigo 32.º

Acesso aos estabelecimentos de ensino

  1. Às crianças ou jovens que integrem o agregado familiar das vítimas de violência é garantida a transferência para estabelecimento de ensino mais próximo da residência da vítima de violência.
  2. A transferência ocorre mediante apresentação de declaração da CPAV ou da entidade que providenciou a admissão em casa-abrigo.

Capítulo III

Proteção Social

Artigo 33.º

Subsídio de protecção das vítimas de violência

  1. O sistema público de Segurança Social garante às mulheres vítimas de violência, por um período de 6 meses, a atribuição de um subsídio de montante mensal equivalente ao Indexante dos Apoios Sociais, por forma a garantir a sua inserção social e autonomia financeira.
  2. Tem direito ao subsídio de protecção das vítimas de violência quem, mediante declaração das CPAV ou da entidade responsável pela admissão em casa-abrigo, demonstre encontrar-se em situação de insuficiência de meios económicos.
  3. O processamento do subsídio de protecção das mulheres vítimas de violência é regulamentado por decreto-lei no prazo de 60 dias.

Artigo 34.º

Concessão de protecção jurídica

  1. É assegurada às vítimas de violência a gratuitidade da consulta jurídica prestada no âmbito do regime de acesso ao direito e aos tribunais.
  2. É igualmente assegurada às vítimas de violência a concessão do apoio judiciário nas modalidades de dispensa total de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e de pagamento de honorários de patrono.
  3. A protecção jurídica é concedida nos termos dos números anteriores mediante apresentação de requerimento acompanhado de declaração da CPAV ou da entidade responsável pela admissão em casa-abrigo, independentemente da insuficiência de meios económicos.
  4. A concessão de protecção jurídica nos termos dos números anteriores cessa quando se prove, judicialmente, que não foi exercido qualquer tipo de violência sobre o(a) beneficiário(a).
  5. Artigo 35.º

    Abono de família

    À vítima de violência é garantida a atribuição do abono de família relativamente aos filhos menores que a seu cargo se encontrem, processando-se a transferência a requerimento por si apresentado.


    Artigo 36.º

    Isenção de taxas moderadoras

    1. As vítimas de violência doméstica, de tráfico ou de exploração na prostituição, estão isentas do pagamento das taxas moderadoras no âmbito do Serviço Nacional de Saúde.
    2. A isenção é reconhecida mediante apresentação de declaração emitida pela CPAV ou de entidade responsável pela admissão em casa-abrigo.
    3. Capítulo IV

      Protecção no local de trabalho

      Artigo 37.º

      Transferência a pedido do trabalhador

      1. O trabalhador vítima de violência doméstica tem direito a ser transferido, temporária ou definitivamente, a seu pedido, para outro estabelecimento da empresa, desde que corra inquérito criminal relativo à situação de violência de que foi vítima.
      2. A vítima de assédio moral ou sexual no local de trabalho tem direito a ser transferida, temporária ou definitivamente, a seu pedido, para outro estabelecimento da empresa.
      3. É garantida a confidencialidade da situação que motiva as alterações contratuais dos números anteriores, se solicitado pelo trabalhador.
      4. O disposto nos números anteriores é aplicável, com as devidas adaptações, a trabalhadores da Administração Pública.

      Artigo 38.º

      Faltas

      As faltas motivadas por impossibilidade de prestar trabalho decorrente da situação de violência doméstica, de assédio moral ou sexual ou de violação dos direitos de maternidade, paternidade e adoção, são consideradas justificadas e não determinam a perda de retribuição.

      Capítulo V

      Medidas de sensibilização e promoção dos direitos das mulheres

      Artigo 39.º

      Campanhas de sensibilização e promoção dos direitos das mulheres e da não discriminação

      1. O Estado promove anualmente campanhas de sensibilização para a problemática da violência sobre as mulheres, de promoção dos direitos das mulheres, crianças e idosos e da discriminação em função do sexo, orientação sexual, idade, deficiência, entre outros, nomeadamente:
        1. Sobre violência doméstica;
        2. Sobre violência entre pares jovens;
        3. Sobre tráfico de seres humanos;
        4. Sobre exploração de mulheres e crianças na prostituição;
        5. Sobre mutilação genital feminina;
        6. Sobre discriminação salarial em função do sexo;
        7. Sobre direitos laborais e protecção da maternidade, paternidade e adoção e no local de trabalho;
        8. Sobre direitos das crianças;
        9. De divulgação do conteúdo das leis que garantem a igualdade e dos mecanismos existentes para exigir a sua aplicação ou reposição da legalidade;
        10. De combate à utilização da imagem da mulher com carácter discriminatório, nomeadamente em conteúdos publicitários.
      2. As campanhas devem decorrer em locais de acesso público, nomeadamente em terminais de transportes, estabelecimentos de ensino, serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde, serviços da Segurança Social, institutos públicos e outros.

      Artigo 40.º

      Formação específica de magistrados, advogados e órgãos de polícia criminal

      1. O Centro de Estudos Judiciários, a Ordem de Advogados e as entidades responsáveis pela formação dos órgãos de polícia criminal, em articulação com a CNPV, asseguram a integração da prevenção e combate à violência nos respectivos planos de formação.
      2. Sem prejuízo do disposto no número anterior, o Centro de Estudos Judiciários, a Ordem de Advogados e as entidades responsáveis pela formação dos órgãos de polícia criminal promovem anualmente cursos de formação destinados a magistrados e advogados sobre prevenção e combate à violência.

      Artigo 41.º

      Guia das vítimas de violência

      1. O Governo elabora e distribui gratuitamente, em todo o território nacional, um guia que inclua, de forma sistemática e sintética, informações práticas sobre os direitos das vítimas de violência e sobre os meios a que podem recorrer para tutela dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
      2. O guia referido no número anterior deve ser objeto de atualização, edição e distribuição de dois em dois anos.

      Capítulo VI

      Disposições Transitórias

      Artigo 42.º

      Medidas de reforço dos meios técnicos e humanos da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego e da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género

      1. O Governo procede ao reforço, com carácter de urgência, dos meios técnicos e humanos da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) por forma, designadamente, a:
        1. assegurar o número mínimo de um técnico por cada 50 processos;
        2. garantir o funcionamento da linha verde de informações sobre protecção na maternidade e paternidade, de segunda a sexta-feira, das 8 às 13 e das 14 às 18 horas.
      2. O Governo procede ao reforço, com carácter de urgência, dos meios técnicos e humanos da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG) por forma a garantir, designadamente, apoio e aconselhamento jurídico gratuitos.

      Capítulo VII

      Disposições Finais

      Artigo 43.º

      Relatório anual

      1. O Governo apresenta anualmente à Assembleia da República um relatório de diagnóstico das situações de violência registadas pelas diversas entidades com intervenção na matéria.
      2. O relatório anual deve conter ainda o diagnóstico da rede institucional de protecção das vítimas de violência.

      Artigo 44.º

      Regulamentação

      1. O Governo procede à regulamentação da presente lei no prazo de 90 dias após a sua publicação.
      2. Exceptua-se do disposto no número anterior a regulamentação do artigo 28.º, cujo prazo de regulamentação é de 180 dias.

      Artigo 45.º

      Entrada em vigor

      A presente lei entra em vigor no dia imediato à sua publicação, com excepção das disposições que implicam aumento da despesa do Estado que entram em vigor com o Orçamento do Estado para o ano seguinte.

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