Intervenção de Jorge Pires, Membro da Comissão Política do Comité Central, Encontro Nacional do PCP sobre a educação em Portugal

«A Escola Pública, gratuita e de qualidade é o modelo mais justo, avançado e moderno de organização do sistema educativo»

«A Escola Pública, gratuita e de qualidade é o modelo mais justo, avançado e moderno de organização do sistema educativo»

Camaradas e amigos convidados

Bom dia a todos.

Saúdo todos vós, participantes e convidados, mas permitam-me os membros do PCP que agradeça em particular a presença de todos aqueles que não sendo militantes do PCP, se disponibilizaram para estarem hoje aqui connosco, numa iniciativa que tem como objectivo central contribuir para a melhoria do funcionamento da Escola Pública, instrumento fundamental para a concretização do direito constitucional que garante o acesso de todos à educação e ao ensino, independentemente das condições sociais e económicas de cada um.

Este Encontro Nacional, não pode ser visto como o início de uma caminhada e muito menos como um ponto de chegada. Quer na análise que fazemos ao período que vai de 2004 à actualidade, quer na definição dos conteúdos das nossas propostas, não partimos do zero. O PCP é dono de um património invejável de intervenção, conhece profundamente a realidade da Escola Pública e do ensino em geral, tem projecto para o sistema educativo, pelo qual temos lutado e vamos continuar a lutar.

Nos últimos anos o PCP tem estado muito activo na denúncia dos ataques à Escola Pública, mas também na apresentação de propostas dentro e fora da Assembleia da República, que caso tivessem sido aprovadas e implementadas teriam dado um importante contributo para a afirmação da Escola Pública e para a melhoria qualitativa do ensino em Portugal, mas também para o desenvolvimento sócio/económico do país.

Propostas que, apesar de muitas delas terem sido chumbadas, quase sempre pela conjugação dos votos do PS, PSD e CDS, mantêm toda a actualidade, tal é a constatação da sua qualidade e justeza.

No conjunto das reuniões realizadas nas várias Organizações Regionais nas últimas semanas, verificou-se um grande consenso relativamente à identificação dos aspectos centrais da política de direita na educação, nestes últimos 14 anos, mas também dos responsáveis no plano político/partidário pela situação que está criada. Apesar de algumas diferenças em matérias não estruturantes, foi possível identificar um fio condutor que percorreu toda a acção governativa neste sector: a desresponsabilização do Estado face às suas responsabilidades constitucionais e a desvalorização social e profissional dos profissionais do sector.

Como é referido no Projecto de Resolução, está em desenvolvimento um confronto político e ideológico, nem sempre com grande visibilidade, em torno de dois projectos educativos que apresentam substanciais diferenças: o que o PCP defende e que ao longo dos anos tem vindo a desenvolver e a aperfeiçoar, que tem como paradigma a formação integral do indivíduo na linha do que o camarada Bento Jesus Caraça desenvolveu de forma brilhante na sua obra “ A cultura Integral do Indivíduo, problema central do nosso tempo”, em que sublinhou que trazer à cultura ao nível do homem comum, o património cultural comum, fazia parte de um programa fundamental para a formação do indivíduo culto e liberto, em que “a aquisição da cultura significa uma elevação constante, servida por um florescimento do que há de melhor no homem e por um desenvolvimento sempre crescente de todas as suas qualidades potencias, consideradas do quádruplo ponto de vista físico, intelectual, moral e artístico.”;

E o outro, que coloca a educação e o ensino como um instrumento de reprodução ideológica ao serviço da perpetuação do sistema dominante, que tem na formação do chamado “novo trabalhador” um dos seus principais objectivos a atingir. Entenda-se por novo trabalhador, não o que está preparado para intervir na sociedade no plano político, social e cultural, que sabe questionar, mas o indivíduo acrítico, que não questiona, que seja dócil no processo de exploração em que será envolvido.

No debate preparatório do Encontro, foram vários os camaradas que colocaram a necessidade de identificar o projecto do Partido para a educação e também, a necessidade de identificar, por uma lado o que são propostas para o imediato e, por outro, em que condições é possível realizar de forma global o nosso projecto.

