Intervenção de Paula Santos na Assembleia de República

"Com a lei das rendas, milhares de pessoas perderam a sua habitação"

Sr.ª Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Milhares de pessoas perderam a sua habitação. Só pela ação do Balcão Nacional do Arrendamento (BNA) mais de 4400 famílias foram despejadas. Muitas famílias, em particular famílias de baixos rendimentos, famílias de idosos ou que integram pessoas com incapacidade superior a 60%, vivem numa total incerteza e com uma enorme ansiedade porque não sabem se, daqui a um ano, continuam a ter casa para habitarem. Muitas famílias acabaram por abandonar a habitação para não entrarem em incumprimento devido aos brutais aumentos de renda decididos pelos senhorios. Centenas de pequenos estabelecimentos comerciais, no essencial micro e pequenas empresas, que davam vida a bairros, vilas e cidades, encerraram e os postos de trabalho foram destruídos. Muitas coletividades de desporto, cultura e recreio encerraram, quebrando toda a vivência e as relações sociais de uma comunidade. É este o resultado da nova lei do arrendamento urbano, da responsabilidade de PSD e CDS. A realidade contrasta com o que PSD e CDS afirmaram em 2012. Prometeram o acesso a uma habitação condigna, mas, na realidade, o que se constata é o despejo sumário e a perda de habitação. Prometeram uma lei mais justa e equilibrada, mas, na realidade, o que se verifica é que muitas famílias abandonaram os centros das vilas e cidades e foram para as periferias, devido aos elevados custos do arrendamento. Não foi por falta de aviso. Na altura, o PCP alertou para as consequências da proposta de lei que o então Governo de PSD e CDS impôs contra a vontade dos inquilinos e arrendatários. Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Perante as novas injustiças e desigualdades introduzidas pelo Novo Regime do Arrendamento Urbano, perante os problemas criados por esta lei, perante a urgência de evitar que as pessoas fiquem sem habitação quando terminar o período transitório, no final de 2017, perante a urgência de evitar o encerramento de mais lojas e coletividades, o PCP apresentou cinco iniciativas legislativas com soluções concretas que vão ao encontro dos problemas mais sentidos. Propomos a extinção do Balcão Nacional do Arrendamento, um verdadeiro balcão de despejo e de todos os mecanismos da sua facilitação, e a reposição do procedimento especial de despejo por via judicial.
Propomos a garantia do realojamento de inquilinos e arrendatários, após a realização de obras profundas; o alargamento da transmissibilidade da habitação para os familiares em caso de morte do arrendatário, de molde a assegurar a habitação e a estabilidade na vida dos inquilinos e das suas respetivas famílias; a alteração de procedimentos administrativos, no sentido da proteção de inquilinos e arrendatários; e a prorrogação por 10 anos para os arrendatários com rendimento anual bruto corrigido inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais, para os arrendatários com idade igual ou superior a 65 anos ou com deficiência igual ou superior a 60% e para o arrendamento não habitacional. Trazemos hoje a debate, na Assembleia da República. esta última iniciativa legislativa, que, para além de alargar o período transitório por 10 anos até à aplicação do regime de arrendamento urbano nas situações descritas, propõe ainda a redução do valor da renda máxima de 1/15 para 1/25 do valor patrimonial do imóvel e
o alargamento do número de escalões para a determinação do valor da renda em função do rendimento até à aprovação dos mecanismos de proteção e compensação social.
