Intervenção de Paulo Sá, Deputado, Sessão «Renegociação da dívida, condição para o desenvolvimento e soberania nacional»

"Só com a renegociação da dívida pública nos moldes propostos pelo PCP é que os portugueses poderão aspirar a um futuro melhor"

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Há precisamente cinco anos, no dia 5 de abril de 2011, o PCP apresentou ao povo português a sua proposta de renegociação da dívida pública.

Nessa altura, estava no seu auge um ataque concertado, maciço e especulativo à dívida soberana portuguesa por parte dos mercados financeiros. Tal como nos ataques anteriores às dívidas soberanas da Grécia e da Irlanda, as taxas de juro da dívida pública portuguesa dispararam, atingindo valores incomportáveis.

Os defensores dos interesses dos credores insistem em atribuir o rápido crescimento da dívida pública aos alegados gastos excessivos do Estado com salários e pensões e ainda com a educação, saúde e proteção social, encontrando aí a prova de que os trabalhadores e o povo português viveram acima das suas possibilidades.

Mas esta suposta teoria não encontra sustentação nos factos. Na realidade, em 2010 e 2011, os trabalhadores e o povo português já estavam a ser sujeito às chamadas medidas de austeridade, por via da aplicação de sucessivos PEC, implicando a redução de salários, pensões e prestações sociais, assim como dos gastos com as funções sociais do Estado. Se, nessa altura, a dívida pública e os seus encargos anuais estavam a aumentar exponencialmente, isso devia-se ao ataque especulativo que os mercados financeiros desencadeavam contra Portugal.

A proposta do PCP de renegociação da dívida pública atacava o problema pela raiz e rejeitava qualquer tentativa de responsabilização abusiva dos trabalhadores e do povo que seria utilizada, como os acontecimentos subsequentes vieram a comprovar, para os espoliar dos seus direitos e rendimentos.

Em junho de 2011, logo no início da XIIª Legislatura, a proposta do PCP de renegociação da dívida, articulada com outras medidas visando o crescimento económico, a criação de emprego e a defesa da soberania nacional, foi formalizada na Assembleia da República, constituindo-se como uma alternativa ao chamado Programa de Assistência Económica e Financeira que PS, PSD e CDS haviam negociado com a Comissão Europeia, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Central Europeu.

Por um lado, o Programa da Troica institucionalizava, consolidava e aprofundava a política de austeridade, impondo a liquidação de direitos laborais e sociais, o confisco de rendimentos dos trabalhadores e do povo, o aumento dos impostos sobre os rendimentos do trabalho, o desmantelamento de estruturas e serviços do Estado e a alienação de importantes instrumentos de política económica por via das privatizações, enquanto defendia os interesses dos credores privados, transferindo a sua dívida para credores institucionais e garantindo-lhes que receberiam até ao último cêntimo o produto da sua agiotagem.

Por outro lado, a proposta do PCP de renegociação da dívida identificando as causas imediatas do aumento da dívida pública, assim como as causas mais profundas, estabelecia as bases de uma alternativa política, financeira, económica e social para o País, dando uma resposta patriótica e de esquerda ao rumo de desastre nacional que o Governo PSD/CDS se preparava para impor ao País.

Discutida ainda no mês de junho de 2011, a proposta do PCP de renegociação da dívida foi chumbada, como já era expectável, pelos votos conjugados dos partidos que um mês antes haviam subscrito o Programa da Troica: PS, PSD e CDS.

Os acontecimentos subsequentes viriam a comprovar a justeza da posição do PCP de rejeitar o Programa da Troica e propor, em alternativa, a renegociação da dívida nos seus prazos, juros e montantes. A concretização, pelo Governo PSD/CDS, das imposições da Troica levou a um processo de acelerada destruição da economia nacional, que afundou o País na recessão, aprofundou a dependência externa e levou ao contínuo aumento da dívida e dos seus encargos anuais. Sucediam-se falências de micro e pequenas empresas, o desemprego disparava para níveis nunca vistos na nossa história recente, liquidavam-se direitos laborais e sociais arduamente conquistados por décadas de luta dos trabalhadores, confiscavam-se salários e pensões, promovia-se o despedimento sem justa causa, violava-se o direito à saúde, à educação e à proteção social.

O Governo PSD/CDS usava, pois, as imposições da Troica como pretexto para concretizar o velho sonho da política de direita de ajustar contas com o 25 de Abril e com as suas conquistas.

Foi neste quadro desolador, de aumento da exploração, empobrecimento e declínio nacional, de degradação do regime democrático, de permanente afronta à Constituição da República, que o PCP apresentou novamente na Assembleia da República, em junho e setembro de 2012, a sua proposta de renegociação da dívida pública.

Apesar da evidência acumulada de que as políticas impostas no âmbito do Programa da Troica não só não resolviam os problemas do País, como constituíam um fator do seu agravamento, PS, PSD e CDS voltaram a unir os seus votos para rejeitaram o caminho alternativo apontado pelo PCP.

