Intervenção de Jorge Pires, Membro da Comissão Política do Comité Central, Encontro Nacional do PCP sobre a saúde em Portugal

Serviço nacional de Saúde Público e de Qualidade - direito à saúde para todos

Serviço nacional de Saúde Público e de Qualidade - direito à saúde para todos

Camaradas e amigos

Bom dia a todos

Se quisermos utilizar uma linguagem mais técnica adequada à iniciativa que estamos a realizar, podemos afirmar que depois do diagnóstico feito, o Serviço nacional de Saúde está doente. Não uma doença incurável, mas que há muito está detectada e muito pouco tem sido feito para a curar.

Este é o resultado da política de direita e de uma ofensiva contra o SNS que se iniciou no dia em que ele nasceu, 15 de Setembro de 1979. Se fizermos uma resenha histórica da avaliação que fomos fazendo ao longo dos anos e que encontramos plasmado nas conclusões dos vários encontros nacionais, podemos confirmar esta nossa acusação.

No 1.º Encontro Nacional realizado em 1980, que foi um marco no exame de diagnóstico e propostas terapêuticas para a saúde em Portugal, concluiu-se que «o caos a que chegaram muitos serviços de saúde poderia muito ser evitado se muitas das soluções por nós propostas tivessem sido implementadas.»

Passados 8 anos, em Fevereiro de 1988 o Partido disse no seu 2.º Encontro Nacional que « oito anos de governos de direita, em que se sucederam no Ministério da Saúde o CDS, o PS e o PSD, saldaram-se por um constante desvirtuar do projecto contido na Lei de bases do SNS em proveito de soluções espúrias, tomadas ao sabor de interesses estranhos aos dos profissionais e dos utentes».

Nesta altura, com Cavaco Silva no governo, «foi iniciada uma etapa, qualitativamente nova, na destruição do SNS e no escancarar ao grande capital desta área apetecida de chorudos lucros». Governo que pretendeu institucionalizar – seguros de saúde, generalização das convenções, privatização de hospitais, centros de saúde e outros serviços públicos ou a entrega da sua gestão a entidades privadas -, decorrentes da filosofia do primado das actividades privadas, que conduzem como a experiência alheia o demonstrou, a duas consequências fundamentais : o crescimento em flecha e descontrolado das despesas com a saúde, quer para os cidadãos quer para o Estado e a desigualdade no acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde, já que este fica dependente da sua capacidade económica e estatuto social.

Como é sabido, a convergência destes dois fenómenos tem conduzido, nos países onde “tais soluções foram adoptadas”, à existência de percentagens consideráveis de população sem a cobertura de qualquer sistema organizado de assistência e a vastas camadas e classes médias vivendo na insegurança em relação à doença, sua gravidade e duração.

Com Cavaco Silva é entregue a gestão do Amadora/Sintra ao Grupo Mello.

Já em 1993 o PCP dizia que «o SNS é hoje um conjunto desarticulado de unidades de saúde que se debatem com carências de toda a espécie e em processo de desmembramento legislativo com administrações incompetentes, com sub-utilização da capacidade material e humana instalada, com equipamentos degradados e desactualizados e onde, como já é do conhecimento público, se verificam casos de violação das normas de segurança no funcionamento do serviços.»

Passados 13 anos, na Resolução do 4.º Encontro nacional realizado em 2006, no último Encontro Nacional foi inscrita a afirmação de que «A ofensiva privatizadora atingiu nos últimos anos uma dimensão nunca vista afectando gravemente o direito à saúde. A ofensiva ideológica, política e social contra os trabalhadores da saúde é uma componente fundamental da estratégia da direita e do grande capital, que atingiu êxitos assinaláveis traduzidos na criação e aprofundamento de linhas de divisão destes entre si e com os restantes trabalhadores e o povo, com degradação da sua imagem pública e consequentemente perda de influência ideológica e política e de importantes direitos sociais e laborais.»

Hoje passados 39 anos após a fundação do SNS podemos concluir dois aspectos da maior importância para a nossa análise e intervenção:

- Um primeiro é que apesar da doença prolongada que o afecta, o SNS, mostrou uma capacidade de resiliência invejável, mantendo-se hoje como um dos melhores serviços públicos de saúde do mundo;

- Um segundo, é de que existem no País e particularmente no seu interior forças suficientes para o defenderem.

