Artigo de Ilda Figueiredo no «Comércio do Porto»

«Referendo sobre o aborto»

Sempre dissemos que não era necessário qualquer referendo para despenalizar a interrupção voluntária da gravidez, até às 12 semanas, a realizar em estabelecimento de saúde devidamente credenciado para o efeito, a pedido da mulher, e acabar com a autêntica tragédia do aborto clandestino.

Sempre afirmámos que bastava alterar a lei injusta e iníqua que tem sido responsável pelo vexame de mulheres nos tribunais, acusadas de práticas de aborto clandestino. Todas e todos temos presente os dramas das mulheres julgadas na Maia, em Aveiro, em Lisboa ou Setúbal, entre muitas outras e outros, que também foram arrastados para estes processos, que envergonharam o País.

Sempre dissemos que se tinha de acabar com o sofrimento de milhares de mulheres que todos os anos percorriam os meandros difíceis do aborto clandestino, responsável pela mutilação de milhares de mulheres e, mesmo, pela morte de diversas, que não puderam contar com o apoio técnico de médicos e outros profissionais de saúde em hospitais ou outros estabelecimentos de saúde devidamente preparados para o efeito.

Sempre dissemos que a Assembleia da República tinha toda a legitimidade para aprovar a lei que, em 1998, ficou pelo caminho, apesar de aprovada na generalidade, só por que o Primeiro-ministro de então, Eng. António Guterres, também responsável do PS naquela época, chegou a acordo com o PSD, e decidiram promover um referendo. Recorde-se que o referendo não chegou a ter qualquer valor jurídico, dado que votaram menos de metade dos eleitores.

Sempre dissemos que, com uma nova maioria na Assembleia da República, que manifestamente apoiava a despenalização do aborto, era possível resolver o problema sem mais demoras.

Por isso, após as eleições legislativas de 20 de Fevereiro passado, que derrotaram os Partidos da coligação PSD/CDS, o PCP apresentou na Assembleia da República o seu projecto de lei, em coerência com a posição que sempre defendemos de pôr cobro, quanto antes, a esta situação do aborto clandestino.

Lamentavelmente, PS e BE insistiram na realização do referendo, mesmo tendo também apresentado projectos de lei sobre a despenalização do aborto.

Ora, as apreensões e receios que manifestamos aquando da opção que considerámos negativa, imposta pelo PS e BE, de fazer depender a alteração da lei do aborto da realização de um referendo, em vez da aprovação da Lei na Assembleia da República, acabam agora de ser confirmadas com a decisão tomada pelo Presidente da República de não convocar o referendo ao aborto e de devolver a responsabilidade à Assembleia da República.

Esta decisão, agora anunciada pelo Presidente da República, coloca na ordem do dia a urgente e necessária aceleração do processo legislativo, iniciado a 20 de Abril, com a aprovação de um Projecto-Lei do PS, que contou com os votos favoráveis de uma ampla maioria de deputados do PS, do PCP, do BE e do PEV.

Perante esta decisão, e com a eminente manutenção da dramática e desumana situação a que as mulheres portuguesas se encontram sujeitas, como afirmou Fernanda Mateus, da Comissão Política do meu partido, o PCP desafia o PS e o BE para que, abandonando os caminhos tortuosos em que enredaram a questão, se disponibilizem, sem demoras, para retomarem o processo legislativo e fazerem aprovar uma nova Lei que, em definitivo, despenalize o aborto.

Este é um momento decisivo para exigir que, quanto antes, se leve até ao fim o processo legislativo que permita pôr cobro aos dramas do aborto clandestino, respeitando a dignidade das mulheres. Assim o espero.

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