Intervenção de João Dias na Assembleia de República

«O PCP não acompanha a estratégia de privatização dos portos»

O PCP defende a necessidade de uma efectiva coordenação ao nível do planeamento estratégico e do desenvolvimento territorial entre, por um lado, os portos nacionais, o investimento e as apostas que, para eles, são decididas e, por outro, o nosso aparelho produtivo, o seu desenvolvimento e a sua inclusão como parte integrante das cadeias logísticas.

Os portos são infraestruturas complexas, onde se desenvolvem múltiplas actividades económicas, envolvendo diferentes tipos de empresas e de trabalhadores especializados, com intervenção de várias entidades públicas que actuam de forma complementar, obrigando a uma grande coordenação de usos e de gestão do espaço portuário.

Em geral, a gestão de uma infraestrutura portuária deve ser assegurada de forma integrada, independentemente das diferentes actividades que nela se desenvolvam, viabilizando a optimização da sua exploração e a compatibilização dos diferentes usos: Marinha de comércio, Marinha de pesca, náutica de recreio, actividades marítimo-turísticas, entre outros usos.

Ao longo das últimas décadas, têm-se desenrolando vários processos e opções politicas, que no essencial visam a privatização de vários setores do estado, com ritmos e impactos diferentes:
• Abertura dos sectores económicos à iniciativa privada;
• Privatização das empresas do sector empresarial do estado;
• Transferência da administração directa do estado para a administração indirecta;
• Formatação do estado aos interesses dos grandes grupos económicos;
• Privatização das funções sociais do estado;
• Transferência para a iniciativa privada de actividades estratégicas do estado;
• Venda do património do estado.

Há quem argumente que nem todos terão a mesma importância política, económica ou mesmo social. Quanto a nós, todos os sectores, sem excepção, constituem um elo da corrente da politica de direita que visa reduzir ao mínimo as funções do Estado, maximizando, em contrapartida, o âmbito empresarial da iniciativa privada, com evidentes reflexos na acumulação da riqueza.

É neste contexto que se insere a estratégia de privatização dos portos marítimos ligados ao transporte de mercadorias, para depois se prosseguir com a privatização da componente ligada à captura de pescado.

Identificamos claramente a necessidade de romper com as politicas seguidas por anteriores Governos de PS; PSD e CDS, que procuram dar a ideia de que governam no sentido da «causa pública», embora, na verdade e na prática, convirjam no sentido da «causa privada»!

A questão é a seguinte: o investimento do Estado, destina-se a quê? A ter retorno financeiro? A estimular as funções sociais do Estado? A melhorar as condições de vida e de trabalho da população? Ou a multiplicar por N vezes o investimento privado? Esta é que é a questão!

A estratégia já é velha e bem conhecida, em primeiro lugar o pretexto é envolver previamente, assessorias e consultadorias, umas e outras pagas a peso de ouro e, posteriormente, empresas privadas onde não deixarão de participar, certamente, ex-ministros e ex-secretários de Estado, alguns deles titulados de assessores e consultores das empresas privadas. Não podemos defender politicas onde o estado constrói as infraestruturas, garante a sua manutenção e, depois os concessionários ficam com o rendimento! Isto é um roubo! O Estado fica com os custos e os concessionários com o lucro!

Nesse sentido não acompanhamos a estratégia da privatização dos portos, a opção tem que ser outra! Uma outra politica que corresponda ao interesse geral do país. Contrária aquela que tem sido seguida pelos governos de PS; PSD e CDS. Entendemos, pois ser fundamental a existência de uma estratégia adequada ao interesse nacional, em que a dinamização de sectores produtivos seja orientada, primeiramente, por uma questão de soberania e de valorização da produção nacional, para a supressão das carências do país. A existência de uma estratégia desta natureza não será certamente do agrado de um conjunto de interesses económicos, que se movimentam na procura do aumento dos seus lucros, porém temos a certeza de que é a melhor forma de defesa do interesse nacional.

Por isso reafirmamos a necessidade de romper com a opção por uma política que tem sacrificado o investimento em nome do défice! Uma politica que sacrifica níveis mais elevados de crescimento pela submissão aos compromissos da União Europeia. Que no caso do sector marítimo-portuário, é bem evidente.

Uma outra grande preocupação do PCP tem a ver com recusa de politicas de afastem a gestão portuária da actividade produtiva. É que nós não podemos ter um País apenas a importar ou a ver passar mercadorias e, por isso, o aparelho produtivo, os portos nacionais e todo o sistema logístico nacional têm de estar, efectivamente, articulados.