Camaradas e amigos

A deterioração dos serviços de saúde tem constituído motivo de activa denúncia por parte dos profissionais e justificado alarme para os utentes e para a população portuguesa em geral, que têm vindo a verificar, em muitos serviços crescente perda de qualidade dos cuidados de saúde a que constitucionalmente têm direito.

Desde a realização do 1.º Encontro Nacional de Saúde do PCP em 1980, que o Partido traçou orientações gerais e definiu o que entendemos por um Serviço Nacional de Saúde, que na altura foi um referencial indispensável para mudar a saúde em Portugal. Até hoje, passados 38 anos, o PCP não mais deixou de ter uma intervenção activa e qualificada na defesa do direito à saúde e do Serviço Nacional de Saúde, entendido como o instrumento de concretização desse direito.

Sistematicamente somos confrontados com a a afirmação de que o SNS tem um fundador, um “Pai”, sem pretender fazer uma discussão em torno desta afirmação, creio que é altura de chamar a atenção e valorizar a intervenção de centenas de comunistas, que longe dos holofotes da comunicação social, tiveram um papel importantíssimo, decisivo em muitos aspectos, na definição dos contornos de um Serviço Nacional de Saúde e na sua defesa ao longo dos anos, conforme a Constituição da República e os interesses e anseios do povo português.

Contra o SNS estiveram sempre os chamados interesses instalados na saúde, designadamente a direita médica, os grupos privados dominantes na produção e distribuição de produtos farmacêuticos e equipamentos e os grupos financeiros privados com as suas seguradoras.

Lembrar aqui, mesmo que uma parte muito pequena do que tem sido a nossa intervenção no sector da saúde após a revolução de Abril, não significa, antes pelo contrário, que estamos amarrados ao passado. Aprendemos com a nossa própria experiência, mas sempre abertos à experimentação, inovação e actualização de conceitos e métodos, face aos contínuos progressos do conhecimento humano e das ciências em particular, bem como das sociedades humanas, mas reafirmando sempre princípios éticos que não podem ser hipotecados em nome dos custos, ou de outros interesses.

Princípios, como: o direito à saúde como um direito fundamental; o acesso aos cuidados de saúde independentemente das condições económicas ou do estatuto social de cada um; e o papel supletivo da medicina privada em relação ao SNS, são para nós inegociáveis.

Nós no Partido não somos dos que pensam saber tudo. Faz parte do nosso ADN, aprender, aprender sempre. Aprender com a vida, ouvindo os outros e considerar as suas opiniões e propostas e depois decidir de forma autónoma longe de quaisquer interesses, que não sejam os do País e do povo. Valorizamos muito e Integramos as nossas opiniões individuais na discussão e decisão colectivas, o que nos permite ampliar a força das nossas propostas.

O nosso Encontro não é nem um ponto de chegada nem de partida . É um ponto intermédio de reflexão sobre a situação que se vive hoje no SNS, sobre as causas dos problemas e insuficiências que o afectam, sobre a identificação dos responsáveis políticos, mas também um momento importante na definição das propostas para o presente e o futuro, integradas no projecto político do Partido.

O facto de não termos tido o tempo suficiente para ir mais longe na reflexão que fizemos e porque estamos a tratar de uma matéria muito específica e complexa, que exige muito estudo, que não pode deixar de ter em conta as realidades regionais de um País assimétrico, com grandes desigualdades, faz com que cheguemos a este Encontro com a necessidade de continuar a aprofundar algumas questões e consensualizar soluções para alguns dos problemas. No nosso Partido nunca foi um problema a existência de opiniões diferenciadas, o problema só existirá se não formos capazes, o que não é o caso, de fazer aproximações sucessivas das diferentes opiniões até estarmos em condições de decidir. Isto é o que se chama trabalho colectivo.

Isto para vos dizer, com toda a naturalidade, que a fase preparatória deste Encontro Nacional identificou algumas, poucas matérias, em que é preciso ir mais longe no aprofundamento da avaliação que fazemos da realidade para termos a certeza de que o que propomos é o melhor para o SNS.

