Intervenção de Cláudia Russo, membro da Comissão Concelhia da Moita, Debate «Política patriótica e de esquerda em defesa dos direitos das mulheres – A alternativa do PCP para o combate à violência doméstica»

"A violência no geral e a doméstica, aqui em particular, é fruto e sintoma de uma sociedade doente"

Sejam bem-vindos a esta tarde de partilha e de debate sobre um tema tão actual quanto preocupante, e sobre o qual o PCP não poderia deixar de se debruçar e dar o seu contributo – A violência sobre as mulheres, nas suas diversas formas. Desde a violência doméstica dentro das suas casas, até à violência e discriminação de âmbito pessoal, social, profissional, enquanto mulher, mãe, companheira, trabalhadora.

E pensamos nós: «Mas estamos no século XXI.» Tanto se fez, tanto se avançou… Como pode permanecer este flagelo?

Dentro de casa, no trabalho, em todas as esferas sociais, as decisões e as leis, do trabalho e outras, têm ditado a perpetuação destes comportamentos violentos e discriminatórios sobre a população e, sobretudo, sobre as mulheres.

Mulheres que são vítimas de agressões físicas e psicológicas por parte dos maridos, companheiros, namorados, ou de violência e discriminação por parte de patrões e colegas de trabalho.

Para isto muito tem contribuído a alternância, sem alteração, da governação à direita dos mesmos de sempre – PS, PSD e CDS-PP.

Desta forma, o PCP não poderia deixar de depositar em cada um dos camaradas, militantes e simpatizantes não só a sua preocupação, mas também garantir, em conjunto com o seu colectivo partidário e restantes individualidades aqui hoje presentes, as respostas que procura dar e expor detalhadamente para este tema problemático e sintomático.

A violência no geral e a doméstica, aqui em particular, é fruto e sintoma de uma sociedade doente. De uma sociedade que desrespeita os valores e os direitos da pessoa humana. Que deixou de pensar, de saber e de responsabilizar cada um pelos seus actos.

De uma sociedade que não cuida dos seus elementos e, sobretudo, descuida as mulheres e o seu papel e função social. A sua importância no tecido social. O seu papel emancipador e progressista. A sua capacidade multifacetada de se colocar em diferentes frentes de luta.

De uma sociedade que descura o seu papel como pessoa, trabalhadora, dentro e fora dos seus lares. Educadoras, activistas, lutadoras.

De uma sociedade que desvaloriza o papel da mulher no seu todo, que a discrimina e explora duplamente.

Só com a continuação da luta as mulheres podem defender os seus direitos e dizer: Basta!

As mulheres reconhecem que a Revolução de Abril abriu caminhos para a sua emancipação. Hoje, pretende-se reduzir esses caminhos a trilhos, empoeirados e estreitos em que a política de direita realizada pelos sucessivos governos do PS, PSD e CDS-PP tem tido um papel preponderante.

São este os responsáveis pelo agravamento das suas condições de vida e de trabalho, das desigualdades e discriminações e pelo profundo retrocesso no exercício dos seus direitos.

Salários baixos, cortes na educação e na saúde, instabilidade dos vínculos laborais, afastamento das mulheres pelo risco de engravidar, impedem a mulher de alcançar etapas da vida, como a maternidade. Da sua decisão de quando e se querem ser mães. De constituir família, se assim o entenderem. Não porque é pressuposto. Porque são mulheres e cabe-lhes a função de procriar.

A maternidade e a paternidade são decisões, mas que devem ser apoiadas. Caso contrário, são imposições. Sem escolha, sem oportunidade.

As mulheres dizem: Basta! Basta destas condições cada vez piores. Basta de políticas de empobrecimento e de exploração.

A violência doméstica tem causas económicas, sociais e culturais. Estas, reforçam dinâmicas psicológicas de culpabilização, de impotência e de passividade que é necessário romper.

A violência doméstica refere-se, sobretudo, a comportamentos expressos e praticados numa relação por uma das partes, com a intenção de subjugar e controlar a outra. As pessoas envolvidas podem ser casadas, ser ou não do mesmo sexo, viverem juntas, separadas, ou namorarem.

De salientar que «todos podem ser vítimas de violência doméstica». As vítimas e agressores podem ser ricos ou pobres, de qualquer idade, sexo, religião, cultura, grupo étnico, orientação sexual, formação ou estado civil.

Daí a importância de debater e analisar este tema que envolve toda a sociedade e é responsabilidade de todos querer compreender para prevenir e erradicar.