Com esta proposta, o PCP pretende, no imediato, dar estabilidade e tranquilidade aos inquilinos e arrendatários, em particular às famílias de idosos, de pessoas com incapacidade superior a 60% e às famílias com baixos rendimentos, que estão na iminência de denunciar os contratos de arrendamento, porque não têm condições económicas para suportar os elevados valores de renda decididos unilateralmente pelos senhorios, protegendo assim o seu direito à habitação. Pretendemos também, com esta proposta, garantir a estabilidade e as condições para o desenvolvimento da atividade económica, particularmente de pequenos estabelecimentos comerciais, e ainda a salvaguarda das coletividades de desporto, cultura e recreio e a identidade dos bairros e comunidades onde se inserem, das importantes atividades de âmbito desportivo e cultural que oferecem à população, assim como a defesa dos postos de trabalho. Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Contrariamente ao que PSD e CDS apregoaram, a sua preocupação nunca foi com a garantia do direito à habitação, como demonstram estes últimos quatro anos. Tudo fizeram para fragilizar os direitos dos inquilinos e arrendatários, quer pela introdução de mecanismos que conduziam ao brutal aumento do valor das rendas, da facilitação do despejo, quer pela retirada de garantias de transmissibilidade do contrato de arrendamento. Esses instrumentos, que ao mesmo tempo desprotegem totalmente inquilinos e arrendatários, reforçam o poder dos senhorios e do capital financeiro com atividade especulativa no imobiliário. Apesar de não terem faltado afirmações do PSD e do CDS de que as rendas iriam baixar, que iriam ter preços mais acessíveis, o dia a dia demonstra exatamente o oposto. Como denunciámos, tudo não passou de propaganda e de um embuste. Os valores de renda são elevadíssimos e empurram as famílias trabalhadoras para fora das vilas e cidades. A liberalização do dito mercado de arrendamento, promovida pelo anterior Governo, nunca irá contribuir para resolver o problema da habitação. Em fevereiro de 2012, a então Ministra, Assunção Cristas, afirmava que «esta é uma lei que não está cativa de nenhum interesse particular». Nada mais falso! É uma lei feita à medida dos interesses dos senhorios e dos especuladores imobiliários. É uma verdadeira lei de despejos, da qual resultou o despejo sumário, a negação e o direito dos cidadãos à habitação, desrespeitando grosseiramente a nossa Constituição. É uma lei que ignora as especificidades das micro e pequenas empresas e, sobretudo, do pequeno comércio tradicional e da restauração. É uma lei que desvaloriza, e não reconhece, a imensa atividade e a importância do movimento associativo popular, com uma enorme expressão nas milhares de coletividades existentes no nosso País. É uma lei que retira direitos aos mais fracos e reforça os dos mais fortes, uma lei que conduziu ao agravamento das condições de vida de muitas famílias, que já eram difíceis, devido à degradação das condições económicas e sociais, para além de contribuir também para o crescimento da pobreza, do desemprego e da exclusão social; uma lei desumana e sem qualquer sensibilidade social. Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PCP entende que é preciso alterar na íntegra a conceção e o modelo de arrendamento urbano no nosso País, onde os direitos dos inquilinos e arrendatários sejam respeitados. São vidas, postos de trabalho, relações sociais e vivências que estão colocadas em causa. Com a iniciativa que hoje discutimos, o PCP dá o seu contributo para a resolução, no imediato, de uma enorme preocupação de muitas famílias, de muitas micro e pequenas empresas e coletividades que, após os cinco anos do período transitório, passam para a renda livre, onde o senhorio pode decidir aumentar o valor de renda para montantes incomportáveis. O que pretendemos é garantir que as famílias mantenham a sua habitação, aliás, em cumprimento da nossa Constituição e do direito à habitação que ela consagra. Pretendemos garantir a continuação da atividade económica e os postos de trabalho do pequeno comércio tradicional. Pretendemos salvar e manter vivas as nossas coletividades de desporto, cultura e recreio.
(...)
Sr.ª Presidente,
Agradeço as questões que me foram dirigidas pelos Srs. Deputados Pedro Delgado Alves e Nuno Magalhães e começo por responder ao Sr. Deputado Nuno Magalhães. Sr. Deputado, é muito claro o objetivo desta iniciativa por parte do PCP e aquilo que o PCP pretende. É que, contrariamente ao CDS, que fragilizou o direito dos inquilinos e dos arrendatários e que empurrou as pessoas para a rua, tendo sido encerradas centenas de pequenas lojas do pequeno comércio tradicional, o nosso compromisso é defender o direito à habitação, é salvaguardar a atividade económica, nomeadamente das micro e pequenas empresas, é salvaguardar as coletividades que são uma estrutura associativa de cada uma das comunidades.
O Sr. Deputado sabe tão bem como eu que o resultado da aplicação desta lei, que tem o vosso cunho e a vossa responsabilidade, foi exatamente este: não foi no sentido do cumprimento da nossa Constituição, que, essa sim, deve gerir as opções e as leis da Assembleia da República, foi no sentido exatamente oposto, o de desproteger as pessoas. Quantas e quantas pessoas saíram da sua habitação porque não tinham condições para pagar a renda, Sr. Deputado?
Esta é a realidade! Quantas e quantas pessoas, hoje, nomeadamente famílias mais carenciadas, estão com o «coração na mão» porque não sabem o que lhes vai acontecer para o ano? Esta é que é a realidade concreta!
