Intervenção de Carla Cruz, Deputada, Apresentação Pública do Projecto do PCP «Lei de Bases da Saúde»

Garantir o direito constitucional à saúde e fortalecer o Serviço Nacional de Saúde

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Camaradas, amigos,

Saúdo-os a todos e agradeço a vossa presença nesta sessão de apresentação da proposta do PCP de Lei de Bases da Política de Saúde.

Dissemo-lo não há muito tempo, no Encontro Nacional do Partido sobre a Saúde, que aberto o processo de revisão da lei de bases, o PCP não deixaria de intervir de forma autónoma e determinada.

Ora, aqui estamos! A apresentar a nossa proposta de Lei de Bases da Política da Saúde. A proposta que pretende garantir o direito constitucional à saúde e fortalecer o Serviço Nacional de Saúde.

Fazemo-lo porque estamos muito conscientes que a actual Lei de Bases da Saúde e as opções políticas de sucessivos Governos da política de direita, de que o actual Governo PS não se demarca, feriram profundamente o Direito Constitucional à Saúde.

Com a actual Lei de Bases da Saúde e com as opções de sucessivos Governos da política de direita, o Serviço Nacional de Saúde foi amputado de instrumentos fundamentais para o garantir o direito à saúde, designadamente de financiamento, de profissionais em número adequado para prestar cuidados de saúde de qualidade, em segurança e de forma atempada.

Todas estas opções concorreram para a enfraquecer a resposta pública e para incrementar a resposta privada, favorecendo sobretudo os grandes grupos monopolistas que operam no sector da saúde.

Não são os dados do PCP, são os dados do Instituto Nacional de Estatística que o confirmam! Em 2016 existiam 114 hospitais privados e 107 públicos e 4 em regime de Parceria Público Privada (PPP).

28 anos depois da aprovação da Lei de Bases da Saúde e da sua aplicação, podemos afirmar, sem quaisquer tibiezas, que esta foi instrumento para o subfinanciamento crónico do SNS, levou ao abandono do modelo de gestão participada, democrática, que lhe pré-existia optando pela generalização do modelo de gestão baseado na nomeação; encorajou o não investimento em equipamentos e tecnologias, e a degradação progressiva dos vencimentos, das carreiras e das condições de trabalho dos profissionais de saúde.

E, no caso dos utentes, imputou-lhe custos que são insuportáveis, assim como os obrigam a esperar meses a fio, senão mesmo anos, por uma consulta ou cirurgia!

Apesar de todo o mal que foi causado ao SNS, este continua a ser um dos melhores serviços públicos que existe no mundo.

Tal só é possível graças à dedicação e empenho dos seus profissionais, que todos os dias, na esmagadora maioria das vezes em condições muito precárias e insuficientes, prestam cuidados de qualidade. Semelhante empenho tiveram em 1979 e que foi imprescindível para a construção do SNS, ou mesmo anos antes, quando puseram em marcha e concretizaram o Serviço Médico à Periferia, percursor do Serviço Nacional de Saúde.

E também só é possível porque o SNS é filho da Revolução de Abril, e, por isso mesmo, apropriado pelo povo como sendo um direito de Todos que não pode ser sonegado!

Camaradas, amigos,

Como dissemos atrás, a proposta de Lei de Bases da Política de Saúde que hoje damos a conhecer é uma proposta que garante o direito à saúde e atribui ao Estado a responsabilidade de o concretizar através do SNS.

O direito constitucional à saúde exige que seja o Governo a definir a política de saúde. Uma política que tenha âmbito nacional e que respeita os compromissos internacionais assumidos pelo Estado Português, as Orientações da Organização Mundial de Saúde e que reconhece o impacto que as políticas sectoriais têm na saúde.

Ou seja, uma política de saúde que adopte o primado que a saúde é produto da relação dialéctica entre os indivíduos e as suas circunstâncias materiais, nomeadamente as condições económicas, sociais e ambientais em que evolui.

Neste sentido, a nossa proposta assenta numa abordagem transdisciplinar que exige opções governativas que coloquem a saúde no centro de todas as políticas, permitindo-se a intervenção sobre os determinantes sociais da saúde e de produção de doença, tais como na pobreza e exclusão social, no emprego, na habitação, na qualidade da água e do ar, no acesso aos serviços de educação, saúde, serviços sociais e transportes.