Uma questão pertinente que importa clarificar, até porque para o êxito da nossa intervenção, esta é uma matéria sobre a qual não podem existir dúvidas.

O projecto do Partido, cuja matriz está no essencial desenvolvida no Programa do Partido “Uma Democracia avançada, os valores de Abril no futuro de Portugal” - em que o direito à educação e ao ensino, à cultura e ao desporto é o direito de todos e cada um ao conhecimento e à criatividade, ao pleno desenvolvimento das suas potencialidades, capacidades e vocações, a uma adequada formação cívica, direito assegurado, entre outros, por uma política que assuma a educação, a ciência e a cultura como vectores estratégicos para o desenvolvimento integrado do País.

Um sistema educativo que valorize a educação e o ensino público, democraticamente gerido e dotado de objectivos, estruturas, programas e meios financeiros e humanos que permitam a concretização do direito à educação e ao ensino e à igualdade de oportunidades de acesso e sucesso educativo a todos os portugueses, no ensino obrigatório e a todos os níveis do ensino, através de uma Escola Pública gratuita e de qualidade, que erradique o analfabetismo; que assegure a cobertura do país por uma rede pública de educação pré-escolar e que estabeleça a interligação entre os objectivos do ensino e das actividades sociais, culturais e económicas; que contribua para o aumento das qualificações do trabalho dos portugueses.

Um projecto que terá implementação na globalidade num quadro político definido no próprio Programa do Partido. Contudo, no percurso até lá, é possível através, nomeadamente da luta pela concretização da política patriótica e de esquerda e de uma alternativa política que a concretize, avançar na concretização em aspectos essenciais da proposta do Partido para a educação e o ensino.

Muitas das propostas que temos vindo a avançar enquadram-se nesse projecto global, e estariam certamente numa Lei de Bases do Sistema Educativo por nós elaborada. A luta que temos vindo a travar pela concretização das nossas propostas é um importante contributo para atingirmos o momento em que o projecto global do Partido para a educação se concretize.

Valorização da Escola Pública, gratuitidade dos manuais escolares e de todo o ensino obrigatório, gestão democrática das escolas, dignificação profissional e social de todos os trabalhadores da educação, diminuição do número de alunos por turma, fim dos exames nacionais e introdução da avaliação contínua como instrumento de avaliação formativa e qualitativa, são, entre outras, propostas do PCP, algumas já concretizadas e que na Democracia Avançada serão certamente parte integrante do Sistema Educativo em Portugal,

A preocupação actual não se deve concentrar em procurar adivinhar a sua concretização no tempo, mas mobilizar para a luta pela sua concretização como um importante contributo para que esse tempo chegue.

Nas quatro legislaturas que o Projecto de Resolução analisa, apesar das diferenças referidas no texto, são identificados um conjunto de elementos caracterizadores da política educativa, que são comuns aos sucessivos governos. Nos dois governos do PS/Sócrates, Governo PSD/CDS de Passos Coelho e o actual, podemos verificar que existem, entre outros um conjunto de opções políticas em questões estruturantes da política de direita para a educação que percorrem os quatro governos, tais como o sub-financiamento, o abandono da gestão democrática, a desvalorização social e profissional dos trabalhadores da educação, a elitização do ensino com o aprofundamento da estratificação social à saída da escola tal como já se verifica à entrada. Políticas que ferem o texto e o espírito da Constituição da República e a Lei de Bases do Sistema Educativo.

A propósito da referência à Lei de Bases e da sua possível revisão, importa chamar a atenção para o facto de não existir no seu conteúdo, nada que impeça o desenvolvimento de uma política educativa que valorize o papel da Escola Pública e garanta a todos o acesso à educação e aos vários níveis do conhecimento. O que se tem passado é da inteira responsabilidade dos sucessivos governos e das opções políticas que têm desenvolvido.

Entretanto há sinais deixados por alguns partidos na actividade parlamentar que indicam poder-mos estar a breve prazo, perante a apresentação de propostas de revisão da Lei de Bases. Há quem diga que dada a alteração verificada na correlação de forças nas últimas eleições legislativas, este pode ser o momento indicado para se fazer uma revisão.

