Projecto de Resolução N.º 1443/XIII

Por um Plano Nacional de Material Circulante Ferroviário

O resultado da política de direita na ferrovia nacional está à vista na degradação hoje patente neste sector, consequência da subordinação aos ditames das grandes potências e das multinacionais europeias. A situação que se verifica é de pulverização do sector ferroviário nacional, numa crescente dependência das multinacionais, já consumada no transporte de mercadorias. Entretanto, assiste-se à tentativa e preparação da transferência dos terminais ferroviários de mercadorias e da exploração comercial do transporte de passageiros para o controlo dos grandes grupos económicos transnacionais (sendo que, na exploração, a DB alemã já detém 30% do que está concessionado: Fertagus, Metro do Porto e Metro Sul do Tejo).

Enquanto o sector ferroviário era retalhado para criar oportunidades de negócio, os investimentos foram sucessivamente adiados, o material circulante atingiu e ultrapassou largamente a sua vida útil, a infraestrutura degradou-se, com o correspondente aumento do risco para a segurança ferroviária. Por outro lado, os trabalhadores são cada vez menos e a sua média etária cada vez mais elevada. Perante este contexto, diminuiu também o número de passageiros transportados, sendo que a recuperação dos últimos anos não alcançou sequer o número de passageiros de 2010.

Enquanto o país, por opção de sucessivos governos, se demitia de planificar o desenvolvimento, ficava cada vez mais refém da planificação definida e imposta a um nível supranacional, nomeadamente pela União Europeia.

Ao longo dos anos foram sendo feitos os anúncios, ora de planos ferroviários, ora de aquisição de comboios, planos que acabariam por ser cancelados e sistematicamente substituídos por novos anúncios. Relembra-se a este propósito: o concurso cancelado em 1999 para material para Cascais; o concurso cancelado em 2001 de aquisição de Automotoras Diesel Ligeiras; o concurso cancelado em 2001 para remodelação de carruagens do Inter-regional; a remodelação cancelada de 25 UTD 600 entre 2000 e 2004; o concurso cancelado em 2009 para aquisição de unidades para o Metro do Mondego; o concurso cancelado em 2010 para aquisição Automotoras Regionais Diesel; o concurso cancelado em 2010 para aquisição de material circulante elétrico para o suburbano.

Entretanto, a Comissão de Trabalhadores da CP tornou pública a sua contribuição quanto ao que deverá ser o plano de investimentos no Material Circulante da CP, atendendo ao estado atual da frota e aos anúncios de aquisição de novas composições feitos pela administração da empresa. Ressalta da análise a necessidade imperiosa de retomar o investimento no material circulante, sem o que será impossível desenvolver o transporte ferroviário.

Na Audição que o Grupo Parlamentar do PCP realizou sobre o Sector Ferroviário, no passado dia 16 de fevereiro de 2018, foi possível ainda identificar as necessidades de material circulante de outras empresas do país, e que se sintetizam no quadro seguinte:


Unidades ao Serviço

Perspetiva de Vida Útil

Lançamento do Concurso

Unidades a adquirir

Urbanos de Lisboa

Linha Sintra, Azambuja, Alcântara

50

2022

2027

2019

2024

123

10

2029

2026

Linha Sado

3

2033

2030

Linha de Cascais

31

2013

2010

Linha Ponte 25 abril

18

2029

2026

Urbanos Porto

34

2032

2029

40

2

2033

2030


Regional

Rede eletrificada

55

2033

2030

57

Rede não eletrificada (Via Larga)

19

2020

2016

30

2


2010

20

Material alugado a Espanha

Rede não eletrificada (Via Estreita)

7

2021

2019

10

Ramal da Lousã

Hoje encerrado

6

Longo Curso

Intercidades - Carruagens

57

2015

2012

102*

45

2023

2020

Intercidades -Locomotivas

19

2023

2020

24*

3

2033

2030

Alfa Pendular

10

2029

2026

12

Internacional

Material alugado a Espanha


Metro do Porto

72

2027

2023

130

30

2030

2027

Metro de Lisboa

18

2030

2026

111

38

2035

2031

18

2037

2033

37

2039

2035

Para a expansão da rede

18

* (ou automotoras, se se abandonar aqui a locomotiva mais carruagem)

Como este quadro resumo das necessidades nacionais de material circulante indicia, o país está hoje colocado perante enormes atrasos acumulados. É urgente adquirir material para onde o atual já ultrapassou a sua vida útil – Linha de Cascais, Serviço Regional, Longo Curso – e começar a planear os processos cujas datas de fim de vida se aproximam rapidamente. Registe-se ainda que este levantamento não trata de abordar as necessidades que virão a ser criadas com a implementação de novas Linhas de Metro Ligeiro de Superfície.