Como é referido na nota de abertura do Projecto-Resolução em discussão, o 5.º Encontro Nacional do PCP realiza-se num momento particularmente difícil da vida do Serviço Nacional de Saúde. Dificuldades que têm origem numa ofensiva prolongada no tempo fruto da política de direita que se desenvolveu no País ao longo dos 39 anos de existência do SNS, política de direita executada por governos do PS, PSD e CDS cujos objectivos imediatos visam diminuir os encargos do Estado com a saúde, negando à maioria da população o acesso aos cuidados de saúde que precisam no tempo adequado e com qualidade.

Ao longo dos 39 anos de existência do SNS os seus adversários, foram de forma sistematizada consolidando um caminho apontado ao objectivo de construir em Portugal um “sistema de saúde a duas velocidades”, que tem na sua matriz o primado da iniciativa privada na saúde. Um sistema em que os mais pobres terão acesso a um conjunto de garantias mínimas na prestação de cuidados, executado por um serviço público desvalorizado e sem os meios necessários e para os restantes portugueses uma solução assente nos seguros privados de saúde e na prestação de cuidados de saúde pelos grupos privados.

Porque estamos numa fase em que precisamos de ser muito claros na relação com os portugueses, é preciso esclarecer que não alinhamos na tese de que os problemas são em grande medida o resultado da incompetência, negligência e incúria de sucessivos governos que provocam de forma deliberada e consciente a degradação do SNS, ao mesmo tempo que favorecem a instalação de empresas privadas que asseguram lucros ao capital e saúde para os que têm mais dinheiro.

Também não nos identificamos com a ideia de que os problemas do SNS resultam das dificuldades económicas do País. No início da semana num conjunto de visitas realizadas a unidades de saúde na Área Metropolitana de Lisboa, o Secretário Geral do Partido, o camarada Jerónimo de Sousa, denunciou o facto do governo, que anda obcecado com a diminuição do défice, não aproveitar o facto de ter poupado mais de 800 milhões de euros do que estava previsto, para investir nos serviços públicos, fazendo antes a opção de distribuir esse dinheiro no apoio à banca e para o pagamento do serviço da dívida, esse sorvedouro da riqueza do País.

Ao contrário os arautos da política de direita não mostram nenhuma preocupação com o facto de serem transferidos para o sector privado da área da saúde mais de 5.000 milhões de euros ano, em medicamentos, PPP, regime convencionado, subsistemas públicos de saúde.

É preciso dizer aos portugueses que há muito se vem desenvolvendo um processo profundamente ideológico que visa, não apenas a destruição do serviço público de saúde, mas que é igualmente parte de uma ofensiva mais geral contra os serviços públicos e as funções sociais do Estado, enquadrada no objectivo da reconfiguração do Estado.

Neste confronto que se trava em torno do SNS, confrontamos-nos com forças poderosas no plano económico que têm no plano político partidário porto de abrigo nos partidos da política de direita, PS, PSD e CDS.

Não é exagero quando afirmamos que o SNS está hoje no centro de um confronto político e ideológico que há muito se vai travando na sociedade portuguesa, de cujo resultado dependerá o futuro do SNS. Um confronto que reclama da parte do PCP uma intervenção determinada, persistente sem desfalecimentos, no esclarecimento e mobilização dos portugueses para uma luta que será prolongada e exigente, mas decisiva para o futuro do SNS.

E por isso quando nos questionam porque não somos mais sistemáticos na crítica, perante as dificuldades do SNS, porque não somos mais agressivos na denúncia dessas dificuldades, nós respondemos que a nossa tarefa prioritária é defender o serviço público, denunciando e criticando com responsabilidade, mas rejeitar qualquer possibilidade de a partir de uma intervenção menos ponderada contribuirmos, mesmo que inconscientemente para aumentar o coro daqueles que não têm nenhum interesse em resolver os problemas do SNS, em defender o direito dos portugueses à saúde, antes pelo contrário o objectivo é acabar com o SNS.

Aos portugueses que muitas vezes perante a doença têm muitas dificuldades em aceder aos cuidados de saúde de que necessitam e por esse facto se tornam alvos vulneráveis da retórica dos arautos da política de direita, é preciso esclarecer de que a intervenção de cada um na defesa dos seus direitos, é fundamental para defender o acesso à saúde e que não é nos grupos privados da saúde que vão encontrar o porto seguro que lhes é prometido.