Sobre esta questão importa clarificar o seguinte.

Certamente que todos teríamos propostas de aperfeiçoamento da Lei, até pelo facto da mesma já ter cerca de 30 anos. Mas o que pode vir a acontecer é a possibilidade de se abrir um processo que não se sabe em que condições será fechado, mas que a avaliar pelas políticas que têm vindo a ser seguidas por PS, PSD e CDS na AR e no Governo, não é difícil perceber que o que podemos ter é uma revisão com a introdução de algumas das normas avançadas na Lei, entretanto vetada pelo PR da altura, como a liberdade de escolha, o cheque ensino, a equiparação do ensino público ao privado em termos de financiamento e outras que decorrerão do processo de descentralização que está em desenvolvimento.

Da nossa parte que fique claro que não temos nenhum medo de ir ao debate e apresentar propostas autonomamente, mas não mexeremos uma palha para que tal revisão aconteça nesta fase. E para os que fazem contas ao número de deputados na Assembleia da República, e a possível convergência favorável a uma revisão progressista da lei, a pergunta que fazemos, é se consideram que a correlação de forças que deu origem à solução política encontrada após as eleições, se mantém num eventual processo de revisão da lei?

A nossa opinião é que não!

Camaradas

Como é referido no Projecto de Resolução, a Escola Pública, gratuita e de qualidade, pilar do regime democrático e do desenvolvimento, é o modelo mais justo, avançado e moderno de organização do sistema educativo. É um pilar essencial da democracia e da nossa soberania. E por isso a nossa atenção e a concentração dos nossos esforços estão na apresentação de um conjunto de medidas que evitem a contínua degradação da Escola Pública, mas também o reforço do seu papel na sociedade portuguesa.

Na avaliação que fazemos, ponto de partida para o conjunto das propostas que apresentamos, temos em conta a realidade portuguesa onde persistem atrasos significativos no acesso e sucesso escolar para muitos jovens; onde os níveis de abandono precoce são ainda muito elevados; onde o sucesso educativo, apesar da evolução verificada, está longe de corresponder às necessidades do País; em que se mantém níveis elevados de retenção; em que o investimento per capita por aluno por parte do Estado é dos mais baixos no quadro da OCDE; escolas degradadas; falta de condições de trabalho e para a aprendizagem, mas também a consideração das muitas dificuldades em que vivem uma parte significativa dos agregados familiares, o que releva para primeiro plano a tese de que o conjunto dos problemas não podem ser apenas resolvidos pela escola.

A proposta do PCP considera o investimento na Escola Pública, como prioridade estratégica. Estamos a falar num investimento no indivíduo, mas sobretudo no País, pelo que ensino deve ser gratuito em todos os níveis de ensino para não penalizar mais as famílias com custos directos que atingem os valores mais elevados entre os países da União Europeia.

Não é aceitável que se diga que não há dinheiro para tudo, quando se trata do financiamento da educação e particularmente da Escola Públia, mas os mesmos que o afirmam mostram sempre uma grande compreensão para que o Estado invista milhares de milhões de euros a salvar bancos falidos, ou quando o Estado paga mais de 7 mil milhões de euros/ano, só de encargos da dívida pública. Não há para Escola Pública, mas continua a haver para os colégios privados, mesmo quando existe oferta pública disponível.

Para justificar tal despesa, utilizam os famigerados Rankings, elaborados a partir das notas dos alunos que o próprio Ministério da Educação faz chegar à comunicação social que de seguida manipulam os resultados à medida dos interesses que representam.

Procuram mostrar uma superior qualidade do ensino privado, que de facto não existe.

Mas desenganem-se os que pensam que estamos apenas perante uma visão economicista da intervenção do Estado na Escola Pública. Estamos sim perante um processo de reconfiguração do Estado de desvalorização do serviço público e de abandono das funções sociais do Estado, nomeadamente a educação. E esta não é uma questão economicista, é profundamente ideológica.