De facto, para o PCP existe uma necessidade de se implementar uma visão integrada, harmoniosa, coerente do desenvolvimento do sector portuário. Não podemos ter os portos nacionais a lutar uns contra os outros, a concorrer uns contra os outros! Só com uma diferenciação dos perfis produtivos, complementaridade dos sistemas logísticos e a sua articulação efectiva e verdadeiramente assumida como factor estratégico, então aí sim o País terá um sistema portuário mais coerente, mais forte e em melhores condições de responder às necessidades do País.

A opção da politica dos últimos anos aponta para a segmentação dos portos, entregando por um lado os portos de pesca e marinas às autarquias e por outro os portos comerciais, de passageiros e algumas marinas a concessionários, o que irá inevitavelmente fazer com que os portos de menor dimensão não consigam sobreviver – Quando um porto é liquidado! É liquidada toda a actividade produtiva local! Assim a escolha só pode passar por uma gestão global dos portos, de modo a que os portos de maior dimensão ajudem os portos de menor dimensão.

Apostar neste sector corresponde, a apostar na modernização das infra-estruturas portuárias existentes e na rede de transportes com a qual se interliga, de modo a ser potenciada a capacidade produtiva instalada e incrementada a sua capacidade de exportação.

Damos como exemplo o porto de Setúbal, é mais dedicado às mercadorias, precisa de maior articulação com o aparelho produtivo, como as minas alentejanas e a Autoeuropa. Já o porto de Sesimbra está vocacionado à pesca, porém apresenta uma envolvente com uma especificidade socialmente mais frágil. E o porto de Lisboa, sendo de mercadorias, é menos ligado à grande produção e mais à importação de bens, e tem de coordenar com a vertente lúdica dos cruzeiros. Para o PCP Estas especificidades não são inimigas da complementaridade, contudo não exigem que se faça uma fusão da gestão dos portos! Concordamos com a simplificação e desburocratização dos processos, mas isso não implica necessariamente uma fusão da gestão.

No que respeita especificamente aos portos de pesca, existem grandes debilidades, não só no que diz respeito às condições infra-estruturais, bem como às condições operacionais, mostrando-se pouco seguros para a actividade da pesca, para as embarcações, para os profissionais e para as condições de funcionamento.

Destacamos aqueles que entendemos ser os maiores problemas:
• Verifica-se uma degradação geral da componente infra-estrutural dos portos de pesca, nomeadamente ao nível dos molhes de protecção e da estabilidade das acessibilidades marítimas;

• Nesta componente, são observáveis situações regulares de assoreamento dos canais de acesso aos portos e aos cais operacionais, não se realizando com a regularidade necessária as dragagens que permitam a regularização das condições de segurança para a navegação;

• A gestão global do espaço portuário é efectuada sem que se registe um esforço eficaz de ordenamento do seu uso por parte das diferentes actividades, sendo a pesca o sector normalmente mais prejudicado;

• Em muitas situações, a falta de ordenamento abrange falta de condições de higiene e de segurança, que prejudicam o normal desenvolvimento das actividades e criam situações que potenciam acidentes de trabalho;

De facto, é o sector da pesca que mais é afectado pelas deficientes condições de segurança e operacionais dos pequenos portos, pois é a actividade da pesca que mais utiliza as infraestruturas, durante mais tempo ao longo do ano e de uma forma mais dependente, pois quando a situação se degrada, é o trabalho dos pescadores e dos armadores e os seus rendimentos que ficam em causa.

Nesse sentido, o PCP tem defendido a existência de uma Empresa Pública de dragagens. Aliás o País já dispôs de uma empresa pública de Dragagens, a DRAGAPOR, privatizada em 2000. Não faz sentido a inexistência de um plano nacional de dragagens. Hoje o país recorre a empresas estrangeiras, particularmente dinamarquesas, para o serviço de dragagem em barras e canais, com custos avultados e agravando a balança de transacções. O país tem necessidades permanentes a satisfazer – como sejam, Viana do Castelo, Aveiro, Figueira da Foz, Lisboa e Algarve, só para dar exemplos, além de outras necessidades ocasionais. Um Serviço Nacional de Dragagem, devidamente equipado, criaria não apenas mais emprego directo em Portugal, como emprego indirecto nos estaleiros nacionais que podem reparar e até construir este tipo de equipamentos. Importa saber que medidas tem o Governo pensado adoptar face às necessidades nacionais de Dragagem?

Relativamente à "A Economia do Mar e o Sector Marítimo-Portuário" a questão essencial de todos estes problemas é a da estratégia de desenvolvimento, defesa e garantia da soberania nacional e do interesse público nessa matéria.

Disse.

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