Estas necessidades são objetivas, e não podem ser adiadas sob pena de se encerrarem transportes públicos fundamentais para o país e para as populações. Entretanto, há que rejeitar com toda a clareza a opção por mais modelos PPP, que levam a ainda mais despesa pública, como o demonstram todas as PPP hoje existentes, onde o Estado para não contrair um dado empréstimo, contraiu antes compromissos financeiros muito superiores e a juros insustentáveis. Nem tão pouco é solução continuar a apostar no aluguer de material circulante antigo ao estrangeiro, que representa custos sem retorno de qualidade e fiabilidade, além de, a continuar, representar mais de 200 milhões de euros nos próximos 20 anos. O envelhecimento do material circulante e a sua operação para além do limite razoável implica um crescente gasto na sua manutenção e reparação, estimando-se em mais de 40 milhões de euros o acréscimo de despesas pela idade da atual frota.

Os investimentos necessários devem é ser racionalizados, de forma a reduzir o seu volume, calendarizá-los, integrá-los num modelo de exploração e a garantir o máximo contributo para a economia nacional. Nesse aspeto importa garantir três questões:

  • Que os concursos de aquisição de todo o material circulante tenham uma direção centralizada, que se imponha a máxima incorporação nacional na produção destes equipamentos, criando condições para que a EMEF possa aqui assumir um papel central e, ainda, alimentar outras unidades produtivas necessárias ao processo.
  • Que a aquisição de material se faça de séries com o maior número possível de unidades, ainda que depois a sua entrega seja intercalada no tempo. Tal permitiria reduzir não só o custo e o tempo da fase de projeto e homologação, como ainda reduzir o custo de aquisição, manutenção e reparação, bem como simplificar a gestão de peças sobressalentes. O racional estender-se-ia ainda ao nível da qualificação de trabalhadores, quer os da operação, quer os da manutenção (por exemplo, não faz qualquer sentido adquirir uma série de 6 unidades para o longo curso, como anunciou a CP).
  • Que o material a adquirir continue com o essencial da manutenção e reparação a ser realizado em Portugal e pela EMEF, recusando que as multinacionais «ofereçam» um ligeiro desconto no preço de compra para garantirem receitas futuras com a manutenção dos equipamentos.

No que respeita ao material circulante, o país precisa de enfrentar com coragem as necessidades que se colocam, montar um autêntico plano de fomento para a satisfação dessas necessidades, e aproveitar para no processo criar e modernizar capacidade produtiva, contribuindo para retirar Portugal da dependência e do subdesenvolvimento.

Neste plano importa ainda salvaguardar que os investimentos na Infraestrutura avancem sem tibiezas, quer na eletrificação de linhas, quer na correção de traçados, quer na sinalização de via, quer ainda nas condições de estações e apeadeiros, comprovando a necessidade de voltar a colocar todo o sector ferroviário sobre um comando único.

Assim, tendo em consideração o acima exposto, ao abrigo da alínea b) do artigo 156º da Constituição da República e da alínea b) do número 1 do artigo 4º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, propõem que a Assembleia da República adote a seguinte:

Resolução

A Assembleia da República, nos termos do nº 5 do artigo 166º da Constituição da República, resolve recomendar ao Governo o desenvolvimento de um Plano Nacional de Material Circulante Ferroviário,

  1. a partir do levantamento das necessidades de material circulante para a ferrovia nacional, no horizonte dos próximos quinze anos;
  2. privilegiando a aquisição de material com a máxima uniformização possível e evitando a multiplicação de séries e equipamentos;
  3. promovendo no processo produtivo a máxima incorporação nacional;
  4. mantendo a manutenção e reparação desse material nas empresas públicas nacionais;
  5. envolvendo nesse processo as comissões de trabalhadores das empresas do sector;
  6. procedendo ao lançamento imediato dos concursos mais urgentes, e preparando a inscrição no próximo Orçamento do Estado da previsão plurianual de investimentos a realizar.
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