Intervenção de Vasco cardoso, membro da Comissão Política do Comité Central, Conferência «Por um Portugal com futuro! Por uma alternativa patriótica e de esquerda»

Renegociação da dívida

Renegociação da dívida

Camaradas e amigos

Portugal teria sido poupado ao Pacto de Agressão em 2011 se, em vez da entrada da Troika em Portugal, tivesse optado por uma renegociação da dívida pública como propôs o PCP. A mobilização de milhares de milhões de euros de recursos públicos para injectar na banca privada, a especulação promovida pelo grande capital em torno dos juros que chegaram a atingir valores de 8% ao ano, a degradação da base produtiva e as limitações impostos ao nosso desenvolvimento pela integração capitalista na União Europeia e o Euro, conduziram na altura o País a uma situação extraordinariamente difícil que seria ainda mais agravada com os 4 anos seguintes de Governo PSD/CDS. Na altura, a opção não era a troika ou a banca rota como diziam os ideólogos do programa de ajustamento. Mas sim a necessidade de uma renegociação da dívida pública, nos seus prazos, juros e montantes como sempre afirmámos.

O desemprego em massa, a pobreza e a emigração, a destruição de direitos e rendimentos, a venda ao desbarato de património e de empresas públicas, a degradação dos serviços públicos e a quebra vertiginosa do investimento, a recessão e a miséria que atingiu a sociedade, foram o preço que o Povo português teve que pagar, por uma dívida que, em grande parte, foi contraída para beneficiar o grande capital.

Entretanto, nos últimos anos a situação da dívida pública no nosso País teve evoluções que não podem ser ignoradas. A sua dimensão em relação ao PIB tem vindo a reduzir-se, seja pelo crescimento económico verificado acima dos 2%, seja pelo abatimento de várias tranches, designadamente as referentes ao FMI. A dívida atingia no final de 2017 o equivalente a 124,8% do PIB e este ano prevê-se que ficará em 121,2%, quando já chegou a representar 130,6% no final de 2014. As taxas de juro também diminuíram, resultantes quer de uma tendência mais geral no plano internacional, com as taxas de juro a assumirem mínimos históricos, quer de operações de gestão da dívida desencadeadas pelo Estado português. O peso dos juros pagos pelo Estado português aos credores também diminuiu sensivelmente. Para o ano, segundo o Relatório do OE19 que está em discussão, os juros pagos pela dívida pública serão equivalentes a 3,3% do PIB, cerca de 6,9 mil milhões de euros por ano, quando já chegámos a pagar mais de 8,5 mil milhões de euros por anos. Registaram-se ainda alterações ao nível da composição e detentores da dívida, com cerca de metade da dívida directa do Estado a ser uma dívida interna, ou seja, detida por instituições nacionais públicas e privadas (incluindo a banca) e por aforradores e investidores diversos.

Perante tudo isto, há quem considere que a dívida deixou de constituir um problema e a sua renegociação, uma necessidade. Longe vão os tempos do chamado “Manifesto dos 70” em que sectores da direita clamavam pela dilatação dos prazos e pela redução dos juros. A relativa acalmia dos ditos mercados, a saída do procedimento por défice excessivo ou a subida de notação da dívida pública pelas agências de rating, induzem uma aparente normalidade que fazem com que este tema tenha, com excepção do PCP, sido progressivamente abandonado, incluindo por todos aqueles que se renderam às chamadas micro-reestruturações que o PS preconiza. E no entanto, aqui estamos nós a falar da dívida pública e do que ela significa enquanto factor que não só impede o desenvolvimento do País, como constitui um autêntico sorvedouro dos recursos nacionais.

