Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral, Debate «Crianças e pais com direitos. Portugal com futuro»

Crianças e pais com direitos. Portugal com futuro

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Quero agradecer a todos os participantes e aos que trouxeram contributos para a reflexão que nos propusemos realizar com este debate “Crianças e pais com direitos, Portugal com futuro.” Uma reflexão que tem que necessariamente continuar, pela vastidão e importância do tema e pela necessidade de apurar opiniões e propostas.

Neste debate falámos das novas gerações de trabalhadores, a quem têm sido negados os sonhos, o direito a ter um projecto de vida assumido em liberdade, com realização pessoal, profissional e social. Um projecto de vida em que seja efectivamente assegurado o seu direito de decidir ter ou não ter filhos, quantos e em que momentos das suas vidas. Tais premissas estão longe de ser realidade.

Demos centralidade aos filhos destas novas gerações de trabalhadores, porque são crianças e jovens que estão a ser fortemente penalizados no seu desenvolvimento integral. Desde logo, em resultado de uma realidade familiar, determinada e largamente prejudicada por relações laborais alicerçadas na exploração de quem trabalha – os pais – com expressão concreta na precariedade laboral, na desregulação dos horários de trabalho, no crescente número de trabalhadores que trabalham por turnos, ao sábado e ao domingo.

O trabalho mal pago, os baixos salários, as discriminações salariais, a par dos elevados custos com habitação, transportes, pagamento de creches, de despesas com a educação ou a saúde, consomem uma fatia considerável do rendimento das famílias trabalhadoras. São factores que, aliados aos longos horários de trabalho, ao tempo perdido em deslocações casa/emprego, à precariedade e à incerteza quanto ao futuro, exercem uma forte pressão psicológica e emocional sobre os trabalhadores, que tem impactos negativos nas crianças e jovens.

Estes impactos negativos precisam de ser amplamente desocultados nas suas causas e consequências mais profundas. São os filhos dos trabalhadores que pagam o preço desta factura, seja nas situações de pobreza infantil, na impossibilidade de uma alimentação equilibrada, na falta de convívio com os pais, numa ocupação dos tempos livres pouco saudável. Sobre os pais pesa tantas vezes a culpabilização pelo excesso de horas na creche, no infantário, na escola, ou mesmo sozinhos. Na melhor das hipóteses, contam com o apoio de irmãos mais velhos ou de avós que acabam por tentar substituir e suprir a ausência dos pais.

Esta é uma realidade generalizada, de uma violência inaceitável, que se repercute na negação do tempo necessário para acompanhar, criar, ver crescer os filhos. Este é um direito dos trabalhadores que não pode continuar a ser alienado, porque viola, nega, os direitos das crianças e dos jovens!

Mas não tem de ser assim! É necessário efectivar os direitos dos trabalhadores que são pais garantindo deste modo uma importante parcela dos direitos das crianças e jovens.

Quando associamos Portugal com futuro à ideia de que as crianças de hoje têm que ter os seus direitos salvaguardados e respeitados, fazemo-lo porque temos a concepção de que a maior riqueza de um país, de qualquer país, é o seu povo. As crianças são um «bem precioso», e quanto maior for o desenvolvimento integral que lhes possamos oferecer, melhores perspectivas de desenvolvimento e progresso pode ter o nosso País. Garantir que as crianças de hoje crescem saudáveis, curiosas, interventivas, cultas no sentido amplo que o termo cultura tem, é garantir que os adultos da próxima geração, daqui a 10, 15 ou 20 anos são pessoas capazes de construir um País desenvolvido e soberano.

Crianças a crescer em agregados familiares com graves carências económicas, passando horas demais entre as quatro paredes da creche ou da escola, a interiorizar a ansiedade que a precariedade da vida de quem cuida delas gera, não são crianças que cresçam nas melhores condições para terem um desenvolvimento harmonioso, integral, feliz. E isso terá inevitavelmente consequências nos adultos que virão a ser.

Quando dizemos que são necessárias medidas urgentes para intervir junto das crianças e dos pais, fazemo-lo a pensar na actualidade, nos seus direitos hoje, mas também nas possibilidades de desenvolvimento do País num futuro próximo.

As famílias têm um papel insubstituível da vida das crianças. Não pode ser questionado, só pode ser apoiado.

O Estado tem responsabilidades no cumprimento das suas funções designadamente na promoção dos direitos de todas as crianças à saúde, à segurança social, à educação, à cultura e ao desporto. Porque essas são condições necessárias para garantir igualdade a todas as crianças e jovens.

O PCP intervirá para que seja concretizado o projecto de resolução, aprovado na Assembleia da República, em Julho de 2016, visando a criação de um Programa Extraordinário de combate à pobreza infantil, acompanhado pela elaboração anual de um Relatório sobre a situação da infância em Portugal. E para que seja aprovada a proposta de criação de uma Comissão Nacional dos direitos das crianças e jovens, que se encontra em discussão na especialidade na Assembleia da República.

