Intervenção de Jorge Pires, membro da Comissão Política do Comité Central, Sessão pública «Produção, emprego, soberania. Libertar Portugal da submissão ao Euro»

O Euro e as consequências na banca nacional

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Camaradas e amigos

O PCP teve razão quando chamou a atenção para as negativas consequências económicas e sociais da marcha e da entrada forçada da frágil economia portuguesa para a Moeda Única, mas também para a grande maioria dos trabalhadores e dos povos da União Europeia. Hoje estão mais do que confirmadas quanto falsas eram as premissas e ilusória a propaganda das dispendiosas campanhas não só da Comissão Europeia, mas de todo-poderoso bloco central pró-Maastricht que dizia garantir com a União Económica e Monetária uma Europa de pleno emprego, de progresso social e de trabalho.

Mas também tínhamos razão quando em 21 de Março de 2014, chamámos a atenção para o facto do acordo entre o Conselho Europeu e a maioria dos deputados do Parlamento Europeu, sobre o Mecanismo Único de Resolução, ser mais um passo na concretização da gigantesca operação de concentração e centralização do sector bancário na União Europeia a que chamaram de «União Bancária» que complementou o edifício institucional da moeda única.

Um processo que teve até agora em Portugal, como consequência mais evidente, a transferência de uma parte significativa da propriedade social dos principais bancos portugueses para grupos estrangeiros, particularmente espanhóis, angolanos e americanos, de que são exemplo o BPN, o Banif, o BCP, o BPI e agora o Novo Banco, bancos que em conjunto detêm mais de 70% do chamado mercado bancário. A falsa alegação de que, com a constituição deste fundo se colocaria um ponto final na salvação da banca por parte dos Estados, é apenas uma forma de branquear o processo de transformação da dívida privada em dívida pública, de que os casos BPN, BES e Banif são um vergonhoso exemplo.

Como denunciá-mos na altura e hoje está amplamente confirmado, na verdade trata-se de uma manobra para dissimularem o facto de serem sempre os povos e os recursos públicos a assumir os incomportáveis custos e riscos da especulação e gestão danosa do sector financeiro. Em Março de 2014, estávamos próximos do processo de Resolução do BES que obrigou a que o Estado português assumisse encargos no valor de 4,9 mil milhões de euros para salvar o banco que acaba de ser entregue a um Fundo de Investimento praticamente a custo zero, como já tinha acontecido com o BPN e aconteceu posteriormente com o Banif.

Bem se pode dizer que o Estado português paga e ainda por cima fica sem os bancos.

Na altura e apesar das sucessivas declarações de Passos Coelho, Cavaco Silva e Carlos Costa, sobre a robustez do sistema bancário em Portugal, já eram evidentes os sinais de degradação da situação da generalidade dos bancos. Num documento elaborado pelo próprio Governador do Banco de Portugal, com data de Janeiro de 2016, que serviu de base à sua intervenção numa conferência realizada no ISEG, o total de imparidades reconhecidas no período de 2008-2014 era de cerca de 40 mil milhões de euros e que uma simulação realizada pelo Banco de Portugal sugeria os seguintes resultados: a aplicação, em Dezembro de 2011, de haircuts médios no intervalo de 17% a 20% à carteira de crédito e de títulos dos 8 maiores bancos do sistema bancário português apontava para necessidades de recapitalização entre 48 mil milhões e 56 mil milhões de euros, com um impacto estimado no PIB de 2011 entre 28% e 33%.

É referido ainda no mesmo documento que uma parte significativa dos dividendos distribuídos nesse período, mais de 8 mil milhões de euros, incluíam resultados gerados por créditos que no futuro poderiam requerer a constituição de imparidades. Como não foi esta a opção dos accionistas, foi o Estado que assumiu as necessidades de recapitalização da generalidade dos bancos, num processo que ainda não está terminado e que já envolveu entre empréstimos directos e garantias sobre empréstimos, mais de 20.000 milhões de euros segundo relatório do BCE.

Camaradas e amigos

Pelo papel que desempenha na organização do modo de produção dominante, no funcionamento da economia e no seu financiamento, a banca representa um instrumento fundamental para a definição das políticas económicas. Independentemente da moeda utilizada por cada sistema económico e financeiro, a capacidade da banca, pelo seu papel essencial – que é o de gerir poupanças e créditos – é determinante para a orientação estratégica de cada economia.