A violência contra as mulheres tem sido tema abordado por inúmeros instrumentos internacionais, através dos quais os Estados se comprometeram a prosseguir por todos os meios apropriados uma política no sentido da sua eliminação, reconhecendo-se igualmente a necessidade de prestar assistência às vítimas, através de serviços de natureza vária. (DL 323/2000)

O Plano Nacional contra a Violência Doméstica, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 55/99, de 15 de Junho, reconhecendo que a violência doméstica é um flagelo que põe em causa o próprio cerne da vida em sociedade e a dignidade da pessoa humana, previu, em sede de Objectivo II, «Intervir para proteger a vítima de violência doméstica», a criação de uma rede de refúgios para vítimas de violência, desiderato a que a Lei n.º 107/99, de 3 de Agosto, veio dar cumprimento.

O sexto relatório do MAI (Ministério da Administração Interna) de 2014 abrange as participações às Forças de Segurança (FS), registadas a nível nacional em 2013. Assim:

1. Em 2013, as FS registaram 27 318 participações de violência doméstica – 42,2% pela GNR e 57,8% pela PSP –, o que correspondeu a um aumento de 2,4% relativamente a 2012;

2. No Continente, 25 188 participações; 1112 na RA dos Açores; e 1018 na RA da Madeira;

3. Os distritos onde se registaram mais participações: Lisboa, Porto, Setúbal, Braga e Aveiro;

4. Por mês, em média, as FS receberam 2276 participações, 75 por dia e 3 por hora;

5. No 1.º semestre de 2014 as FS registaram 13 071 participações, o que corresponde a uma taxa de variação de 2,3% face ao período homólogo de 2013.

Em 35% dos casos registados pela GNR existiam ocorrências anteriores, tendo sido reportadas ou não às Forças de Segurança.

Em relação às situações registadas pela PSP, em 21% existiam ocorrências anteriores formalizadas através de outras participações.

Em 39% dos casos as ocorrências foram presenciadas por menores, proporção ligeiramente inferior à registada em anos anteriores (42% em 2012).

A violência física esteve presente em 71% das situações, a psicológica em 80%, a sexual em 2%, a económica em 9% e a social em 12%.

Caracterização da vítima:

- Em 85% dos casos é do sexo feminino; 49% casadas ou em união de facto; idade média de 41 anos; e 78% não dependiam economicamente do denunciado;

- 68% possuíam habilitações literárias iguais ou inferiores ao 9.º ano e 28% habilitações ao nível do ensino secundário ou superior; Quase metade, 46% das vítimas, encontrava-se empregada; 26% estavam desempregadas; 10% eram domésticas; 11% eram reformadas/pensionistas, e 7% eram estudantes;

- As relações conjugais presentes ou passadas representaram cerca de 79% dos casos (conjugalidade presente: 59% e passada: 20%); 7% das vítimas eram descendentes do denunciado, 7% eram ascendentes e 6% correspondiam a relações de namoro (presente: 2,6% e passado: 3%);
Cerca de 14% nasceu no estrangeiro, sendo que as vítimas naturais dos PALOP representavam 6% e as oriundas do Brasil 3%.

Denunciado:

- Geralmente do sexo masculino (88%); casados ou em união de facto (51%); idade média 42 anos; e não dependiam economicamente da vítima (85%);

- Em quase 3/4 dos casos possuíam habilitações iguais ou inferiores ao 9.º ano (73%) e cerca de 21% ao nível do ensino secundário ou do ensino superior;

- A maioria (56%) encontrava-se empregado; 31% estavam desempregados; 9% em situação de reforma/pensão; 4% eram estudantes ou domésticos;

- Em 13% dos casos o denunciado nasceu no estrangeiro; sendo que os naturais dos PALOP representavam 7% e os oriundos do Brasil 2%;

- Cerca de 9% possuía uma arma, sendo que em 4% das situações foi utilizada (em 2% dos casos arma branca, arma de fogo em quase 1%);

- Problemas relacionados com o consumo de álcool presentes em 41% dos casos; problemas relativos ao consumo de estupefacientes em 11%.

Estatuto de vítima e decisões finais em processos-crime:

- Em 85% dos casos registados pelas FS ocorreu a atribuição do estatuto de vítima, em 4,5% houve atribuição, mas a vítima prescindiu do direito à informação, e em 10% dos casos a vítima recusou;

- Do total de resultados de inquéritos de violência doméstica (relativos a 2012 e 2013) comunicados à DGAI até 9/7/2014 (n=15311), observou-se que 76% referiam-se a arquivamento, 18% a acusação e 5,5% a suspensão provisória do processo;

- Efectuando uma análise comparativa entre os serviços do Ministério Público que comunicaram mais de quinhentas decisões, constatam-se diferenças nas taxas de acusação e de arquivamento;

- Das sentenças proferidas em processos-crime por violência doméstica, transitadas em julgado entre 2012 e 2013 e comunicadas à DGAI até 9/7/2014 (n=2229), mais de metade resultou em condenação (58%);