Já agora, vou aqui citar uma declaração da Sr.ª Deputada Assunção Cristas, na altura Ministra, que me parece que revela muito bem aquele que é o verdadeiro interesse e a verdadeira opção política e ideológica por parte do CDS.
Dizia assim a Sr.ª Deputada, referindo-se aos inquilinos idosos: «Não pagam porque não querem ou não podem. Com certeza terão que reafetar o seu orçamento, é natural já que estavam habituados a dedicar muito pouco à renda de casa e agora passarão a dedicar mais». É esta a perspetiva do CDS no que diz respeito ao direito à habitação.
Sr.ª Presidente, queria ainda referir o seguinte: o PCP apresentou, de facto, um pacote de medidas. Agendámos este diploma em concreto porque consideramos que é a matéria mais urgente que há para resolver neste momento. É importante clarificar uma questão: o PCP continua a rejeitar completamente este regime de arrendamento urbano — aliás, já o manifestámos no passado —, mas, perante problemas concretos aos quais, contrariamente ao PSD e ao CDS, nós não somos insensíveis~, e com a iminência de as pessoas, no ano que vem, virem a ter de sair das suas casas porque não têm dinheiro para pagar a renda, consideramos que devíamos impedir que isso acontecesse e daí trazermos hoje à discussão na Assembleia da República esta iniciativa.
Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Pedro Delgado Alves, obviamente que este é um debate para o qual queremos contribuir com as nossas propostas e soluções. Estamos disponíveis para, em sede de especialidade, podermos aprofundar e acolher, também, outras sugestões, outras propostas, ouvir os inquilinos — aliás, como temos estado a fazer — e ouvir as associações de comerciantes, ouvir todos aqueles que são implicados. Creio que o fundamental é resolver este problema que está em cima da mesa e impedir que para o ano as pessoas percam a habitação, impedir que mais lojas encerrem devido ao aumento da renda e impedir que mais coletividades encerrem porque não têm condições para pagar os elevados valores de renda que só têm um objetivo: acumular a riqueza dos senhorios, do capital financeiro na área do imobiliário que lucra com a especulação e com cada vez mais dificuldades da vida das pessoas.
(...)
Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Emília Santos,
Quanto à intervenção que acabou de proferir, o que constatamos é que se tratou simplesmente de um conjunto de declarações sobre processos de intenções, de atoardas ao PCP, que consideramos ser profundamente lamentável, mas essas suas afirmações ficam consigo e somente consigo e com a sua bancada.
Sr.ª Deputada, o motivo pelo qual o PCP agendou este debate deve-se, de facto, à preocupação que tem com as pessoas, preocupação essa que não vi manifestada numa única linha da sua intervenção. Teceu um conjunto de argumentos, de falsidades, de pretextos, falou das vantagens e das grandes melhorias que a vossa lei do arrendamento trouxe ao País, mas, Sr.ª Deputada, nós, no PCP, trazemos somente problemas concretos.
O que é que a Sr.ª Deputada tem a dizer às pessoas que já abandonaram a sua casa porque não tinham dinheiro para pagar a renda que lhes foi imposta?
O que é que a Sr.ª Deputada tem a dizer às famílias de idosos que vivem numa enorme ansiedade porque não sabem o que é que lhes vai acontecer por causa da vossa lei que, a partir de 2007, os atirou para o arrendamento livre? O que é que a Sr.ª Deputada tem a dizer às pequenas lojas e às micro, pequenas e médias empresas que fazem um enorme esforço para continuar com a sua atividade económica, para salvaguardar os postos de trabalho e que, pela vossa lei, muitas já encerraram e muitas veem-se na eminência de encerrar?
O que é que a Sr.ª Deputada tem a dizer às muitas coletividades que desempenham um papel social fundamental no nosso País e que também, pela vossa lei, muitas já encerraram ou estão na eminência de encerrar? Eram estas as respostas que gostaríamos de ouvir por parte do PSD, porque da parte do PCP trazemos aqui soluções concretas para problemas concretos e não enunciações vagas sobre objetivos vagos que, no fundamental, conduziram à desproteção dos inquilinos e dos arrendatários, colocaram em causa o direito à habitação. A Sr.ª Deputada também invocou esse mesmo direito da Constituição, mas deixe que lhe diga que a prática do seu Governo foi exatamente a oposta. Sabe qual foi? Despejo! Despejo foi o resultado da vossa política!

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