Perante a gravidade da situação nacional, traduzida nos níveis insuportáveis da taxa de desemprego, nos baixos salários, na emigração maciça, no alastramento da pobreza e da miséria e no agravamento das injustiças e desigualdades sociais, o PCP continuou a bater-se empenhadamente pela renegociação da dívida e pela adoção de outras medidas que contrariassem o desastre nacional a que o nosso País estava a ser conduzido.

Em de 2014, voltámos a apresentar na Assembleia da República, por quatro vezes, a nossa proposta de renegociação da dívida, articulando-a com outras medidas indispensáveis para uma rutura com a política de direita, nomeadamente, a recuperação da produção nacional, o aumento do investimento público, a valorização do trabalho e dos trabalhadores, a defesa dos serviços públicos, a adoção de uma política fiscal mais justa, assim como a preparação do País para a saída do Euro e o controlo público da banca.

Decorridos os três anos de aplicação do Programa da Troica, apesar das intensas operações de propaganda em torno de uma alegada saída limpa, a verdade é que a dívida pública não só não tinha diminuído para níveis de sustentabilidade, como tinha crescido a um ritmo acelerado, sem paralelo na nossa história recente. Se em 2010, ano imediatamente anterior à aplicação do Programa da Troica, a dívida pública era de 96,2% do PIB, em 2014 atingia já uns inimagináveis 130,2%. Também os encargos anuais com os juros da dívida pública haviam disparado nestes anos: em 2010 eram de cerca de 5.300 milhões de euros, enquanto em 2014 atingiam já os 8.600 milhões, um aumento superior a 60%. O proclamado objetivo central do Programa da Troica não tinha sido atingido, tornando evidente que todo o discurso em torno da redução da dívida pública encobria um outro objetivo – inconfessado – de a usar para impor uma política de austeridade, visando o aprofundamento da exploração dos trabalhadores e a transferência de rendimento do trabalho para o capital.

Nessa altura, o discurso da direita de sustentabilidade da dívida pública portuguesa assentava em projeções sobre a sua evolução futura, que apontavam o ano de 2035 como o ano em que a dívida desceria abaixo do limiar de 60% do PIB imposto pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento. Contudo, para se atingir esse valor, o saldo orçamental primário teria de ter valores médios superiores a 3,5% durante os 20 anos seguintes. O que os executantes e defensores da política de direita escondiam dos portugueses é que saldos primários positivos dessa envergadura, num cenário de fraco crescimento económico, só poderiam ser atingidos com a manutenção das medidas de austeridade durante esses 20 anos. Ou seja, embora o Programa da Troica tivesse sido formalmente concluído em maio de 2014, a política da Troica ficava por cá, prometendo infernizar a vida dos trabalhadores e do povo pelo menos por mais duas décadas.

Mais recentemente, aquando da discussão do Orçamento do Estado para 2016, o atual Governo atualizou estas projeções, as quais, tendo em conta previsões mais realistas do crescimento do PIB, do saldo primário e das taxas de juro, apontam não 2035 como o ano em que a dívida descerá abaixo dos 60% do PIB, mas sim o longínquo ano de 2055.

Perante estas projeções, se dúvidas houvesse, elas seriam dissipadas: a dívida pública portuguesa é insustentável. Esta conclusão não é posta em causa pelos dados do INE da semana passada que apontam para uma dívida pública, em finais de 2015, de 128,8% do PIB, ligeiramente abaixo do valor registado em 2014.

Já em 2015, o PCP voltou a levar a questão da dívida pública à Assembleia da República, propondo ao Governo a realização das diligências necessárias, junto dos Estados-membros da União Europeia, para a convocação de uma Conferência Intergovernamental destinada a debater o problema das dívidas públicas dos Estados-membros da União Europeia e a iniciar o processo de revogação do Tratado Orçamental.

A vida veio comprovar a justeza da proposta do PCP de renegociação da dívida pública nos seus prazos, juros e montantes, O País foi sujeito a um brutal programa, eufemisticamente designado de programa de ajustamento, que acentuou a exploração dos trabalhadores, empobreceu as populações e afundou a economia nacional, sem que o problema da dívida fosse resolvido, nem sequer mitigado. Pelo contrário, Portugal está hoje mais endividado e mais dependente do que no início do Programa da Troica. O País perdeu muito por não ter iniciado o processo de renegociação da sua dívida pública em 2011, tal como o PCP propôs. Mas perderá muito mais se continuar a submeter-se às imposições e interesses dos credores e não encetar esse processo.

Durante os últimos 5 anos levámos, incansavelmente, o debate da renegociação da dívida pública à Assembleia da República. Não nos deixámos intimidar pelo coro de críticas e protestos com que a nossa proposta era recebida, por parte daqueles que colocavam os interesses dos credores acima dos interesses nacionais. Continuaremos firmes nesta luta – de que esta sessão pública é mais um exemplo – porque só com a renegociação da dívida pública nos moldes propostos pelo PCP é que os portugueses poderão aspirar a um futuro melhor.

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