Por isso propomos que para promoção da saúde, para a definição dos cuidados de saúde a prestar, bem como para a definição de medidas de prevenção da doença devem contribuir e participar para além do Ministério da Saúde, organismos e entidades das áreas da Economia, Finanças, Segurança Social, Educação, Ciência, Trabalho e do Ambiente e organizações representativas dos trabalhadores.

Uma política de saúde que assente no planeamento em recursos humanos, materiais, tecnológicos e financeiros e na monitorização de desempenho de forma completa, integrada e discriminada adequando-o às necessidades identificadas e às aquisições do progresso científico e tecnológico.

Por isso propomos que o Estado seja o financiador, o prestador e o regulador e não um Estado que se demite por via da transferência de atribuições, competências e recursos para terceiros, designadamente para os grandes grupos privados que operam na saúde.

Na nossa proposta, não há lugar para Parcerias Público Privadas, para Entidades Públicas Empresariais, por isso a nossa proposta integra a extinção das unidades de saúde que funcionam em regime de PPP e de EPE.

Na nossa proposta o Serviço Nacional de Saúde, retoma os seus princípios fundadores: Universal, Geral e Gratuito.

Ou seja, um Serviço que presta cuidados de saúde a todas as pessoas sem discriminações, em condições de dignidade e igualdade e em todos os pontos do território nacional, ou no estrangeiro sempre que haja necessidade e, em casos identificados e justificados. Um Serviço que assegura todo o tipo de cuidados técnica e cientificamente validados que incidem na promoção da saúde, prevenção da doença e no tratamento e na reabilitação não sendo cobrada qualquer taxa ou pagamento por cuidados que lhe são prescritos. Ou seja, abolimos as taxas moderadoras.

O SNS universal, geral e gratuito é prosseguido pela alocação de verbas, através do orçamento do estado, imprescindíveis ao funcionamento, à modernização e melhoria das instalações e equipamentos e contratação e valorização dos profissionais.

O SNS universal, geral e gratuito também é prosseguido por via da gestão pública, descentralizada e participada, sendo para tal concedida autonomia administrativa e financeira às entidades e estabelecimentos que o compõem.

A gestão pública, descentralizada e participada implica uma responsabilidade não delegável do Estado, escrutinável, em todos os estabelecimentos e serviços do SNS e assenta, entre outros aspectos, na existência de órgãos colegiais, cujos membros são seleccionados por concurso público e na participação dos profissionais, dos utentes e das populações na gestão das unidades e estabelecimento do SNS.

O modelo de gestão assenta ainda na eleição pelos pares dos directores clínico, de enfermagem e dos representantes dos outros profissionais de saúde. Fica assim eliminado o modelo de nomeação para os órgãos de gestão e direcção dos estabelecimentos e serviços do SNS.

A nossa proposta de Lei de Bases da Saúde assume claramente esses princípios! Assim como assume a separação dos sectores – público, privado e social. E atribui aos sectores privado e social um carácter supletivo ao SNS, cabendo ao Estado regular e fiscalizar as actividades por estes prestadas assegurando a sua conformidade com o interesse público.

Assume ainda que para o SNS funcionar é necessário a existência de órgãos centrais, regionais e locais, sendo que destes últimos se destacam os Sistemas Locais de Saúde.

Os Sistemas Locais de Saúde têm como objectivos estruturar e organizar todos os níveis de cuidados de saúde – primários, hospitalares, continuados e de reabilitação e paliativos – de molde a garantir resposta às necessidades da população em termos de cuidados de saúde, nomeadamente a acessibilidade e continuidade a todos os níveis de cuidados.

Os Sistemas Locais de Saúde preconizam ainda a obtenção da máxima rendibilidade e eficiência dos meios disponíveis e visam manter adequados ritmos de incorporação de profissionais, novas tecnologias e inovação organizativa, de forma a garantir os níveis de qualidade e segurança que os conhecimentos técnico-científicos permitam e uma permanente capacidade de resposta adequada a novas necessidades.

Camaradas, amigos,

Não há Serviço Nacional de Saúde sem Profissionais. Neste sentido, a proposta que hoje apresentamos assenta numa política de recursos humanos que assegura a existência de um número adequado de profissionais que permita satisfazer as necessidades da população em cuidados de saúde através do correto dimensionamento das dotações de trabalhadores e a sua distribuição pelo território nacional.

