Intervenção de Paulo Raimundo, Membro da Comissão Política do Comité Central, Conferência «II Centenário do nascimento de Karl Marx – Legado, Intervenção, Luta. Transformar o Mundo»

As estratégias do capital no ataque ao movimento sindical de classe e revolucionário

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A sociedade de classes e a subjugação do homem pelo homem é uma realidade de milénios, assumindo expressões, formas e protagonistas diferentes em cada uma das diferentes formas de organização da sociedade.

Marx não descobriu a sociedade de classes nem a opressão que a classe exploradora imponha à classe explorada, esta realidade foi vivida e experimentada por milhões e milhões de seres humanos explorados que ao longo da história da humanidade, lutaram pela sua libertação das diferentes formas de opressão e exploração impostas por uma minoria de exploradores.

Marx não descobriu a realidade da exploração, mas descobriu a forma como esta se materializa.

Mas Marx vai mais longe, identifica as classes determinantes em cada forma de organização social, os seus antagonismos, a luta que desenvolvem entre si, as suas expressões e objectivos, e demonstra que é na luta dos oprimidos pela sua libertação que se encontra o motor da história e é nesse processo que se dão os grandes saltos da civilização.

Nunca a classe opressora deixou de explorar ou cedeu o seu poder por sua vontade própria, foi sempre derrotada pela luta dos explorados e foi essa luta que conduziu a novas formas de organização social.

Assim foi com a passagem do esclavagismo ao feudalismo, assim foi com a do feudalismo ao capitalismo.

Marx analisa a nova sociedade capitalista, a sua forma de organização e de funcionamento, as classes existentes, os seus antagonismos, os seus diferentes posicionamentos, as suas capacidades, fragilidades e debilidades.

É a partir desta análise que Marx coloca nas mãos de uma nova classe emergente de explorados uma nova teoria revolucionária que não se limita a desvendar as leis económicas que determinam o sistema, como define o caminho e as condições da sua superação.

Marx dá assim um contributo fundamental não só para a análise do modo de produção capitalista, mas também para abrir o caminho para a sua transformação de que a classe operária é a principal protagonista.

Marx, em estreita colaboração com Engels, a partir das experiências de luta de milhões de explorados define o programa político da nova classe operária emergente, estabelece a estratégia e a táctica para que esta derrube a burguesia, se liberte da exploração de que é alvo, tome e assuma o poder, organizando a sociedade e o Estado em função dos interesses da maioria.

Um caminho que exige novas formas de organização dos trabalhadores e para o qual é determinante a constituição de um novo partido político, um partido da classe explorada, um partido que assumindo a luta política na sua total dimensão conduza a classe explorada ao poder.

Um caminho que exige um novo movimento sindical que a partir das experiências existentes rompa tanto com a acção trade-unionista, cujos objectivos limitados não põem em causa os interesses e a dominação da burguesia, como dê combate à luta espontânea, apologista do tudo ou nada, que se traduz numa acção imediatista adversa à luta organizada dos trabalhadores sem a qual não é possível assegurar o seu êxito.

Um movimento sindical de classe, onde cabem todos independentemente da sua filiação partidária, confissão religiosa ou interesse diverso, um movimento sindical revolucionário que, sem deixar de desenvolver a luta económica, mas, pelo contrário, elevando-a até onde possível, esteja munido de objectivos políticos, que encare a luta por interesses imediatos, como os salários e o horário de trabalho, enquanto instrumento de formação, de elevação da consciência de classe e de preparação da classe para a batalha da sua libertação.

Um caminho que exige uma intensa luta económica dando força e abrindo caminhos para a luta política levada a cabo pela classe operária politicamente organizada, pois, como escreveram Marx e Engels, «servindo-se sempre os senhores da terra e do capital dos seus privilégios políticos para defender e perpetuar os seus monopólios económicos e subjugar o trabalho, a conquista do poder político torna-se o grande dever do proletariado».

Marx ao desenvolver a nova teoria revolucionária oferece à classe operária o instrumento científico para a sua libertação e para a criação da sociedade nova.

Mas ao fazê-lo Marx acaba também por disponibilizar à burguesia o conhecimento dos elementos que conduzem à sua destruição enquanto classe detentora dos meios de produção, que organiza e utiliza o Estado e o seu aparelho repressivo para perpetuar o seu poder, fiel à sua natureza de ser uma «comissão que administra os negócios comunitários de toda a classe burguesa», como a define o Manifesto do Partido Comunista.

A burguesia não menospreza Marx, apesar de procurar passar a ideia de que o desvaloriza; estuda-o em pormenor e procura identificar as formas mais eficazes de lhe dar combate.

