Intervenção de Ana Mesquita na Assembleia de República

«O potencial do país na investigação e inovação não pode estar assente em vínculos precários»

Senhoras e Senhores Deputados,

Falemos agora de trabalhadores e de uma coisa muito pouco moderna e inovadora que é a precariedade.

A constituição de corpos de investigadores, trabalhando em dedicação exclusiva em laboratórios e centros de investigação, públicos ou privados é um fenómeno relativamente recente que está intimamente associado ao extraordinário incremento do impacto da ciência na economia e na sociedade em geral.

Hoje em dia, há um número considerável de trabalhadores cuja actividade se exerce, de forma exclusiva, na procura de novos conhecimentos e no desenvolvimento da aplicação dos conhecimentos científicos. Trata-se de profissionais especializados e, na verdade, são trabalhadores assalariados, havendo entre eles numerosas situações de trabalho precário, sendo uma das mais frequentes, no caso do sector público, a dos chamados “bolseiros de investigação”.

A situação nacional, no que diz respeito às políticas de Ciência e Tecnologia, é caracterizada por um longo processo de desinvestimento, acompanhada por um ataque aos direitos dos trabalhadores e por uma crescente precarização das relações laborais. E aqui temos de afirmar claramente que uma política que promova efectivamente o potencial de Investigação, Desenvolvimento e Inovação do nosso país não pode nunca estar assente em vínculos precários dos trabalhadores.

Não é sério afirmar-se que os trabalhadores consideram bem-vinda qualquer prática de grande rotatividade e competição para desempenhar funções de carácter permanente no Sistema Científico e Técnico Nacional. O combate à precariedade tem de ser intransigente neste, como noutros campos da vida. Os trabalhadores científicos têm direito à estabilidade, à dignidade, à valorização do seu trabalho, imprescindível para o nosso desenvolvimento e progresso colectivo.

No entanto, o que se verifica é que os passos que foram dados no sentido de se assegurar um vínculo efectivo a estes trabalhadores estão longe de ser suficientes, isto quando mesmo não estão a ser dados, muitas vezes pela mão das instituições que beneficiam há anos desta força de trabalho especializada.

Se o chamado Diploma do Emprego Científico não é a resolução cabal dos problemas de precariedade, ainda assim é uma ferramenta que não pode ser desperdiçada e cuja aplicação tem de conhecer desenvolvimentos muito mais rápidos. A 19 de Março apenas tinham sido enviados à FCT 52 contratos para financiamento, havendo já 1170 bolseiros sinalizados. O que faz o Governo para concretizar o diploma alterado pela Assembleia da República? Porque tarda a abertura dos concursos? Isto não pode continuar assim!

Também quanto ao PREVPAP e à integração dos Investigadores, continuamos a dizer que os problemas criados em sede das Comissões de Avaliação Bipartidas pela sua não consideração neste programa tem de ser resolvido politicamente pelo Governo, sendo inaceitável a linha de argumentação que alguns têm desenvolvido, afirmando que as carreiras especiais não estão abrangidas pela regularização de vínculos em curso.

Os avanços registados no plano da investigação científica em Portugal devem-se sobretudo ao empenho e dedicação do trabalho dos seus agentes e ao esforço público que alimenta o Sistema Científico e Técnico Nacional, num contexto em que o esforço privado continua a ser residual. Mas os interesses privados sempre vão tentando apropriar-se daquilo que é o esforço público.

Isto tem reflexos negativos na sustentação de linhas de trabalho que não se traduzem, à primeira vista, no aumento dos lucros do capital, colocando em causa as finalidades sociais e de interesse público geral e nacional, o que pode mesmo atrasar ou impedir o desenvolvimento de determinadas linhas de investigação que mais relevam para o desenvolvimento soberano. Daí ter de se perguntar a quem serve este tipo de modelo de desenvolvimento da Ciência, Tecnologia e Inovação.

É urgente tornar o nosso SCTN um corpo coerente, coeso e forte, onde não haja lugar à precariedade, para que seja possível a articulação entre o sector produtivo e o desenvolvimento social, humano e territorial. Só assim pode, de facto, funcionar como rede de I&D e como dispositivo efectivamente nacional, ao serviço de políticas e estratégias nacionais, agindo com um elemento essencial para a modernização do aparelho produtivo.

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