Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

Reduzir as assimetrias regionais, contrariar a desertificação e o despovoamento do território

Senhor Presidente,
Senhores membros do Governo,
Senhores Deputados,

Demos conta nesta interpelação ao Governo da realidade de um país cada vez mais desigual. As desigualdades têm vindo cada vez mais a acentuar-se, não só no desequilíbrio obsceno entre os ricos cada vez mais ricos e os pobres, que são cada vez mais e cada vez mais pobres; mas também com a acentuação das assimetrias regionais, que busca as suas causas em muitos anos de opções contrárias ao interesse do país e do povo, de cortes no investimento público, de destruição e abandono da produção nacional, de encerramento de serviços públicos essenciais.

Lamentar a acentuação das assimetrias regionais é um lugar comum. Todos lamentam o despovoamento e a desertificação do interior, mas o que tem de ser assumido é que o envelhecimento, o empobrecimento e o despovoamento do interior do país não têm causas naturais. Não há maldição que pese sobre o interior do país que não tenha explicação em políticas contrárias ao desenvolvimento equilibrado do país e ao interesse das populações.

As políticas de direita que têm expulsado as populações do interior do país, umas para o litoral, outras para o estrangeiro, têm levado ao encerramento de serviços públicos essenciais com a falsa ideia de que não há populações que os justifiquem, quando o que se passa é exactamente o contrário. As populações são expulsas do interior do país porque não têm condições para lá permanecer. A falta de população não é causa do despovoamento. É consequência. As causas radicam na desindustrialização do país, na falta de apoio à agricultura familiar, na ausência de incentivos à fixação das populações, no encerramento de escolas, de serviços de saúde, de tribunais, de balcões da segurança social, até de freguesias.

Nos últimos quatro anos, a maldição que se abateu sobre o interior do país tem um nome: Governo PSD/CDS-PP.

Não venham, Senhores Deputados do PSD e do CDS, com a lamuria do costume, da pesada herança que receberam em 2011 e pela qual também foram largamente responsáveis. Pesada herança com que o país está confrontado é a que nos deixaram em outubro e que os portugueses maioritariamente repudiaram.

As políticas de empobrecimento que o PSD e o CDS impuseram ao país nos últimos quatro anos deixaram um quadro de devastação económica e social, de desemprego, de recessão, de emigração forçada, de quebra da coesão social, de precariedade do trabalho e da vida, de abandono das populações, de empobrecimento da grande maioria em benefício do enriquecimento ilegítimo de uns poucos.

O encerramento de escolas prosseguiu e intensificou-se, deixando milhares de crianças e jovens a muitos quilómetros da escola. Foram encerradas extensões, centros de saúde e valências hospitalares, tornando o acesso à saúde mais difícil para as populações mais pobres, mais idosas e com maiores dificuldades de deslocação. Foram encerrados serviços públicos de correios e balcões da segurança social. Foram suprimidas linhas ferroviárias e foi degradada a oferta de transportes públicos rodoviários. Foram impostas portagens em vias rodoviárias essenciais para a mobilidade de pessoas e para o transporte de mercadorias. Foram encerrados tribunais e concentradas as sedes de comarca nas capitais de distrito, tornando ainda mais inacessível o acesso à Justiça e à tutela judicial efectiva por parte de largas camadas da população. Foram extintas centenas de freguesias, através da imposição de um processo de fusão arbitrário e contrário à vontade e ao interesse das populações.

Senhor Presidente,
Senhores membros do Governo,
Senhores Deputados,

Esta situação, de abandono e de despovoamento de grande parte do país tem de ser travada, em nome da coesão social e da igualdade entre os portugueses. A fase que vivemos da vida política nacional tem de ser um virar de página. Os portugueses não aceitam que as suas expectativas sejam frustradas em nome de supostas inevitabilidades que impeçam as mudanças que o desenvolvimento do país imperiosamente reclama.

Reduzir as assimetrias regionais, contrariar a desertificação e o despovoamento do território, são objectivos que, para serem atingidos, exigem uma política de desenvolvimento integrada que assente na defesa dos serviços públicos de proximidade (na saúde, educação, justiça, apoio social), na valorização da produção nacional e no apoio aos sectores produtivos, que tenha em conta a modernização e valorização do transporte ferroviário e da rede viária e que assegure uma rede de transportes públicos capaz de garantir o direito à mobilidade das populações.

Nesta Interpelação ao Governo, queremos reafirmar que o PCP assume as suas responsabilidades perante o país e permanece fiel aos compromissos que assumiu para com o povo português.

Nos dias que precederam esta Interpelação, o Grupo Parlamentar do PCP apresentou um conjunto de projectos legislativos com impacto significativo no combate às assimetrias regionais.

O Grupo Parlamentar do PCP propôs a criação de um regime de incentivos para a fixação de médicos nas zonas identificadas como carenciadas, nomeadamente através da valorização profissional, social e remuneratória dos médicos, do respeito pelos seus direitos, da valorização das carreiras médicas e respectiva promoção e da qualificação das condições de trabalho nos centros de saúde e hospitais.

O Grupo Parlamentar do PCP apresentou um projecto de lei que visa a reposição das freguesias extintas por decisão do Governo PSD/CDS-PP onde tal reposição corresponda à vontade manifestada pelas populações. Não se propõe uma medida legislativa feita a régua e esquadro e insensível ao sentir das populações e dos órgãos autárquicos. Perante a desvalorização do poder local democrático feita pelo Governo PSD/CDS-PP, o que se impõe, neste ano em que se comemora o 40.º aniversário das primeiras eleições livres para os órgãos das autarquias locais, é a afirmação de que o desenvolvimento equilibrado do território nacional é inseparável da valorização do papel do poder local democrático e da participação democrática dos cidadãos no exercício do poder.

Finalmente, o Grupo Parlamentar do PCP anuncia a apresentação, ainda esta semana, de uma iniciativa legislativa destinada a reparar as consequência negativas do mapa judiciário imposto pelo Governo PSD/CDS-PP, que contou sempre com a firme oposição do PCP e que veio afastar ainda mais os cidadãos da tutela judicial dos seus direitos, deixando vastas áreas do território amputadas da aplicação da Justiça, acrescentando custos de deslocação aos cidadãos, afastando-os dos tribunais e da resolução dos litígios da comunidade na própria comunidade, prejudicando mais duramente os cidadãos com menores recursos económicos. O PCP reafirma o objectivo, que sempre defendeu, de que não haja concelho do país onde não exista um tribunal de competência genérica em matéria cível e criminal, e continuará a lutar para que esse objectivo seja concretizado na presente legislatura.

Os tribunais que foram encerrados devem ser reabertos. Os tribunais que foram transformados em secções de proximidade devem reassumir a plenitude das suas funções judiciais. Os tribunais das antigas comarcas devem recuperar a competência genérica de que dispunham em matéria cível e criminal. Não deve haver concelho do país que não tenha o seu tribunal. Os que já tiveram devem voltar a ter. Os que nunca tiveram devem passar a ter. O país não pode estar condenado ao retrocesso e a nossa justa aspiração ao desenvolvimento equilibrado do território nacional não se pode limitar à mera reposição do que já existiu, tem de se traduzir em novos passos no sentido do progresso e na criação de condições de vida mais dignas para o conjunto das populações.

Disse.

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