- Em 60% dos casos as penas foram prisão entre 2 a 3 anos, geralmente suspensas por igual período de tempo. Em mais de metade dos casos de condenação estava assinalada a existência de penas acessórias (62%), surgindo frequentemente a indicação de que a pena suspensa era acompanhada de regime de prova que terá por base um plano de reinserção a elaborar pela Direcção-geral de Reinserção e Serviços Prisionais;

- Entre as penas acessórias determinadas surgiu frequentemente a obrigação de frequentar programa de prevenção de violência doméstica, submissão do arguido a tratamento médico, tratamento de alcoolismo, acompanhamento psicológico, proibição de contactos com a vítima, indemnização à vítima, entre outras;

- Em alguns casos surgem determinações como inibição de condução, proibição de uso e porte de arma, a obrigação de pagar uma quantia a uma associação de apoio à vítima, afastamento da residência e local de trabalho da vítima, frequência de programa de tratamento de toxicodependência, dever de prestar X horas de trabalho a favor da comunidade, entre outras.

As estatísticas do Relatório Anual de Segurança Interna (RAS)I mostram:

Que a GNR e a PSP atenderam no ano passado a 27 317 situações de violência doméstica, uma variação residual admite-se no relatório face às 27 318 ocorrências de 2013.

Em 2014, acabaram detidos 628 agressores, número dez vezes superior ao que se verificava há uma década. Em 2004, por exemplo, as polícias prenderam apenas 58 agressores.

Nos últimos dez anos, as FS prenderam 3198 agressores sem que no entanto o fenómeno tenha diminuído. Pelo contrário.

Para o aumento das estatísticas poderá ter contribuído o trabalho mais intenso das FS. Em 2004, a GNR iniciou a implementação em todo o país de núcleos específicos para atender e investigar situações ligadas à violência doméstica e, em 2006, a PSP colocou no terreno equipas especializadas para lidar com o fenómeno.

Actualmente a GNR tem quase 500 militares dedicados exclusivamente a este tipo de crime, enquanto a PSP mobilizou perto de 600 agentes no combate ao fenómeno, todos com formação adequada para lidar com as vítimas.

Actualmente, assim como há dez anos, as vítimas continuam a ser maioritariamente mulheres (81% em 2014). Da mesma forma, os agressores são homens (85%) e a maior parte dos casos acontece entre casais (56%) e ex-casais (16%).

A violência contra pais ou padrastos atingiu no ano passado os 5,6%. Em 13,6% das ocorrências de violência doméstica as vítimas foram filhos ou enteados.

Outro dado que se manteve constante nos últimos dez anos diz respeito às situações de violência doméstica presenciadas por menores de idade.

Em 2014, 38% das ocorrências tinham crianças ou adolescentes por perto. Na última década a percentagem de menores rondou sempre os 40%.

Cada criança que assiste a esta barbaridade tem 50% de probabilidades de ser vítima ou agressora.

A luta do PCP contra as desigualdades e as violências, ou contra as discriminações das mulheres e pela melhoria das suas condições de vida, implica o reconhecimento de que só com uma maior e mais organizada participação das mulheres é possível lutar por uma política alternativa e obter êxitos.

Vamos transformar em acção os nossos desejos, para que os nossos direitos sejam cumpridos, porque temos direito a ter direitos e a ter uma vida digna.

O Pacto Europeu para a Igualdade entre Homens e Mulheres (2011-2020) é um desses instrumentos aprovados pela Comissão e o Conselho Europeu que é mais uma vez uma carta de intenções desconexas, que não será mais do que isso, se não for a clarividência e a determinação das mulheres para exigirem medidas consentâneas com a vida em cada região.

O desenvolvimento sustentável, equitativo e justo por que tantos povos lutaram está longe de ser alcançado.

Há razões para aumentar a participação das mulheres e engrossar a luta específica, pelo direito de maternidade/paternidade, contra as discriminações salariais e a segregação profissional, contra as carências do atendimento na saúde às jovens, idosas ou grávidas, por falta de médicos de família, falta de médicos de obstetrícia e ginecologia, pediatria e geriatria no SNS.

Da mesma maneira, a discriminação das trabalhadoras face aos direitos da maternidade, a retirada e quebra das pensões de sobrevivência às viúvas, o aumento do custo de vida, as desigualdades no trabalho e na sociedade, o recrudescimento das violências na família, acompanhadas de um discurso paternalista e assistencialista, exigem a grande mobilização das mulheres de todas as idades e de diferentes camadas sociais, pelo direito a ter direitos.

É esta a luta do PCP. Com as mulheres, pelas mulheres e por todos. Contra a violência. E por uma sociedade mais justa e igualitária.

Viva o PCP!

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