Enquanto os trabalhadores partiam máquinas como se estas fossem a razão da sua miséria; enquanto não iam além de formas espontâneas de luta; as limitavam a constituírem espaços de ajuda mútua entre si; enquanto a sua acção se restringia à luta económica desprovida de objectivos políticos; não assumiram a constituição do seu próprio Partido de classe; enquanto a sua luta e organização não pôs em causa elementos fundamentais do poder instalado — o sindicalismo, por si mesmo, não só não constitui um problema insuperável para a burguesia como em certos momentos foi um instrumento útil para ela própria fazer frente à luta dos trabalhadores.

Ter ao seu serviço trabalhadores desprovidos de consciência de classe, porta-vozes dos interesses da burguesia, conciliadores de classe ou os amortecedores do sistema que os oprime, foi não só o sonho da burguesia na revolução industrial como continua a ser um objectivo de todos os dias.

Para além de todos os sufixos que se encontrem, para além de todas as palavras «novas» que se inventam, para além dos empreendedores e dos colaboradores, das flexibilidades e neoliberalismos e por ai fora, há elementos que, na sua matriz se mantêm tal como Marx os identificou. Farei referência a três:

O primeiro, a exploração do homem pelo homem é a base da sociedade capitalista e a razão das brutais desigualdades, com uma classe minoritária, detentora não só dos meios de produção, mas também do poder económico, financeiro, político, mediático, do aparelho repressivo e militar, que explora a maioria que tal como há 200 anos a única coisa que tem garantida para a sua sobrevivência é a sua força de trabalho.

O segundo, a exploração materializa-se a partir dos mesmos processos de sempre: a apropriação da mais-valia, isto é, do trabalho não pago, pois o salário é muito inferior ao valor produzido pelo trabalhador.

Com roupagens novas foi e é esta a matriz da exploração que os capitalistas procurarão levar tão longe quanto possível fazendo baixar salários, aumentar o tempo de trabalho e a sua intensidade, entre outros processos.

O terceiro, a luta de classes continua a ser o motor dos avanços civilizacionais, o capitalismo não é o fim da história, será a classe operária e os trabalhadores a empreender a libertação não apenas de si própria mas de todos os explorados.

Assim sendo, e desenvolvendo-se de formas diversas, como Marx descreveu no Manifesto do Partido Comunista, a luta de classes é uma realidade do dia-a-dia.

O Capital conhece isso e — sendo uma classe com larga experiência histórica, com mais facilidade de se unir, com maior capacidade de adaptação, com meios inconfundivelmente superiores, com maior consciência do seu posicionamento nas relações de produção, com mais clareza de objectivos — sabe bem quem é o seu inimigo principal e está disposto a tudo para manter e perpetuar o seu poder.

Para isso, como referimos, a burguesia não só estudou e estuda Marx como procura apropriar-se dos seus ensinamentos, conhecimentos e alertas.
O Capital sabe, tal como Marx indicou, que uma das grandes vantagens da classe operária é a sua dimensão, ou seja, uma clara vantagem numérica, mas também sabe que, tal como Marx alertou na Mensagem Inaugural da Associação Internacional de Trabalhadores, «o número só pesa na balança se unido pela combinação e guiado pelo saber».

Daí todo o esforço desenvolvido pelo Capital para impedir a unidade entre o conjunto dos assalariados, estimular a concorrência entre eles, quebrar os laços de solidariedade, em suma, dividir para reinar.

A destruição, desmantelamento ou deslocalização de empresas e logo de grandes concentrações de trabalhadores; a manutenção do grande exército de reserva de mão-de-obra com milhões de desempregados; a utilização de meios materiais, financeiros, tecnológicos, organizativos e ideológicos colossais na promoção do divisionismo entre os trabalhadores; a utilização do poder político para impor leis que, além de visarem o aumento da exploração, enfraquecem a capacidade de organização dos trabalhadores, como são a precariedade, a desregulamentação dos horários e tudo o que lhe está associado, os baixos salários, as medidas repressivas, pressões e chantagens internas e externas, ataques ao sindicalismo de classe e ao seu projecto unitário tendentes à sua desagregação, descaracterização e integração no sistema — tudo vale para o Capital.

Veja-se os casos das tentativas de virar trabalhadores do sector privado contra o sector publico e vice-versa, o esforço descomunal para na mesma empresa impor a diferenciação entre trabalhadores efectivos e os com contracto precário, a implementação de formas de organização nas empresas com trabalhadores compartimentados, isolados, com as batas, fardas e camisolas de cores diferentes; ou assumindo aparentemente papéis de chefia.

Veja-se como exemplo, os meios e os instrumentos que o Capital mobilizou para o criminoso e revelador ataque aos trabalhadores da Autoeuropa e ao Movimento Sindical Unitário.