Falar nos direitos dos pais e das crianças exige combater o incumprimento dos direitos de maternidade e paternidade. A legislação está muito longe de ser exercida na vida, desde logo, a partir das empresas e locais de trabalho. O desrespeito por estes direitos e pela função social da maternidade e paternidade continua a ter lugar nas situações de discriminação no acesso ao emprego das jovens mulheres, porque podem engravidar e por isso criar “embaraços” à lógica de produção capitalista. Quantas jovens mães não têm acesso à licença de maternidade? Muitas são as situações concretas que nos chegam de clara violação destes direitos.

Quantas mães são condicionadas no seu direito de decidir quanto tempo gozam de licença de maternidade, não em função da sua vontade ou do superior interesse da criança, mas da pressão para voltar depressa ao trabalho? Quantas mães gozam parcelarmente a licença de maternidade ou prescindem de amamentar os filhos (quando a Organização Mundial de Saúde o recomenda até aos seis meses) não por opção própria, mas para evitar as “indesejáveis” ausências de meses no emprego? Quantos pais, homens, que desejariam gozar a licença de paternidade, se deparam com um quadro laboral e social que dificulta a sua efectivação? Estas são situações que permanecem e estão longe ser residuais.

Não pode continuar a ser assim! É preciso dar confiança às mães e aos pais trabalhadores no seu legítimo direito de o quererem ser sem penalizações e em pleno. É preciso dar-lhes confiança para lutar em cada empresa e local de trabalho pelo cumprimento da lei!

Mas, ao mesmo tempo, para o PCP, é preciso ir mais longe no aperfeiçoamento da legislação.

Temos propostas em discussão na especialidade na Assembleia da República sobre o alargamento das licenças de maternidade e paternidade, e com alterações ao Código de Trabalho e da Lei do Trabalho em Funções Públicas para reforçar a protecção das grávidas, puérperas e lactantes e de trabalhadores no gozo de licença parental.

Tudo faremos para que estes projectos de lei sejam aprovados na votação final prevista para breve. Porque eles dão corpo a novos avanços, no plano legislativo, nos direitos de maternidade e paternidade.

Importa, ainda, reflectir sobre as causas do abismo entre as recorrentes promessas de sucessivos governos - PS, PSD e CDS – relativas a medidas de incentivo à natalidade, de conciliação entre a vida profissional e familiar, de defesa dos direitos de maternidade e paternidade e o agravamento das causas estruturantes que impedem a efectivação dos direitos dos trabalhadores que são pais e a ausência de promoção dos direitos dos seus filhos.

Não obstante a renovação das gerações e a promoção dos direitos das crianças serem uma responsabilidade do Estado e da sociedade, a maternidade e a paternidade deverem ter uma função social, como está consagrado na Constituição da República, na prática, tal não é cumprido.

A decisão de ser mãe e pai é encarada como um problema individual de cada trabalhador, abandonado e refém das suas próprias circunstâncias, em que a natureza das relações laborais e a lógica da exploração da mão-de-obra se sobrepõe sempre aos direitos laborais enquanto pais e mães e ao necessário acompanhamento do processo de crescimento dos filhos.

A taxa de natalidade em Portugal é muito baixa, há um desequilíbrio crescente entre o número de idosos e de jovens, e desde os anos 80 que deixou de ser assegurada a renovação das gerações, o que, a não ser invertido, põe em causa a sustentabilidade demográfica do País. Os sucessivos governos referem-se a estes factos como se de inevitabilidades se tratassem.

Todos os estudos confirmam que a maioria dos casais querem ter mais do que uma criança e, no entanto, a grande maioria tem apenas um filho.

A verdade é que a política de direita é responsável pela continuada redução do número de crianças que anualmente nascem, pelas limitações que criou e pela falta de condições que alimentou. Também as centenas de milhares de jovens que emigraram nos últimos anos, resultante dessa mesma política, não pesam pouco nesta equação, e não está a ser feito nada para que regressem. Entre 2011 e 2016, emigraram cerca de 448 mil portugueses com idades entre os 20 e os 44 anos.

E não se argumente com alterações sociológicas.

Existem alterações sociológicas que correspondem a conquistas civilizacionais. Desde logo, na concretização de importantes direitos das mulheres, como o controlo da sua fecundidade, através do planeamento familiar, assegurando o direito a decidir se e quando querem ter filhos, e quantos. Esse é um avanço extraordinário, que garante às mulheres a possibilidade de se realizarem em muitas esferas da vida. Do mesmo modo, a maternidade e a paternidade são hoje ainda mais encaradas como uma responsabilidade e um compromisso para com os filhos, a quem querem proporcionar o melhor.

O aumento da esperança média de vida também é uma importante conquista civilizacional e, por si só, não conduz ao envelhecimento da população.

É, de facto, na política de direita que encontramos a causa estrutural deste problema. Todas as investigações sérias demonstram que as razões apontadas pelos casais para não terem os filhos que desejam se relacionam com os “custos financeiros associados” e à “dificuldade para ter emprego”, mas igualmente à necessidade de aumento do rendimento familiar e condições de trabalho para quem tem filhos sem perder direitos.

