Intervenção de Bruno Dias na Assembleia de República

«O problema do desenvolvimento tecnológico é o saber a quem serve e ao serviço de quem está»

Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,

Há um ponto de partida incontornável para nós neste debate, que é o da exigência de superar as crescentes dificuldades de um País mais periférico, dependente e vulnerável, dificuldades que se acentuaram com a adesão ao Euro. É a necessidade da recuperação dos instrumentos políticos e económicos perdidos que se revelem indispensáveis ao seu desenvolvimento, no plano económico e monetário, das relações comerciais e do desenvolvimento do sector produtivo, e da defesa da produção nacional e do emprego. É a necessidade de garantir a sua soberania e o pleno direito do povo português de decidir do seu próprio destino e de ver assegurada a prevalência dos interesses nacionais.

Há avanços tecnológicos a operarem-se a grande velocidade e com impactos significativos na organização do trabalho e na sociedade e com previsíveis desenvolvimentos num futuro próximo. A questão é que, com ou sem aplicação de progressos tecnológicos, estes têm sido pretexto em nome da competitividade, da concorrência, da globalização e da internacionalização para impor cada vez mais uma política de exploração da força do trabalho e do empobrecimento geral.

São disso expressão o aumento das desigualdades; a redução do peso dos rendimentos do trabalho na distribuição do rendimento nacional; o crescente incremento da subcontratação através de cadeias de distribuição e produção globais; a liquidação do direito de contratação colectiva e de outros direitos; a pressão para a substituição dos sistemas de segurança social por medidas assistencialistas; as medidas de política fiscal que aliviam os lucros e penalizam o trabalho, entre outras, como o alargamento do horário normal de trabalho; mas também a exigência de disponibilidade 24 horas por dia e de flexibilidade de horário.

A este propósito regressam as velhas teses em torno do «fim do trabalho» ou de um «trabalho sem futuro». Apresentam estas teses como uma inevitabilidade, como uma alteração profunda do modo de produção ou de uma “modernização” das relações de trabalho, embrulhada em conceitos que mais não são que formas de trabalho precário, que acentuam a sua natureza exploradora. Dão como adquirido o desaparecimento de 45 a 60 por cento de postos de trabalho nos países do Sul da Europa.

Nós nem vamos perguntar o que fariam nessa “sociedade sem trabalho” à produção resultante dessa proclamada revolução tecnológica, nem perguntar quem a iria consumir. Nem vamos discutir se as contas estão certas nesse deve e haver entre o emprego perdido e muito novo emprego que inevitavelmente se criará.

O problema está em saber se o aceitamos, se tal fosse verdade, e se estamos condenados a essa suposta inevitabilidade. Se os trabalhadores, os povos e os países estão condenados a aceitar o seu projeto de desenvolvimento caótico e desumano e a sua (in)consideração em relação aos problemas sociais.
É óbvio que o avanço das forças produtivas é, em si mesmo, altamente desejável e o nosso País bem precisa desse avanço e dessas oportunidades para promover o desenvolvimento, mas o progresso tecnológico tem que ser acompanhado por um progresso social e político que verdadeiramente não se verifica.

Pelo contrário, este progresso tecnológico é cada vez mais usado como pretexto para novas e mais perigosas ofensivas e extorsões. E este é um problema central – o da apropriação dos ganhos do desenvolvimento tecnológico pelo capital monopolista e multinacional. Uma apropriação que se alarga às mais diversas áreas da nossa vida coletiva, seja através de patentes e da propriedade intelectual que se traduzem em reais bloqueios na transferência e disseminação do conhecimento e que representam, por exemplo, atrasos e retrocessos na erradicação de doenças e de tragédias sociais.

As causas dos flagelos sociais não estão na aplicação das tecnologias ou do desenvolvimento tecnológico.

O problema do desenvolvimento tecnológico é o saber a quem serve e ao serviço de quem está. Se o desenvolvimento tecnológico é apropriado por uma minoria cada vez mais restrita, mais rica e mais poderosa – ou se é apropriada ao serviço do ser humano e o do desenvolvimento geral. Se ela serve para libertar a humanidade, em harmonia com a natureza, ou para uma minoria exercer o seu domínio, controlo e subjugação. Se ela está ao serviço de alguns e não dos trabalhadores e dos povos.

A inovação, a ciência, as tecnologias são a oportunidade para criar riqueza e distribui-la. Elas são uma componente essencial no programa de desenvolvimento do País que preconizamos para combater as suas fragilidades, a sua dependência, os défices estruturais, as debilidades dos seus sectores produtivos e da economia, o elevado desemprego, as nossas insuficientes respostas sociais.

Se é preciso menos trabalho humano para produzir o mesmo, então que se reduzam os horários, que se aumentem os salários, que se garanta segurança social para todos, o que significa, num quadro de menor dependência do trabalho para a produção, diversificar as fontes de financiamento da segurança social.

Há no País potencialidades imensas para criar riqueza. É possível uma política económica alternativa, dirigida para o investimento de qualidade e para a defesa da produção nacional que aposte na reindustrialização do País, no desenvolvimento da ciência e tecnologia, e que tenha como objectivo central a criação de emprego.

Os portugueses podem encontrar na política patriótica e de esquerda que defendemos para o País essa resposta necessária para enfrentar os problemas e contribuir para a construção de uma sociedade sem exclusões. É esse o trabalho e o combate que o PCP não desistirá de levar por diante.

Disse.

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