Veja-se o incalculável investimento na ofensiva ideológica na promoção do individualismo e do consumismo junto dos trabalhadores, aprisionando-os a créditos para um consumo para o qual não dispõem de meios para o satisfazer.

O Capital sabe, tal como Marx mostrou, que existem inúmeras matérias que levam à concorrência entre os trabalhadores, mas a luta pelos salários, horários e direitos, os seus interesses comuns face ao patrão, une-os numa ideia comum de resistência, de luta e organização.

É com base nessa organização, resistência e unidade que a luta económica ganha contornos políticos e é essa profunda ligação entre a luta económica e a luta política que é temida. Pois é dela e da sua elevação que partirá a perda de posições do capital.

Assim se entende melhor todo o esforço para impedir a acção do movimento sindical de classe e travar a iniciativa do partido que dá expressão política à classe operária e todos os trabalhadores, o Partido Comunista.

O objectivo central do Capital não é necessariamente acabar com os sindicatos, mas sim com sindicalismo de classe.

Veja-se o papel de sempre e a razão da criação da UGT; a sua acção de venda de direitos nos sectores e empresas, a sua postura de porta voz do patronato na concertação social, a sua função de conciliador de classes e de «melhorador» do sistema, ou como disse há dias um dirigente da UGT, de «deitar água na fervura» na luta dos trabalhadores contra o patronato.

Este é um sindicalismo que serve ao Capital, que também o houve no tempo de Marx e foi por ele combatido, assim como o foram as teses, que hoje ressurgem como inovadoras, de um sindicalismo transversal, dos cidadãos desprovido de objectivos de classe, um sindicalismo com uma dita nova agenda que objectivamente se coloca ao serviço dos interesses e das agendas do Capital e das forças políticas que o sustentam.

Onde ficam nesse sindicalismo dos cidadãos os interesses de classe dos trabalhadores?

Voltamos a um sindicalismo porta-voz do sistema, limitado à luta económica, gestor e amortecedor de conflitos, dito apolítico para que dessa forma se coloque ao serviço dos partidos do sistema?

É esse sindicalismo do chamado «dialogo social», da «concertação», sem organização, aberto à sociedade, financiado pelo próprio sistema e de si completamente dependente, é esse o sindicalismo moderno?

Foi a esse sindicalismo que deixa intacto o Capital que Marx deu combate, foi esse sindicalismo que os trabalhadores recusaram e construíram com as suas mãos o sindicalismo de classe, unitário, de massas, que não desvalorizando as suas dificuldades está e, contra a vontade do Capital, nas empresas e locais de trabalho, a reforçar a organização, a sindicalizar, a desenvolver a luta pelos salários, horários, contra a precariedade, pela defesa da contratação colectiva, pelos direitos dos trabalhadores.

Um caminho duro e exigente que se traduz numa intensa luta em que a contratação colectiva se defende e impõe em cada sector; onde os aumentos dos salários são conquistados em cada empresa; uma intensa luta onde o combate à desregulação dos horários de trabalho se trava em cada local de trabalho, uma intensa luta económica que é indissociável da intensa luta política desenvolvida pelo Partido.

A repressão, a criminalização, a tentativa de compra e aliciamento de dirigentes, o financiamento e a promoção da social democracia, a utilização do Estado para a imposição de normas e leis que se traduzem no desvirtuamento das suas características e princípios, um investimento brutal na ofensiva ideológica, o aumento da exploração, o ataque ao Partido, esta é a velha matriz da estratégia do Capital no ataque ao movimento sindical de classe e revolucionário.

Mas também a matriz da luta dos trabalhadores se mantém a mesma adaptada a cada situação concreta: o combate inabalável e determinado de pôr fim à exploração de que é vítima.

Inspirando-se em Marx, o Movimento Sindical Unitário, com a sua acção consequente, a sua autonomia e identidade própria, continua a ser uma força social determinante, mobilizadora e dinamizadora da luta de massas contra o grande capital e pela ruptura com a política de direita, pelo progresso e a emancipação dos trabalhadores.

Movimento Sindical de classe, unitário, autónomo, independente e democrático, características e princípios indissociáveis da participação e da influência de militantes comunistas que, eleitos pelos seus companheiros de trabalho e portadores da sua confiança, agem em convergência com outros dirigentes e activistas sindicais, com ou sem filiação partidária.

Este é o legado dos revolucionários, legado que não devemos apenas a Marx mas a que este deu expressão teórica e prática, devemo-lo aos milhões que tombaram na luta pela libertação, devemo-lo aos milhões que estão hoje na luta de todos os dias pelo seu direito a ter uma sociedade ao serviço dos seus interesses, necessidades, direitos e anseios.

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