A gestão privada da banca pode condicionar, e condiciona, as estratégias políticas em função do sentido em que é canalizado o crédito e pode, como temos visto nos tempos mais recentes em Portugal e por todo o mundo, ser o centro das crises financeiras, o epicentro da crise de sobreprodução capitalista, aliando-lhe a especulação e o crime financeiro, provocando uma instabilidade crescente e repetitiva no sistema financeiro. Portanto, o próprio funcionamento da banca, colocada ao serviço de grandes accionistas, representa um custo político que se traduz em custos económicos e financeiros que sacrificam recursos públicos no sentido de manter intocados os privilégios de grandes grupos económicos e de, como já referimos, os alargar através de um processo de concentração monopolista à escala global.

A gestão do sentido do fluxo de crédito é determinada no sentido de dar estrita satisfação às aspirações dos grandes accionistas: obtenção do máximo lucro no mínimo tempo possível. Isto impôs a Portugal um processo de estagnação económica, um crescente défice produtivo que se traduziu também numa crescente dívida pública e privada. Os vários bancos privados a operar em Portugal, juntamente com a Caixa Geral de Depósitos que, pesem as diferenças assinaláveis, não se distanciou o suficiente de práticas de crédito em tudo semelhantes às concretizadas pela banca privada, condicionaram o acesso ao crédito por parte das famílias e das pequenas e médias empresas ao ponto do estrangulamento da economia pelos juros cobrados, juros que em boa parte acabaram por transitar para a dívida soberana pelo risco inerente ao sistema financeiro nacional.

Pode alguém dizer que quem contraiu os créditos está na origem do problema. Contudo, vejamos: é verdade que a débil economia portuguesa e o seu frágil tecido produtivo de pequenas e médias empresas não se modernizou nem diversificou o suficiente para assegurar um equilíbrio entre a riqueza gerada e os juros cobrados pelo financiamento. Mas a que se deve isso? A opções políticas, em grande parte impostas pela União Europeia, pelos Governos PS/PSD/CDS e também pelas práticas da banca privada. A destruição da agricultura, das pescas, da indústria transformadora, da indústria naval e da indústria pesada são resultados concretos de opções políticas e limitações externas que os sucessivos Governos aceitaram e que a banca cavalgou.

No entanto, em todo esse período, a banca privada amassou milhares de milhões de euros em lucros. Lucros esses a que se acrescentam os milhares de milhões de euros em créditos atribuídos aos próprios accionistas, através de práticas legais e ilegais, base principal do colapso de muitos dos bancos falidos em Portugal, de que se destacam BPN, Banif e BES.

Portanto, mesmo colocando de parte a questão da moeda única, o papel da banca e os riscos que comporta o seu controlo por grupos monopolistas pode ser considerado absolutamente fulcral para a concretização de uma política de valorização da produção e do Trabalho, colocando a riqueza produzida ao serviço do desenvolvimento e do progresso.

A existência de uma moeda única, comum a economias situadas em graus de desenvolvimento muito díspares, com relações de exploração transfronteiriças, com mobilidade de capitais e de mão-de-obra, mas definida, emitida e gerida nos termos da economia mais forte, agrava de forma muito profunda os riscos políticos da gestão privada da banca. Da mesma forma, a banca nas mãos de privados agrava os impactos de uma moeda única no espaço da União Europeia.
Mas o controlo público da banca não resolveria os riscos económicos e políticos criados pela moeda única. Estamos portanto perante dois problemas distintos, que agravam mutuamente os seus efeitos, mas sem que possam igualmente resolver-se de forma totalmente separada.

O principal problema criado no funcionamento da banca pela adopção de uma moeda única definida nos termos em que é definido o euro relaciona-se com a proximidade do euro à economia alemã, a mais pujante e com a menor elasticidade de preços da União Europeia. Esse factor, essa opção política, nunca compensada por qualquer mecanismo europeu, antes pelo contrário, sucessivamente agravada por medidas de liberalização total do mercado e das relações laborais, deixa países como Portugal espoliados de instrumentos monetários para melhorar a sua capacidade produtiva e para investira na modernização do seu aparelho produtivo, na medida em que, não dispondo desse instrumento nem de uma boa parte do controlo sobre os custos de outros factores de produção (energia, financiamento, transportes, etc.) resta ao país comprimir os custos do trabalho para poder competir com economias muito mais desenvolvidas.