Assim como assenta numa política de recursos humanos que tem como trave mestra a existência de condições de trabalho dignas, a integração de todos os profissionais nas carreiras e com remunerações adequados de forma a incentivar e valorizar o regime de trabalho a tempo completo e a dedicação exclusiva ao SNS.

E, por fim, uma política de recursos humanos que assegura aos profissionais de saúde e às suas organizações representativas o direito a participar na definição da política de saúde nos órgãos do SNS.

Os utentes e, de forma veemente, a defesa dos seus direitos constituem um elemento central da proposta de lei de Bases da Saúde do PCP.

Defesa que está consagrada com o carácter público, geral e gratuito dos cuidados de saúde prestados pelo SNS e pelo facto de a prestação de cuidados de saúde se fundar em princípios como os da humanização e integração de cuidados. De ser abrangente, isto é, abarcar a prevenção da doença e a promoção da saúde, o diagnóstico, o tratamento e reabilitação do doente e o acompanhamento em fim de vida, sendo o SNS responsável pela sua prestação.

Camaradas, amigos,

A proposta de lei de bases da política do PCP não poderia nunca esquecer questões específicas da política de saúde, nem os grupos vulneráveis e de risco.

Neste sentido, abordamos as questões da genética médica, da saúde mental, da saúde ocupacional e da política do medicamento e dos dispositivos médicos. Em todas elas estão vertidos os princípios da responsabilidade do Estado na elaboração do diagnóstico, da definição de políticas para a prevenção e tratamento e reabilitação dos doentes, a cobertura de todo o território nacional por forma a prestar cuidados de saúde de qualidade, em segurança e de forma atempada.

E, no caso da política do medicamento e dos dispositivos médicos, as tecnologias usadas, designadamente de medicamentos e outros produtos farmacêuticos devem estar de acordo com os mais recentes conhecimentos científicos, com os resultados dos estudos que demonstrem pertinência, custo-efectividade e a vantagem económica da respectiva utilização no contexto do serviço público de saúde.

As tecnologias aprovadas, sejam medicamentos, sejam outros produtos químicos e farmacêuticos, sejam dispositivos médicos e cirúrgicos, constam de formulários nacionais que são vinculativos para os estabelecimentos do SNS.

Outra área específica da política de saúde abrangida pela nossa proposta prende-se com a saúde pública e a autoridade de saúde pública. Tal como as anteriores, também, a saúde pública é da responsabilidade do Estado, sendo garantida pelas Autoridades de Saúde de nível nacional, regional e local e pela intervenção do SNS.

Entre as várias áreas de intervenção da saúde pública destacamos a prevenção primária, secundária e terciária da doença ao longo da vida mediante a vacinação, a saúde infantojuvenil, a saúde do adulto e do idoso e a garantida da saúde oral, visual, auditiva e mental a toda a população.

A proposta de lei de bases da política de saúde do PCP não podia deixar de fora dimensões centrais para a melhoria da prestação de cuidados de saúde a toda a população, como sucede com a formação superior, a formação pós-graduada e a formação contínua dos profissionais de saúde.

Nunca é demais recordar que as melhorias e os ganhos em saúde em Portugal foram e são o resultado da disseminação de cuidados de saúde por todo o território, a melhoria e elevação das condições de vida que se seguiram aos anos da Revolução de 1974 e à formação graduada e pós-graduadas dos profissionais de saúde, a par da integração dos profissionais nas diversas carreiras permitindo-lhes progredir e desenvolver profissionalmente.

Camaradas, amigos,

Estes são os traços centrais da proposta de Lei de Bases da Saúde do PCP que nos distingue de outras propostas.

A proposta do PCP obriga ao cumprimento do imperativo constitucional que coloca como incumbência do Estado garantir o cumprimento do direito à proteção da saúde, individual e coletiva, que assegura a robustez da força de trabalho, o desenvolvimento e o progresso económico-social e a coesão nacional e que a entende como um instrumento de governação que contribui para a salvaguarda da soberania nacional e a autodeterminação popular. A proposta centrada nas pessoas e no seu bem-estar ao longo de todo um percurso de vida de qualidade.

Uma proposta progressista e que fortalece o Serviço Nacional de Saúde e rompe com a política de direita para a saúde.

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