Intervenção de Agostinho Lopes, membro do Comité Central, Seminário «Controlo público da banca, condição para o desenvolvimento da soberania nacional»

O processo de privatizações e o seu papel na reconstituição monopolista em Portugal

O processo de privatizações e o seu papel na reconstituição monopolista em Portugal

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1. Não foi certamente por acaso, que as privatizações iniciadas em 1989 privilegiam até 1996, o sector bancário e segurador. Operações, que tinham sido antecedidas da abertura do sector financeiro ao capital privado, com as sociedades parabancárias primeiro e depois bancos privados. Privatizações que vão ser os núcleos de “cristalização” de 5 Grupos Económicos Monopolistas. Os Grupos Champalimaud, Espírito Santo, BCP/Jardim Gonçalves, Mello e BPI. Um objectivo nuclear da política de direita do PS, PSD e CDS, rigorosamente definida pelo PCP, como Recuperação Capitalista e Monopolista, estava concretizado.

Correspondia à estratégia e modelo económicos defendidos por essas forças políticas. Correspondia ao que Ernâni Lopes definia como “núcleos de racionalidade económica” e que depois numa fórmula mais explícita, para o 1º Ministro António Guterres, seriam “os elementos racionalizadores das transformações económicas do País, da modernização e de um novo modelo de especialização”. Hoje sabemos bem, e dolorosamente, onde acabou essa “racionalização".

Grupos, que com outros já constituídos ou em constituição, vão ser a base da condução e desenvolvimento do processo de privatizações de outros sectores e áreas. Negócios de privatização onde intervêm como consultores, intermediários, e…clientes, arrecadando grossas quantias, e garantindo a sua presença nos núcleos de accionistas de referência das novas empresas privatizadas. Crescem e alargam as suas actividades, e funcionam como bases de acumulação – centralização e concentração – de capital. E na sua articulação com o poder político assumem um papel central na intervenção/direcção da política (económica) do País.

Desempenham igualmente um papel fulcral na “financeirização” da economia portuguesa. Como escrevemos no Congresso de 2012 (depois de abordagens anteriores, ainda na Conferência Económica e Social de 2007), “A financeirização da economia desenvolveu-se em intensa articulação com a reconstituição dos grupos monopolistas e em particular com o papel que, após a privatização do sector bancário e segurador público, o sector financeiro privado voltou a ter na condução da economia nacional.

2. Há ou não razões para questionarmos as privatizações face ao afundamento da banca nacional, em geral arrastando o subsector segurador?

Na nossa opinião há, e por duas razões. Para inscrevermos na factura das privatizações os custos privados e públicos do desastre do sector financeiro ainda por fechar. Para pormos a nu a fraudulenta argumentação de alguns dos seus promotores e advogados. Que, de caminho, encontraram justificações, explicações para o afundamento bancário, sem pôr em causa o capitalismo, a banca privada e a política de direita de RCM.

O mais sofisticado dos argumentos é que as nacionalizações foram uma fonte de destruição de valor, que as indemnizações não foram as razoáveis/adequadas, e logo que os capitalistas que adquiriram ou readquiriram as empresas a privatizar, o fizeram numa situação de elevados défices de capital, tendo de recorrer a elevados endividamentos, pecado original, de que as empresas já privatizadas, nomeadamente as do sector financeiro, nunca recuperaram. Argumento presente, por exemplo, nos textos da Associação Missão Crescimento. O que essas inteligências não querem alcançar, é que muito da capital/valor das empresas nacionalizadas, nomeadamente da banca, foi “ratado”, numa gestão danosa posta ao serviço, das entidades financeiras privadas, exactamente como fase preparatória das privatizações.

O que essas inteligências não alcançam é que as empresas nacionalizadas foram vendidas, em geral a preços de saldo.

O que essas inteligências não alcançam é que, após as privatizações, o sector financeiro afixou durante anos lucros fabulosos e distribuíram 8 mil milhões de dividendos – uma proporção de quase um terço! Como disse alguém, não eram lucros que se distribuíam pelos accionistas, era capital!

O que essas inteligências não querem alcançar é que a banca portuguesa reproduzindo mimeticamente o sistémico comportamento de toda a banca privada do mundo capitalista, alavancou depósitos e endividou-se para lá de todos os limites prudenciais, concedendo créditos de elevado risco, aplicando fundos desregradamente no imobiliário e na especulação bolsista, destruindo valor, pela transformação de poupança e activos em produtos tóxicos. A que se devem juntar as práticas irregulares, ilegais e de pura ladroagem…Segundo o BdP, desde 2008, foram quase 40 mil milhões de “imparidades”.

Há também os que procuram atacar o controlo público/nacionalização como resposta aos desmandos e prejuízos causados pela banca, usando como termo de comparação a gestão “pública” da CGD, e não só.

Esquecem (querem fazer por esquecer!) é que o problema da CGD – os casos de gestão pública do que sobrou do BPN, BES/NB, Banif não podem ser aqui inseridos a não ser por manifesta desonestidade intelectual! – foi sempre sob a tutela de governos do PS/PSD/CDS, os de uma gestão inteiramente similar ao das gestões – lógica, critérios, estratégias e objectivos, comportamentos negociais – dos bancos privados.

É uma evidência que não basta à banca ser pública, quando o poder público está ao serviço dos grandes interesses privados! Mas mesmo assim há uma pequena diferença, que o enviesamento ideológico não deixa alcançar. A diferença. A dimensão dos impostos pagos pela CGD. Os milhões de euros de lucros/dividendos arrecadados pelo Estado.

3. É já hoje fácil ver a factura da aritmética contabilística das privatizações. Fixemo-nos apenas no sector bancário.

Segundo o tal Livro Branco (do Governo PS/MF Sousa Franco) as receitas das privatizações do Sector Bancário do período 1989/1997, foram avaliadas em 3. 634, 8 milhões de euros e a preços correntes. Ou seja 3,6% do PIB (1997). Que agora compara (mal comparado que seja) com os 11,3% do PIB (19,5 mil milhões de euros) que o Estado Português segundo o BCE (2015) gastou, no período 2008/2014, a salvar bancos (ainda não contabilizava os custos acrescidos do Banif…).

A estes prejuízos públicos dever-se-á, nesta aritmética-contabilística, juntar o valor, atrás referido, dos lucros/dividendos que o Estado não recebeu, por causa da privatização.

Mas há que ir mais além daquela aritmética-contabilística, e referir muitos outros e graves prejuízos.

4. A recuperação capitalista e monopolista, com a reconstituição dos grupos económicos monopolistas, via privatizações, e onde assumiu um papel central a privatização do sector financeiro, teve e tem consequências, que estão bem à vista, na experiência destes quase 30 anos de fúria privatizadora.

Não. Os grupos económicos monopolistas não foram nem serão «núcleos de racionalidade económica», como afirmavam alguns. Mas núcleos de racionalização de interesses privados, segundo o seu muito antigo, conhecido e natural critério de racionalidade: a maximização da taxa de lucro. Haja o que houver. Sejam as consequências quais forem: económicas, sociais, políticas ambientais, para a independência e soberania nacionais. Para os trabalhadores e o povo português.

Uma política alternativa exige a ruptura com o domínio do capital monopolista, com os grupos económicos monopolistas transformados nas células estratégicas da estrutura e funcionamento do tecido económico.

Nessa ruptura, terá um papel chave a criação de uma banca pública, um sector financeiro sob controlo público.

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