Intervenção de Agostinho Lopes, membro do Comité Central, Sessão «Renegociação da dívida, condição para o desenvolvimento e soberania nacional»

"Queremos renegociar a Dívida como um direito do povo português a decidir do seu destino"

Áudio

A 5 de Abril de 2011, o SG do PCP, Jerónimo de Sousa, realizava a Conferência de Imprensa na SPG, “Renegociar a dívida pública – Desenvolver a produção nacional”! Denunciava-se o “insuportável e ilegítimo processo de extorsão dos recursos nacionais, por via da especulação das taxas de juro sobre a dívida pública portuguesa e reclamava-se: “A renegociação imediata da actual dívida pública (…) com reavaliação dos prazos, das taxas de juro e dos montantes a pagar”; A intervenção junto de outros países que enfrentam problemas similares” (…) visando uma acção convergente para barrar a espiral especulativa, a par da revisão dos estatutos e objectivos do BCE (…); “A adopção de uma política virada para o crescimento económico (…) de defesa e promoção da produção nacional”; “A diversificação das fontes de financiamento” e “A avaliação” das Parcerias Público Privadas (…)”.

Estávamos em vésperas do pedido do Governo PS/Sócrates, sob o ultimato dos banqueiros nacionais e o apoio do PSD e CDS, para a intervenção da Troika. Recorde-se que nesse mesmo dia, 5 de Abril de 2011, a banca veio publicamente recusar empréstimos ao Estado e exigir o recurso ao FMI.

O PCP afirmava através da CI um caminho de ruptura com a política dos PEC – o PEC 4 tinha acabado de ser chumbado na AR - e alternativo à ingerência externa e à chantagem dos mercados financeiros!

Caminho de ruptura e alternativo, que foi depois consolidado e desenvolvido no Compromisso Eleitoral para as Legislativas de 2011 e concretizado no Projecto de Resolução PJR n.º 4/XII/1ª, “Pela Renegociação da Dívida”, apresentado no início dos trabalhos da nova AR e debatido a 20 de Julho de 2011.

Caminho envolvido numa verdadeira campanha mediática e politica de chantagem e mistificação procurando justificar e tornar imprescindível, inevitável, a entrada da Troika e a “negociação” de um dito Memorando de Entendimento. De facto, como justamente foi denominada pelo PCP, um verdadeiro Pacto de Agressão ao País e aos portugueses!

Valia e valeu tudo para explicar o inexplicável: como era possível acontecer o desastre financeiro do País numa UE de países irmãos e solidários e que tinha sido apresentada como o paraíso à nossa espera! Como era possível tal coisa com o guarda-chuva do Euro? Não nos tinha garantido Vítor Constâncio, um actual Vice-Presidente do BCE, quando em 2000 tomava posse de Governador do BdP, ser o Euro um seguro contra todos os riscos? Afirmou então VC: “Sem moeda própria não voltaremos a ter problemas de balança de pagamentos iguais aos do passado. Não existe um problema monetário macroeconómico e não há que tomar medidas restritivas por causa da balança de pagamentos. (…) Se e quando o endividamento for considerado excessivo, as despesas terão que ser contidas porque o sistema financeiro limitará o crédito. O equilíbrio restabelece-se espontaneamente, por um mecanismo de deflação das despesas, e não têm que se aplicar políticas de ajustamento.”

A proposta do PCP de renegociação da Dívida foi então silenciada ou considerada, nos melhores dos epítetos atribuídos, como “irrealista”, “desajustada”. Mas há três conclusões que são hoje possíveis evidenciar.

A especulação da Dívida Pública portuguesa só aconteceu porque as funções do BdP, como emprestador de último recurso, desapareceram com a adesão à UEM, e não foram para lado nenhum…o BCE não as absorveu! Quando no Verão de 2012 o BCE, ao arrepio dos seus estatutos, assume essas mesmas funções, o nível da especulação caiu… A especulação contra a dívida pública portuguesa não era uma inevitabilidade!

