Intervenção de Jerónimo de Sousa na Assembleia de República

"É tempo de lembrar aos senhores da UE que quem manda em Portugal são os portugueses"

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No debate em torno da preparação do Conselho Europeu realizado hoje na Assembleia da República, Jerónimo de Sousa afirmou que "as propostas de conclusões deste conselho demonstram mais uma vez que a União Europeia não quer dar resposta aos mais graves problemas que a Europa está confrontada, os problemas económicos e sociais."

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
As propostas de conclusões deste Conselho demonstram, mais uma vez, que a União Europeia não quer dar resposta aos mais graves problemas com que a Europa está confrontada: os problemas económicos e os problemas sociais. Pelo contrário, o projeto de conclusões dedica-se a acentuar o caráter retrógrado das políticas ditas «de migrações», a investir mais e mais na militarização da questão humanitária, a aprofundar a lógica inaceitável do acordo com a Turquia e a retirar soberania aos Estados, aprofundando todo um conjunto de medidas, nomeadamente no domínio do mercado comum.
Sr. Primeiro-Ministro, quero expressar-lhe o nosso repúdio pelas sucessivas chantagens de que o nosso País tem sido alvo. É inaceitável que a Comissão, em conluio com a maioria do Parlamento Europeu, prolongue propositadamente a discussão sobre a suspensão de fundos a Portugal, com um único objetivo: levar a chantagem até à aprovação final do Orçamento do Estado. Tal como é inaceitável que um Comissário tenha vindo a esta Casa chantagear diretamente Portugal, acenando com o papão de um novo resgate.
O que vai Portugal dizer no Conselho Europeu sobre estes ataques à soberania nacional e à democracia portuguesa? Talvez fosse altura de lhes lembrar que quem manda em Portugal são os portugueses.
Em segundo lugar, como é do conhecimento de todos, a Bélgica opôsse, e bem, à ratificação do CETA, isto é, do acordo de livre comércio com o Canadá. Trata-se, como se sabe, de um acordo misto, com sérias implicações para a produção nacional e para a nossa soberania. É por isso que não compreendemos como é que o Governo deu o seu acordo a uma pretensão inaceitável, que é a Comissão querer assinar e forçar a entrada em vigor de um acordo que necessita de ratificação por parte de todos os Estados-membros antes de esse processo de ratificação por parte da União Europeia ter lugar. Assim sendo, qual é o lugar da democracia? Onde fica a defesa da nossa soberania neste processo? É que as consequências para a nossa economia, para a nossa segurança alimentar e ambiental e para a nossa produção agrícola e pecuária são muito graves. O que já se sabe é mau: por exemplo, os contingentes de carne bovina e suína, ou as míseras 20 denominações de origem de produtos agrícolas e alimentares portugueses, reconhecidas pelo acordo. Mas o mais grave está no que não se sabe. A pergunta surge inevitavelmente, e nós não somos os primeiros a fazê-la, pois outros já a fizeram: se não há nada a esconder, porquê tanto segredo? Onde estão as garantias suficientes para o Governo português dar o seu acordo ao CETA para que o Estado possa garantir os interesses nacionais? Não existem. Citando um dirigente socialista de outro país europeu, «não existem cláusulas juridicamente vinculativas que permitam que, se amanhã houver um conflito entre uma multinacional e um Estado, não se debilite a capacidade do Estado de regular, proteger os nossos serviços públicos, as nossas normas sociais e ambientais». E Portugal, vai aceitar o acordo nestas circunstâncias? Passo à terceira questão. Pelo que é possível ver, o Conselho vai abordar o plano Juncker. Passados quase dois anos, a montanha, afinal, pariu um rato. O bolo total de investimentos é um terço daquilo que foi anunciado. E quem beneficia? As grandes economias da União Europeia, os grandes grupos económicos. Mesmo nos investimentos destinados às PME (pequenas e médias empresas), aquilo que existe de concreto são pré-acordos com a banca que o futuro dirá se se vão concretizar. Ora, agora que se fala de duplicação de fundos, as questões são as seguintes: onde é que vão buscar essa duplicação? Quem é que vai pagar isto? É uma rearrumação do Orçamento? Isso não prejudica Portugal, como já prejudicou o facto de parte deste fundo ser retirado do Horizonte 2020? E as regras mantêm-se, beneficiando os grandes países e as grandes empresas? Deixo-lhe estas questões. Por último, foi aqui abordada — foram, até, feitos comentários e apartes, designadamente da bancada do PSD — a questão dos gestores públicos e privados. Foi hoje discutida e votada, em comissão, uma proposta do PCP, visando limitar esses salários ao salário do Primeiro-Ministro, e o resultado foi que o PSD e o PS votaram contra, permitindo, assim, o farto aumento de salários e privilégios. No mínimo, tenham cuidado e vejam o que se passou em comissão antes de fazerem apartes.

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