O funcionamento do sistema financeiro não está desligado destas relações económicas. Um euro num banco em Portugal tem um custo de capital muito maior do que um euro num banco alemão. Os custos de capital reflectem-se na constante divergência entre as economias centrais e as economias mais debilitadas, divergência essa que será tendencialmente maior.

A banca portuguesa, sujeita à gestão criminosa dos seus grandes accionistas, colocada ao serviço de grupos monopolistas, descapitalizada, está portanto, sujeita aos custos dos riscos associados a essa gestão somados dos custos que implica a moeda única, que se reflectem sobre os custos de capital na banca portuguesa e, por consequência, nos custos de capital na economia.

Ao mesmo tempo, a arquitectura da União Económica e Monetária não é separável da União Bancária, ou melhor, não é separável da sua matriz capitalista que tem a acumulação e a concentração como base e consequência inevitável. Portanto, a definição de uma moeda única nos termos em que foi definido o euro, no contexto de domínio dos grandes grupos económicos, particularmente alemães, aliada à natureza desses grandes grupos que estão presentes também na banca corporizando o capital financeiro que hoje domina as economias da União Europeia, tem implicações concretas na configuração dos sistemas financeiros de cada país do espaço da União.

O processo de reconfiguração do sistema financeiro nacional não está desligado dos impactos da crise capitalista mundial cujos efeitos em Portugal não estão desligados da existência de uma moeda única. Pelo contrário, a fragilidade de Portugal perante essa crise está intimamente relacionada com a existência dessa moeda, que desprotegeu Portugal do ponto de vista da soberania monetária e que ampliou os impactos da crise por força do custo do financiamento.

Para termos uma imagem simples: com a moeda nacional, o país tinha acesso à emissão de moeda gratuita e na medida das necessidades definidas (que foram sempre as da classe dominante); hoje, o país paga milhares de milhões de euros para que outros emitam moeda – uma acção pela qual não pagávamos nada antes – autorizada essa emissão pelo Banco Central Europeu, detido em cerca de 18% pela Alemanha e em cerca de 1,7% por Portugal. A decisão do BCE atende principalmente à inflação na zona euro e está inteiramente desligada das necessidades nacionais, colocando assim a soberania monetária que antes residia na República Portuguesa, nas mãos dos grandes grupos económicos transnacionais.

Como referi na parte inicial da intervenção, às questões financeiras e aos impactos económicos da moeda única, podemos juntar os impactos políticos da criação da União Bancária. Ou seja, a União Bancária não é uma resposta institucional aos problemas da supervisão, mas a construção de uma ferramenta institucional que dá por adquirida a fusão e concentração da actividade bancária na União Europeia e que, por isso, cria uma estrutura de supervisão à medida desses megabancos. Depois de ter perdido o poder monetário, uma boa parte do poder económico, de se ter remetido ao papel de regulador, Portugal abdica agora também desse último poder de regulação e supervisão e coloca-o directamente nas mãos dos interesses económicos que dominam a União Europeia.

O controlo público da banca em Portugal, sem a libertação da submissão do país ao Euro seria politicamente impossível e, mesmo existindo essa possibilidade, não libertaria Portugal dos custos de capital agravados. A libertação da submissão do país ao Euro sem o controlo público da banca seria também sempre um passo insuficiente para concretizar uma ruptura política como aquela que o PCP propõe aos portugueses, porque manteria nas mãos dos grandes grupos económicos a gestão da nova moeda, da poupança de crédito.

Por tudo o que foi dito, faz todo o sentido continuar a luta pelo recuperação da nossa soberania monetária, pelo controlo público da banca, pela defesa da CGD como banco público, gerido de acordo com o interesse nacional, liberto das imposições que tem vindo a ser sujeita no processo de recapitalização por parte da DGComp, única solução para a colocar a banca ao serviço da economia nacional, do desenvolvimento económico e social do País.

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