A extrema oportunidade da nossa proposta de renegociação, em Abril de 2011. Portugal tinha então como principais credores externos privados, grandes bancos alemães, franceses, holandeses, etc.. Hoje tem pela frente, além de bancos portugueses, 3 poderosos credores institucionais/oficiais: CE, BCE, FMI.
A razoabilidade da nossa proposta face à solução trágica da entrada da Troika e da assinatura do Pacto de Agressão. Cinco anos depois, depois de mais 55,6 mil milhões de euros de dívida pública, temos periclitantes contas públicas, um tecido económico esfrangalhado e brutalmente endividado, algumas das principais empresas portuguesas desmanteladas e/ou entregues ao capital estrangeiro – CIMPOR, PT, EDP, REN, ANA … – uma crise sem fim no sector financeiro, com elevados custos públicos, uma colectividade humana destroçada, empobrecida e reduzida de meio milhão de cidadãos na força da vida, 5% da população, 10% da sua força de trabalho! O que vamos pagar muito caro no médio prazo.

A preocupação do PCP pelo endividamento externo do País não apareceu em 2011, com a especulação da dívida pública na Zona Euro.

Bem pelo contrário. Constituiu uma persistente preocupação, e uma consolidada orientação na análise e proposta das políticas nacionais. O que se encontra documentado pelas resoluções e comunicações de muitas iniciativas de política económica.

No nosso XVIII Congresso, em 2008, quando a tempestade já se despencava sobre as nossas cabeças, avisámos: “Os que hoje enfatizam a importância do euro na resistência do País à crise não estão apenas a falar cedo demais. Deveriam explicar que sustentabilidade e acréscimos de produtividade e competitividade trouxe o euro à economia portuguesa. Ou pelo menos interrogarem-se sobre como vai o País pagar a sua gigantesca dívida externa. Porque se há coisa segura e certa, é que os credores, mais tarde ou mais cedo, vão bater à porta e cobrá-la!”

E no Programa Eleitoral para as Eleições Legislativas de 2009 não tivemos dúvida em escrever, quando alguns ainda douravam a pílula: “O País vive uma crise económica e social de grandes proporções (…). O elevadíssimo endividamento dos agentes económicos não financeiros e das famílias não começou ontem. O brutal défice e dívida externa, resultantes da destruição do tecido produtivo e das baixas produtividades e competitividades, medram há longos anos, num processo cumulativo sem interrupções.”

E não desistimos de alertar para o problema. Estávamos em 11 de Outubro de 2010, já a especulação da dívida pública era um facto, mas ainda a 6 meses da entrada da Troika, e o PCP reclamava em posição pública “Outra política para travar a especulação e o endividamento nacional”!

Peço-vos desculpa da insistência nesta “história”. Mas a amnésia é uma doença muito disseminada. E deixar sublinhada uma ideia: não andamos todos distraídos dos problemas do endividamento externo do País…

Com a transformação do Pacto de Agressão no Programa do Governo PSD/CDS P. Coelho/P. Portas, sob a tutela da Troika, as “narrativas” de classe intensificaram-se, para que a propaganda ajudasse a vencer a enorme resistência e luta dos trabalhadores e do povo.

A resposta ao problema da Dívida Pública continua a ser hoje a questão política nuclear do País. Mas não menos decisivo foi e é identificar com rigor as causas da Dívida, identificar as políticas, as dinâmicas económicas e sociais que a fizeram crescer/engordar, até atingir a sua actual dimensão.

Essa identificação é crucial para lhe responder adequadamente e equacionar com igual rigor e solidez as soluções, hoje, para Portugal.

As causas, na nossa opinião, estão na política de direita, prosseguida há 38 anos por governos PS, PSD, com/sem CDS, com um conteúdo central: uma recuperação capitalista, monopolista e imperialista, com 3 eixos estruturantes: as privatizações, liberalização e desregulamentação económicas, a integração capitalista europeia, e a significativa “financeirização” da economia nacional.

As dívidas, pública e externa, as dívidas das famílias e das empresas, estão indissoluvelmente ligadas/articuladas com estas opções políticas e estratégicas!

Ainda 3 anotações.

A baixa competitividade da economia portuguesa é a consequência de um baixo nível salarial e uma extensa e intensa jornada de trabalho. E de um euro forte, conjugado com a predação dos sectores de BT pelos sectores de BnT, num tecido económico fortemente monopolizado/oligopolizado.