Façamos a avaliação que fizermos sobre o SNS, não encontramos alternativa à melhoria da prestação de cuidados de saúde, que não seja reforçar o SNS única forma de garantir a universalidade de cuidados. E já agora, quem faz melhor e mais barato é o público e não o privado.

Os partidos da política de direita só não foram mais longe, porque no terreno onde se desenvolve o principal confronto entre os querem destruir o SNS, e os que o defendem, porque os trabalhadores da saúde, em torno das suas organizações de classe souberam dizer presente, foram para a luta, uma luta que partindo do particular, das suas reivindicações laborais, parte muitas vezes para o geral, ou seja para defesa do SNS e essa, é uma luta que também é em defesa dos interesses dos utentes.

Utentes, as principais vítimas, vêem com angustia a fragilização da garantia de cuidados de saúde que a constituição lhes prometera; assistem muitas impotentes ao desaparecimento de regalias e de unidades de saúde; debatem-se com o problema de adquirir ou não os medicamentos que necessitam; vêem os custos a pagar directamente do seu bolso crescerem. Mas não baixam os braços e com todas as dificuldades que são conhecidas, mais nus momentos do que noutros, deram uma resposta muito positiva ao chamamento das comissões de utentes da saúde.

Camaradas

Uma breve nota, para já, sobre o processo de revisão da Lei de Bases da Saúde.

Como é do conhecimento público, está prometido para breve a abertura do processo de revisão da Lei de Bases da Saúde.

Sobre esta matéria três notas breves:

Para o PCP uma parte muito significativa dos problemas de que padece o SNS, não resultam da Lei, mas de opções de política de direita que têm vindo a ser concretizadas.

Uma segunda, para dizer que não percebemos onde se pode verificar, na actual composição da Assembleia da República, uma correlação de forças favorável à revisão progressista da Lei. Fazer as contas na base da correlação de forças que permitiu a solução política que foi encontrada após as eleições legislativas, não nos parece nada provável. Atente-se nas movimentações que já se iniciaram no sentido de um possível acordo entre PSD e PS.

Terceira nota, aberto o processo o PCP não deixará de intervir de forma autónoma e determinada.

Camaradas

Outros camaradas vão debruçar-se sobre vários aspectos concretos da política de saúde, sobre as nossas propostas, mas há uma questão relativamente à qual quero partilhar a minha reflexão na base de uma experiência de mais de 15 anos com a responsabilidade desta tarefa no Partido. Estou a referir-me à organização e intervenção partidária neste sector.

A saúde apesar de ser uma matéria muito específica, ela é do interesse de todos os portugueses, pelo que o Partido no seu todo deve estar preparado para intervir sobre a saúde a todos os níveis da sua organização. Este é um sector que não pode ser entendido como algo que diz respeito apenas aos profissionais de saúde pelo que o acompanhamento desta frente de trabalho deve estar associado ao trabalho regular das Organizações Regionais e Concelhias do Partido. Naturalmente que o nível de organização e intervenção não pode estar desligado da organização e os meios que temos que temos em cada região.

É na organização dos profissionais que devemos concentrar uma parte importante dos nossos esforços, sendo que esta é uma questão onde nos últimos anos mostrámos dificuldades significativas que importa ultrapassar.

Para que o Partido possa intervir junto dos trabalhadores da saúde é fundamental ter camaradas organizados a partir dos locais de trabalho, que conheçam a realidade da unidade de saúde onde têm a sua actividade, que conheçam as preocupações e aspirações dos trabalhadores, que contribuam para o reforço das organizações representativas dos trabalhadores, que contribuam para o esclarecimento e mobilização dos trabalhadores para as lutas em defesa do seus direitos

Organizar melhor significa estruturar o Partido, atribuir responsabilidades de direcção, renovar e rejuvenescer os organismos, recrutar mais trabalhadores para o Partido, pelo que a linha de trabalho decidida na última reunião do CC do Partido de contactar 5000 trabalhadores no plano nacional em todos os sectores, é um instrumento fundamental para concretizar este objectivo.

E para que as conclusões do nosso Encontro cheguem a muitos milhares de portugueses, estamos em condições de anunciar que estão criadas as condições, incluindo os grandes meios de propaganda para concretizar-mos uma campanha em defesa do Serviço Nacional de Saúde, no mês de Maio.

Bom encontro boas conclusões, são os meus votos.

Viva o Partido comunista Português

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