Camaradas e amigos

São várias as intervenções que vão tratar com mais pormenor um conjunto questões sobre as quais pensamos ser necessário definir com clareza uma posição Umas que já estão implementadas, como é o caso do modelo de Gestão das escolas e o sistema de avaliação dos alunos associado aos exames nacionais, o “Programa Escola a Tempo Inteiro” e as AECs, outras, que podem vir a ser alvo de discussão próxima na AR, como: a estrutura de ciclos; os períodos e as pausas lectivas; a descentralização de competências.

Quero apenas referir-me a uma delas, tendo em conta que foi durante o debate preparatório, a matéria em que houve mais dificuldades para obter o consenso.

Estou a referir-me ao modelo de avaliação e aos exames nacionais, particularmente, o do 12º ano e, associado, a esta questão, o acesso ao ensino superior.

O Partido e a JCP, desde há muito que têm vindo a defender que a introdução de exames nacionais no ensino secundário, no contexto de um sistema de avaliação que visa apenas aumentar a selectividade sem melhorar de facto as condições de aprendizagem dos alunos, não resolve o problema da melhoria da qualidade da educação nesse grau de ensino, nem contribui para a melhoria do ensino superior.

Aliás é extremamente negativo que alguns abordem a questão do acesso ao ensino superior sem equacionar, por um momento que seja, a eliminação do injusto sistema de números clausus, que todos os anos impede muitos estudantes devidamente habilitados, de ingressarem em estabelecimentos públicos desse grau de ensino.

O PCP, ao mesmo tempo que valoriza a dimensão científica e pedagógica que deve presidir aos processos de avaliação das aprendizagens, recusa terminantemente a instrumentalização do sistema de avaliação escolar ao serviço da regulação economicista dos fluxos dos alunos entre os diferentes níveis de ensino e para os diferentes destinos escolares.

E por isso defendemos que a classificação do ensino secundário deve estar ligada ao estímulo do sucesso educativo dos alunos e à promoção da qualidade do sistema educativo, e deve depender exclusivamente dos processos e resultados da avaliação contínua conduzidos nas próprias escolas, com a introdução das condições necessárias para que essa avaliação possa ser realizada com eficácia e qualidade.

Camaradas e amigos

Num quadro em que se mantém a ofensiva contra Escola Pública.

Que se aprofunda um processo de elitização que conduz a uma maior estratificação social, quer à entrada da escola, quer, como está a acontecer com maior nitidez, à saída.

Que está em desenvolvimento um processo de desvalorização social e profissional de todos aqueles que trabalham na Escola Pública.

Quando o governo teima em não reconhecer tempo de trabalho realizado, configurando um roubo de grandes dimensões.

Quando os estudantes vêem a sua capacidade de organização e intervenção nas escolas, cada vez mais limitada, devido a um modelo de gestão anti-democrático.

Quando os pais são cada vez mais chamados a substituírem o Ministério da Educação na resolução de problemas existentes no funcionamento das escolas e chamados a pagarem, cada vez mais directamente do seu bolso, despesas com um ensino que constitucionalmente é gratuito.

Aos membros do Partido pede-se uma grande disponibilidade e empenhamento no trabalho partidário dentro do sector.

Trabalho que passa pelo reforço da organização, através de uma estruturação que leve a voz do Partido a mais escolas e à comunidade educativa.

Reforço orgânico que passa pelo recrutamento para o Partido, através da listagem e acompanhamento daqueles que se destacam na luta que vem sendo desenvolvida.

O Partido tem de estar nas escolas e não passar por lá de vez em quando.

Uma intervenção que contribua para o reforço das estruturas unitárias representativas dos trabalhadores, caminho indispensável para o desenvolvimento da luta de massas.

Uma luta que reclama a ampliação da convergência de todos aqueles que estão disponíveis para lutarem em defesa da Escola Pública

Uma luta em que o desânimo, a descrença e a falta de esperança não têm lugar.

Camaradas

A vida já nos ensinou que «Um Povo não morre porque o oprimem, mas morrerá certamente se antes da luta, abdica»

Viva a Escola Pública
Viva o Encontro nacional do PCP
Viva o PCP

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