As causas encontram-se no desemprego, na precariedade dos vínculos laborais e nos baixos salários. A percentagem de trabalhadores por conta de outrem com contratos não permanentes era, em 2017, 22% do total nos sectores público e privado - a terceira mais elevada da Europa. No sector privado a precariedade ultrapassa os 33% e 80% dos novos contratos celebrados nos primeiros três meses de 2017 assentaram em vínculos precários.

São situações de instabilidade que, somadas às dificuldades com a habitação e os transportes, dificultam ou impedem a decisão de ter filhos para muitos milhares de trabalhadores que os desejariam ter.

É preciso romper com este rumo. Portugal com futuro precisa de mais crianças, mais jovens, mais população.

Por mais que se pretenda ocultar, sem a valorização dos trabalhadores, dos seus salários, da revogação das normas gravosas do Código de Trabalho, da redução do horário de trabalho para todos os trabalhadores, da valorização dos salários e o respeito pela função social da maternidade não são, nem serão cumpridos os direitos constitucionalmente consagrados.

Como os artigos 67 e 68 da Constituição da República referem,

- há responsabilidade do Estado na promoção da independência social e económica dos agregados familiares;

- os pais e as mães têm direito à protecção da sociedade e do Estado na sua insubstituível acção em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação, com garantia de realização profissional e de participação na vida cívica do País.

Da nossa parte continuaremos a procurar ouvir, de diversas formas, todos os que estão directamente ligados aos direitos das crianças e jovens, além dos próprios – os pais, os técnicos de saúde, os educadores e professores, diferentes entidades e organizações sociais de defesa dos direitos dos trabalhadores, das mulheres, das crianças e jovens em risco, entre outros.

Continuaremos a aprofundar propostas e soluções, no âmbito da política patriótica e de esquerda, que promovam os direitos das novas gerações, dos que são pais ou desejam sê-lo, e que promovam os direitos das crianças.

Permitam-me, entretanto que adiante o seguinte: as famílias e as crianças precisam de tempo para viver, precisam de ter assegurada a sua autonomia económica e social. Estes são pilares fundamentais para construirmos uma sociedade verdadeiramente amiga das crianças.

As famílias precisam de mais tempo para viver, e para isso é necessário: reduzir o horário de trabalho para as 35 horas, sem redução do salário. Construir uma política de transportes centrada nos utentes e na compatibilidade dos meios, essencial para não perder horas de vida entre a casa, o trabalho e a escola.

Aumentar o tempo das licenças de maternidade para 180 dias pagos a 100% e o alargamento das licenças obrigatórias, da mãe para 9 semanas, do pai para 30 dias. Este é um apoio decisivo nos primeiros meses de vida de um bebé, tempo irrepetível na construção de vínculos e na protecção da saúde.

As famílias precisam de ter assegurada a sua autonomia económica e social, o que passa pela existência de um plano nacional que dê combate ao flagelo da precariedade, pelo aumento geral dos salários, e, em particular, do Salário Mínimo para 650 euros em Janeiro, pela universalização do abono de família e pela valorização dos montantes.

O Estado tem que garantir que todas as crianças e jovens têm as mesmas condições para crescerem saudáveis e felizes, independentemente do contexto em que nasceram. E isso passa por garantir a criação de uma rede pública de creches; pela gratuitidade dos manuais escolares no ensino obrigatório; pela garantia de médico e enfermeiro de família a todos os agregados familiares com crianças; pela existência de pediatras nos cuidados primários de saúde; pela criação de uma Comissão Nacional dos direitos da Criança, que estude e zele pelo cumprimento dos direitos.

Dizem-nos, sim, têm razão mas não há dinheiro! Ainda hoje se pôde ler a afirmação do Primeiro-Ministro que, ao mesmo tempo que afirmam não ser possível um justo aumento salarial a quem não tem qualquer aumento há 9 anos, garante que não faltarão 35 mil milhões nos próximos 5 anos para pagar uma dívida que não é pagável sem renegociação. Já sem falar de que para a banca há sempre mais uns milhares para acudir aos desmandos dos banqueiros e à crise do sistema financeiro. Então o problema não está em não haver dinheiro, o problema é a opção política.

As crianças também precisam de tempo. Tempo para brincar, para dormir o suficiente, para conviver com a família e com os amigos, para estar ao ar livre. Por isso propomos a criação de um plano nacional de ocupação de tempos livres, em substituição das AEC, para não estarem o tempo todo fechadas na escola, mas antes a experimentar, a alargar horizontes, ou mesmo só a brincar livremente.

Álvaro Cunhal disse uma frase de notável sensibilidade: “O amor pelas crianças, a luta para lhes assegurar tudo quanto necessitam no presente e para lhes assegurar o futuro, é parte inalienável do progresso e da luta dos comunistas”. E é. Estamos muito empenhados neste combate. Faremos mais que a nossa parte!

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