Nos últimos dez anos, incluindo já este de 2018, observamos que Portugal despendeu cerca de 73 mil milhões de euros só para pagar juros da dívida pública. Se olharmos para a frente, para os próximos cinco anos, estaremos a falar em mais 34 mil milhões de euros. Uma pipa de massa, como se costuma dizer, que está a ser canalizada, não para responder ao aumento dos salários e pensões, não para melhorar o funcionamento dos serviços públicos, não para retomar o investimento público e dinamizar a produção nacional, mas para alimentar a rentabilidade do sector financeiro e de todos os que lucram com o negócio da dívida. É provável que, se não houver nenhum outro grande banco a ir à falência, se não eclodir uma nova crise na economia mundial, se a situação internacional se mantiver com relativa estabilidade, se não existir nenhum outro movimento especulativo em torno dos juros da dívida, se a economia crescer a um ritmo superior a 2% ao ano, se não houver nenhuma recessão, é provável, que a dívida possa continuar a ser paulatinamente reduzida. Mesmo assim, se essa trajectória se mantiver, só lá para 2038 é que Portugal passaria a ter uma dívida inferior a 60 % do PIB como reclama a UE. Mesmo assim, são muitos “ses”, todos eles imponderáveis e incompatíveis com os maus presságios que vem de todo o lado sobre o elevado risco de nova crise económico-financeira , todos eles fora da nossa capacidade soberana de decisão. Mais. Significaria a continuação pelas próximas duas ou três décadas de todo o quadro de limitações que se colocam ao povo português. Nos salários, no investimento público, na resposta às necessidades de desenvolvimento. Significaria que o País não saía da cepa torta, que as nossas possibilidades de desenvolvimento e a resposta aos problemas nacionais não só continuaria adiada, como se avolumariam problemas e contradições susceptíveis de desabar sobre o povo português.

Portugal precisa de encarar a renegociação da sua dívida pública, nos seus prazos, juros e montantes como uma necessidade e como uma possibilidade. Fazê-lo, implica assumir simultaneamente a possibilidade de recuperar a sua soberania monetária. A evolução trágica que se verificou na Grécia nos últimos anos, mostra-nos que o grande erro, não foi o Governo do Syriza ter colocado em cima da mesa a renegociação da dívida, mas antes, tê-lo feito sem ponderar a sua libertação do Euro. Para o PCP, a renegociação da dívida pode e deve estar articulada com a libertação da submissão ao Euro e a recuperação do controlo público sobre a banca. Esse nosso objectivo, constitui uma necessidade que mais cedo do que tarde se irá colocar a um governo que esteja comprometido com os interesses nacionais, a um governo capaz de adoptar uma política patriótica e de esquerda.

Entretanto, dentro da caixa forte do Euro, o caminho que está a ser seguido pelo PS, é o de reduzir paulatimante a dívida, em ordem ao PIB. O PS, tal como PSD e CDS, tudo apostam em reduzir o peso da dívida e do serviço da dívida (amortizações e juros) à custa do crescimento, cortando no investimento, mobilizando os chamados superávites orçamentais primários que já ultrapassam os 4 mil milhões de euros para abater em termos absolutos a dívida. Mas também aqui se exige outra estratégia orçamental adaptada ao actual contexto nacional (nomeadamente de baixa inflação, capacidade produtiva desaproveitada, baixo investimento e alto desemprego). Inevitavelmente também em colisão com o euro, mais precisamente com as regras do euro, mas com outra margem de manobra, proporcionada e avalizada pela demonstração dos resultados. A opção do PCP, coloca também, mesmo dentro nas margens estreitas da actual situação, a possibilidade da redução do peso da dívida e do seu serviço por via do crescimento económico, promovendo o investimento dirigido, mobilizando os superávites orçamentais primários (isto é, excluindo o pagamento dos juros) para alavancar um crescimento no mínimo razoável que permita reduzir o peso da dívida pública em ordem do PIB que continua a ser uma das mais elevadas do mundo.

Por último, permitam-me uma referência ao nó górdio do problema do endividamento externo, público e privado. A nossa dependência externa, os profundos défices existentes no plano produtivo, energético, científico e tecnológico. Um País que não produz aquilo que precisa para se desenvolver, é um país crescentemente endividado. A renegociação da dívida nos seus prazos, juros e montantes, articulada com a libertação da submissão ao Euro, requer uma grande determinação e coragem para fazer avançar um processo que será sempre de ruptura e confronto com as imposições da UE e os interesses do grande capital. Mas não basta renegociar, é preciso aumentar a produção nacional, produzir mais para dever menos, para substituir importações, para criar emprego, para dinamizar a economia e o desenvolvimento do País. Na proposta política que apresentamos ao Povo português, o conjunto de eixos estratégicos que propomos no quadro da política alternativa não são separáveis, antes se interligam na sua dimensão nacional e de classe, naquilo que consideramos e bem, uma política patriótica e de esquerda que abra caminho a um Portugal com futuro.

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