O desequilíbrio das contas públicas tem a ver certamente com a anemia económica – estagnação, baixo crescimento, recessão – desde a entrada na Zona Euro. Mas hoje também está claro, depois dos leaks do Liechtenstein, da Suíça, do Luxemburgo e da Holanda, do Furacão e do Monte Branco, das Mil Famílias que não pagam impostos, e dos Papéis do Panamá, que o Estado português não tem despesa a mais, tem é receita a menos… pela evasão fiscal dos “amigos” das contas públicas equilibradas à custa de mais carga fiscal sobre o trabalho e os pequenos empresários e de brutais restrições com o SNS, a educação, os apoios sociais.

Os défices de produção, sobretudo de produções de elevado valor acrescentado, são o resultado da Divisão Europeia do Trabalho, acelerada e oleada pelo euro.
Sublinhe-se ainda que a “absolvição” da política de direita, e a desresponsabilização política dos partidos PS, PSD e CDS que a levaram a cabo, na “produção” da Dívida é também (uma velha tentativa) uma forma de dizer “todos somos culpados”! E como somos todos, ninguém é culpado…

Sabemos que há os que continuam convencidos que a “doença” dos défices e dos endividamentos reside em nós, no País, no Estado Português, nos portugueses, e que é possível responder-lhe, sem quebrar amarras e constrangimentos externos, nomeadamente ao nível das nossas relações com a UE. Ou seja, os que pensam que os Excedentes externos em 2015, de 8,3 % do PIB da Alemanha (violando reiteradamente as recomendações comunitárias), nada tem a ver com os nossos Défices. O Euro não falhou, como pensam alguns, cumpriu o papel para que foi criado!

Mas estes são os impenitentes, para quem os interesses do capital são a bússola que deve guiar Portugal e o mundo!

Apesar da continuidade dos que pensam que um dia haverá “eurobonds”, numa mutualização das dívidas ditas ”soberanas”, à custa da Alemanha e de mais alguns que continuam a pensar que “um Euro bom é possível”, houve avanços significativos, mesmo se não decisivos, na compreensão e consciência, teórica e política, do problema da Dívida.

Com dificuldades, é certo, foi progredindo a ideia da renegociação, senão nos termos apresentados pelo PCP, pelo menos da renegociação para a sua reestruturação nos prazos e juros. Em Março de 2014, surgiu um manifesto de 74 personalidades de diversas áreas políticas e ideológicas apelando à reestruturação da Dívida. Mesmo se alguns não se mostraram posteriormente muito firmes e coerentes nos seus propósitos… mesmo se a proposta se encontrava particularmente vinculada aos améns da UE. Mas foi um progresso, como o PCP não deixou de assinalar.

Evoluções que são certamente um reflexo das lutas dos trabalhadores e dos povos na Europa. Evoluções que reflectem igualmente a constatação dos desastres a que essas políticas conduziram a Grécia, Portugal e outros países.

É certo que continuam as ilusões, as ambiguidades e as tibiezas. Como as que se expressam no PS, ao recusar a assunção pelo Estado português de uma decisão própria, limitando-se a esperar por uma hipotética iniciativa dos órgãos da UE.

É certo que há os que julgam possível continuar a fazer a gestão da dívida, na sua actual dimensão, fazendo o seu rolamento, e esperando que as taxas de juro não subam, os preços do petróleo continuem baixos, que os nossos mercados na Europa cresçam, o euro se mantenha enfraquecido face ao dólar, e que a liquidez das Facilidades Financeiras (QE) do BCE/Draghi cheguem à economia real…Sempre com muita fé de que não aconteçam coisas indesejáveis, como uma nova salvação de banco, um aprofundamento da deflação… É muita expectativa numa “situação” que mesmo que se mantenha por algum tempo, não permitirá à economia nacional, com a urgência que se impõe, sair do marasmo.

É certo que existem todos e muitos outros obstáculos. Mas julgamos também, face ao que referimos das alterações em Portugal e na Europa, que o momento é azado para regressarmos à luta pela renegociação da dívida pública. Uma iniciativa que tem obrigatoriamente de ser conjugada, articulada com novas políticas para o Euro e a Banca.

O que estamos a fazer hoje aqui será certamente uma contribuição enriquecedora nessa direcção.

O serviço da dívida pública portuguesa é um fardo pesadíssimo que compromete o presente e o futuro do País. Queremos renegociar a Dívida como um direito do povo português a decidir do seu destino. Como questão central na afirmação da soberania e independências de Portugal.

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